Gabi, a caçula da família faz 18
anos em alguns dias não haverá mais ninguém para ganhar presentes no Feliz Dia
da Crianças (na definição da ONU, 0-17 aa), em casa.
Mas, há os presentes que eu (e
todos os cidadãos adultos brasileiros, inclusive Gabi, em alguns dias) damos às
crianças durante o restante do ano:
- · Crianças no Brasil são ainda 2 vezes mais pobres do que adultos (eram 4 xs há 15 anos). - - São 3,1 vezes mais vítimas da violência doméstica. 4.4 vezes mais vitimadas a violência armada.
- · Há 5 vezes mais juízes do trabalho (para cuidar de 32% da população do que de varas dedicadas à infância (41% da pop.). Crianças são condenadas à prisão (ou vc acredita que a Fundação Casa aplica medida socioeducativa?) por até 3 anos sem direito a um processo legal pleno.
- · Crianças recebem proporcionalmente menos da metade do investimento em saúde (41%)do que adultos.
- · A cada R$10,00 de incentivo para a cultura, apenas 0,61 são aplicados para atividades gratuitas dirigidas às crianças.
- · De cada R$10,00 de elisão fiscal, só R$2,85 são para beneficiar crianças.
- · Brinquedos pagam mais impostos (72,81%) do que carros (57,2%) e armas no Brasil.
- · Crianças são proporcionalmente mais vitimadas por: acidentes de trânsito (+1.6 vezes), violência interpessoal (+1,8) poluição ambiental (+2.3), mas não há nenhuma meta específica para crianças nas políticas nestas áreas.
- · Idosos recebem proporcionalmente 3,2 vezes mais investimentos sociais (Benefícios de Prestação Continuada + Investimento social direto).
Eu poderia seguir esta lista até
o dia do título mundial do Santa Cruz. Mas, acho que você já pegou a ideia: a
sociedade brasileira, o Estado, você, eu, o cara na mesa ao lado, todos
participamos da discriminação contra crianças, e as tratamos como semi-cidadãs
(se é que existe isto). Mesmo em menor proporção, esta segregação é verificada
em praticamente todos os países do mundo.
Agora, coloque estes dados aí de
cima entre parêntesis e multiplique pelo fator MACHISMO. Meninas sofrem ainda
mais do que os meninos.
E de tão banal a discriminação,
acabamos por acha-la natural. Não é.
De tão beneficiados como grupo
dominante que somos, nós adultos racionalizamos. Relativizamos. Fugimos da
realidade. Poderia dizer que negar a realidade é um comportamento
"infantil". Mas, seria injusto com as crianças. Infantil é algo que
nossa sociedade deveria ser e não é.
Pensamos que "a infância
passa". Mas, não passa, fica nas estruturas. Uma sociedade que trata
desigualmente às suas crianças, perpetua a injustiça, embrenha a desigualdade,
reduz suas possibilidades de transformação positiva. Tratar desigualmente as
crianças (e ainda mais desigualmente as meninas) é cavar, com seus próprios
pés, o abismo onde a sociedade cairá.
Ao invés de nos transformarmos
pelas crianças (sermos "como crianças"), transformamos as crianças em
grupo explorado, garantimos a perpetuação do ciclo de injustiça.
Leis para beneficiar idosos todo
mundo acha bonitinho. Beneficiar Criança para que? Se elas sobreviverem e
chegarem a ser idosos, a gente protege.
O discurso fácil diz que é possível incluir sem mexer nos seus
privilégios, sem dividir a conta. Não é.
Tratar as crianças com justiça
representará quebrar os privilégios adultos/machistas. Mas, quem abre mão de
privilégios?
Justiça para Crianças implica em
aplicar prioritariamente o orçamento público a elas. Criar e fazer cumprir leis
que as protejam e respeitem a especificidade. Valorizar, privilegiar, sobrepor
o interesse da criança ao nosso. Tornar-se intolerante com a desigualdade e o
preconceito aplicados a elas. E, sempre: dialogar com elas.
Infelizmente precisamos destes
dias. Tem dia de tudo o que precisamos de um dia para lembrar. Daquilo que esquecemos
nos outros 364/365. Daí não precisar de "Dia do homem branco-hetero de
classe média". Todo dia já é dia do hegemônico.
Parafraseando o slogan de alguns ex-presidente:
"Sociedade desenvolvida é Sociedade que não precisa de Dia das Crianças
nem de Dia das Meninas"
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