Mostrando postagens com marcador Desenvolvimento Sustentável. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Desenvolvimento Sustentável. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O MUNDO QUER SABER SE VOCÊ ESTÁ FELIZ



A busca pelo graal de um índice que reflita o estado de bem-estar integral já conta com mais 40 anos de história. Inicialmente desprezada como poesia pelos economistas, o tema ganhou terreno nesta última década e invadiu departamentos sisudos como os da Universidade de Chicago, Yale e Berlin. Mais recentemente, chegou até aos Bancos Privados (Ex: Banco Itaú, que criou e mede o Índice Itaú de Bem-estar Social) e Grandes Corporações (BP).

Um dos motivos que impulsionou o tema foi o divórcio (se é que um dia foram casados:->) entre a trinca de indicadores clássicos (riqueza, escolaridade e longevidade) de outros como: desigualdade, paz social, suicídios, poupança/esperança, etc. Nos manuais de Economia, tudo viria em um pacote só. Tipo combo do McDonald’s. Ficou rico, leva a batatinha, quer dizer, a paz de brinde. Mas, para surpresa dos economistas (PS: Justiça seja feita aos maridos traídos, na verdade são os Economistas os últimos a saberem das coisas:->) países estão ficando mais ricos educados e longevos e; ao mesmo tempo, a vida (ou a percepção dela) piora. Até o monitoramento do progresso das Metas do Milênio mostra que mesmo países que avançam significativamente nas Metas não experimentam necessária correlação deste avanço com indicadores de qualidade de vida, nem as medidas, nem as percebidas.

Daí, é um quase consenso hoje o tal “Paradoxo do Crescimento”, um nome científico complexo para o que minha avó dizia: “menino, o dinheiro não traz felicidade”.

Até um índice de Felicidade Interna Bruta foi criado e produziu aumento de programas de televisão sobre o bucólico Butão, campeão global do índice, mesmo que nem se deem conta da sua existência. Alias, talvez por isto sejam felizes, porque não se preocupam com indicadores.

A despeito da fragilidade metodológica destas tentativas, é certo de que o mundo precisa de medidas mais antropocêntricas para olhar no espelho. Desenvolvimento bom é o que muda positivamente a vida da maioria das pessoas. Porém que ninguém seja Poliana. A onda dos índices de felicidade tem uma agenda política e mesmo comercial por detrás. Uma das indústrias de crescimento mais surpreendente, durante o atual período de crise econômica e austeridade tem sido "indústria da felicidade". Felicidade passou a ser objeto de trabalho crescente de economistas e matemáticos (e não filósofos ou cantores de axé somente) que estudam o que constitui a felicidade e fazer recomendações aos governos sobre como melhor para aumentá-la.

Não podemos desprezar o fato de que tais índices ganham a agenda pública dos ex-ricos do Norte justamente quando a crise econômica mais os atinge. Em meio a um aumento substancial da miséria, em uma época de baixa reputação dos magos das finanças, quando parecem faltar respostas não-convencionais a problemas históricos (o fato de que a riqueza do Norte foi alavancada no pós-guerra com base em exploração de matérias-primas + mão de obra baratas em outros países, aliados a pesados endividamentos em moedas autoproclamadas fortes), surgem economistas vetustos criando um novo conjunto de indicadores para debate.

A indústria do índice de felicidade tem conseguido recentemente um auge com a publicação mega-divulgada do primeiro Relatório Mundial Felicidade. Encomendado por uma Conferência das Nações Unidas sobre Felicidade, sob os auspícios da Assembleia Geral da ONU, que traz o imprimatur da Universidade de Columbia (Earth Institute) e é editada pelo seu diretor, Jeffrey Sachs (economista pop star, ex-liberal, convertido ao credo do Desenvolvimento) e por dois especialistas em felicidade (seja lá o que isto signifique), Richard Layard (London School of Economics) e John Helliwell (Universidade de British Columbia). O relatório conclui que o mundo é mais feliz no norte da Europa (Dinamarca, Noruega, Finlândia, Países Baixos) e mais infeliz na África (Togo, Benin, República Centro Africano, e Serra Leoa). Além de contrariar os que acham que é necessário sol e praia para ser feliz, o relatório traz poucas novidades nos resultados. Mas, é a primeira tentativa econométrica robusta de constituir um índice destes (o Índice Bruto de Felicidade é legal, mas é mais poesia do que medição).

Se ainda não sabemos como medir ao certo a felicidade, um grupo já está feliz ganhando recursos públicos e privados para tentar medi-la. O governo dos EUA convidou peritos, incluindo Daniel Kahneman (psicólogo, Nobel de Economia) para elaborar medidas de "bem-estar subjetivo". Mantendo sua tradição, os EUA são o último grande país a embarcar nesta canoa. O governo francês começou a publicar sua própria felicidade indicador em 2009. O Gabinete Nacional de Estatística da Grã-Bretanha tem um programa para medir o bem-estar nacional, há 5 anos. A OCDE já elabora diretrizes para os seus membros produzirem um "banco de dados de bem-estar". O Brasil já incluiu, em algumas pesquisas do IBGE, a percepção de segurança e esperança.

Os pesquisadores dividem os sentimentos das pessoas em "felicidade afetiva" (humores diários) e "felicidade avaliativa" (avaliação global que uma pessoa faz de sua vida). Eles construíram indicadores que buscam a felicidade a partir de diferentes pontos de vista, usando perguntas como "Quão feliz você estava ontem?" (Reino Unido); "Todas as coisas considerado, quão satisfeito você está com sua vida como um todo hoje em dia? "(IRS Europeu) e" Tomando em consideração todas as coisas, você diria que é: muito feliz, muito feliz, não muito feliz ou nada feliz "(World Values Survey)?

Eu me pergunto quem responde a um questionário destes? Se eu fosse perguntado, logo responderia com uma contraproducente pergunta: Defina “satisfeito”. Logo, o entrevistador seria um exemplo claro de pessoa infeliz se a mim viesse entrevistar. Mesmo que os demais entrevistadores seja menos chato do que eu, as suas respostas diferem muito. Isto estimula ainda mais a nascente “ciência da felicidade”. Os autores do Relatório de Felicidade Mundial argumentam que a felicidade pode ser medida objetivamente, mesmo que difira sistematicamente através das sociedades e ao longo do tempo. Por fim, partem do pressuposto de que a felicidade tem causas previsíveis e que, mesmo não de maneira linear, está correlacionada com coisas específicas (tais como a riqueza, a distribuição de renda, saúde e instituições políticas). Logo, portanto, deve ser possível para o governo a criar as condições adequadas para a felicidade a florescer.

Por mais desejável e necessário que seja olhar o bem-estar, os críticos destes índices argumentam que além da dificuldade técnica, trazer a felicidade para a agenda pública é dar ao Governo é responsável por sua felicidade. E a agenda da felicidade também chegou (ou está a caminho) ao marco jurídico de vários países. O Direito a ser feliz já foi aprovado pelo Senado brasileiro e está presente em leis de países como Japão, México e Suécia.

Por isto, o que lhe faz feliz já não é mais tema de propaganda de supermercado nem chaveco para a balada. Você está feliz com isto?



terça-feira, 24 de maio de 2011

A MOQUECA NOTURNA & A GEOPOLÍTICA DA ESCASSEZ

Meu filho não acreditava no que via. Eu, sentado sozinho na mesa da sala, comendo triunfante uma perfumada moqueca capixaba (há outro tipo?). Era 1 da manhã. 3 horas antes, a família saciava a fome do final de 6af com sanduiches. Eu não. Havia tido um desejo forte (há outro tipo?), quase uma saudade, de comer moqueca. Depois de uma vista noturna ao Luis da peixaria (sim, SP tem uma peixaria 24 hrs, Box 36- CEAGESP, diga que eu indiquei), o dourado jazia tenro no prato, acompanhado de pirão, como convém.

Inconformado com meu ímpeto culinário noturno, meu filho filosofou (engenheiro também filosofa, só não admite): “O que um homem não é capaz de fazer por comida?”

Ele está absolutamente correto. A busca por alimentos é a dinâmica mais antiga e talvez a mais forte na história do Homo Sapiens. E não só dos Homo Sapiens gulosos, como eu. Engana-se quem pensa que em tempos de geladeiras e entregas em domicílio o alimento não é mais a espinha de uma economia, da própria divisão do trabalho e da organização da riqueza.

Lester R. Brown, na Foreign Policy deste mês, traz um contunde artigo sobre a Economia do Alimento. Mais precisamente, a Economia da Escassez. Abaixo, resenho fatos trazidos por Brown e acrescento alguns outros. No fim, a idéia é mostrar que a fome tem tudo para ser a próxima “novidade” da política global. Bem-vindos à nova economia alimentar de 2011. A nova geopolítica dos alimentos parece muito mais vulnerável do que era. A escassez é a nova norma.

Até pouco tempo atrás, altas súbitas de preços eram rapidamente seguidas por um retorno aos preços relativamente baixos dos alimentos que ajudaram a moldar a estabilidade do fim do século 20 em boa parte do planeta. As coisas mudaram. Como diz Dorothy a totó: “Acho que não estamos mais em Kansas”. As altas de preços de hoje são causadas por tendências que estão contribuindo tanto para o aumento da demanda como dificultando o aumento da produção. A crise dos alimentos de 2011 é real.

A alta dos preços não tem impacto equitativo. Para uma família de classe média, que gasta menos de um décimo da sua renda no supermercado, a alta do preço dos alimentos é um incômodo, não uma calamidade. Mas para os 2 bilhões de pessoas mais pobres do planeta, que gastam de 50% a 70% de sua renda em comida, essa disparada dos preços pode significar passar de duas refeições por dia para uma. Para outros 3.5 bilhões, que gastam de 30% a 50% para comer, a alta significa troca de alimentos por outros com menos valor nutritivo.

Como toda equação econômica, esta tem dois lados: Demanda e produção. E entre eles, um sistema econômico mundial desigual. A duplicação dos preços mundiais dos grãos desde o início de 2007 foi impelida principalmente por dois fatores: o crescimento acelerado da demanda e a dificuldade crescente de expandir rapidamente a produção. A geopolítica dos alimentos numa nova era dominada pela escassez traça seus contornos.

No lado da demanda, há o crescimento vegetativo de 80 milhões de pessoas anualmente. A população mundial quase dobrou desde 1970 e mesmo com a redução do ritmo demográfico, caminhamos para os 9 bilhões em 2040. Além do aumento populacional, o incremento de renda nos países emergentes faz como que as pessoas consumam mais comida. A industrialização de alimentos faz com que os grãos viajem muito, encareçam e se tornem commodities, reguladas por bolsas e especulação.

No lado da oferta, há duas novidades preocupantes: Energenização e Água.


Comida virou combustível. EUA e o Brasil, que atuavam como amortecedores contra safras ruins, agora estão convertendo (e/ou dedicando terras férteis) quantidades imensas de grãos/gramíneas em combustível. Se o consumo mundial de grãos (+/- 2,2 bilhões de toneladas métricas/ano) cresce em velocidade acelerada, a taxa de conversão de grãos em etanol tem crescido ainda mais rapidamente. Essa capacidade massiva de converter grãos em combustível significa que o preço dos grãos está agora atrelado ao preço do petróleo. Assim, se o petróleo sobe para US$ 150 o barril ou mais, o preço dos grãos acompanhará a alta já que se torna mais lucrativo converter grãos em substitutos do petróleo. A União Européia anunciou (e foi celebrada pelos verdes do mundo) que pretende obter 10% de sua energia de transporte de energias renováveis, em sua maioria bicombustível até 2020. Para isto, a EU está desviando terras de culturas alimentares para energia. Hoje, o etanol já é responsável por quase 1/4 da majoração dos alimentos. Alguém precisa avisar que ecologicamente correto não é usar etanol, é usar menos combustível, não sair de casa às 11 da noite para ir comprar peixe rsrsrsrs, etc.

Além da energenização da comida, a escassez de água é outro fator restritivo da oferta. Do esgotamento de lençóis freáticos à erosão de solos e às conseqüências do aquecimento global, tudo significa que a oferta mundial de alimentos provavelmente não acompanhará nossos apetites coletivamente crescentes. No caso a mudança climática: a regra prática entre ecologistas da produção vegetal é que, para cada 1 grau Celsius de aumento da temperatura acima do ótimo para a estação de crescimento, os agricultores podem esperar uma quebra de 10% no rendimento dos grãos. Essa relação foi confirmada dramaticamente durante a onda de calor de 2010 na Rússia, que reduziu a safra de grãos do país em quase 40%.

Com a elevação das temperaturas, os lençóis freáticos estão diminuindo na medida em que os agricultores bombeiam em excesso para irrigação. Isso infla artificialmente a produção de alimentos no curto prazo, criando uma bolha dos alimentos que estoura quando os aqüíferos são esgotados e o bombeamento é necessariamente reduzido à taxa de recarga. Índia e China estão há menos de 10 anos desta situação, segundo estimativas de seus próprios governos.

E há a crescente competição entre homens e plantas pela água. Homens gastam mais água em ambientes urbanos. No conjunto, mais da metade da população mundial vive em países onde os lençóis freáticos estão diminuindo. O Oriente Médio árabe politicamente convulsionado é a primeira região geográfica onde a produção de grãos atingiu o pico e começou a declinar por escassez de água, apesar de as populações continuarem a crescer. No Iêmen, a água é mais determinante no atual conflito do que qualquer ideologia e religião. Ao mesmo tempo em que estamos secam poços, criam-se novos desertos. A erosão do solo decorrente do excesso de cultivo e do manejo indevido da terra já atinge 1/3 das terras cultiváveis do mundo (FAO). Petróleo é simples de substituir. Água, não.

Não é de se estranhar que a capacidade de cultivar alimentos está rapidamente se tornando uma nova forma de alavancagem geopolítica, e os países estão tratando de garantir seus próprios interesses paroquiais à custa do bem comum. O crescimento do Brasil e da África do Sul tem evidente vínculo com isto. Outros países estão resolvendo seus problemas com as terras de outros. Arábia Saudita, Coréia do Sul e China, desde 2006, começaram a comprar ou arrendar terras em outros países para cultivar grãos para si próprios. A maioria dessas compras de terras é na África, onde alguns governos arrendam terras cultiváveis por menos de US$ 2,5 por hectare/ano. Entre os principais destinos estão Etiópia e Sudão, países onde milhões de pessoas estão sendo sustentadas pelo Programa Mundial de Alimentos da ONU. A FP contou 36 registros de revoltas e novos campos de refugiados. Africanos expulsos das terras que usavam há séculos para que asiáticos produzam sua comida. Madagáscar teve um dos raros casos, em que os afetados conseguiram reverter o quadro. A empresa sul-coreana, a Daewoo Logistics, havia tentado obter direitos a mais de 1,2 milhão de hectares. Notícias sobre o acordo ajudaram a criar um furor político que derrubou o governo e obrigou o cancelamento do acordo. Essas aquisições representam um investimento potencial de estimados US$ 50 bilhões em agricultura em países em desenvolvimento. Só isto? Não. Uma análise do Banco Mundial indica que somente 37% dos projetos serão dedicados a culturas alimentares. A maioria da terra adquirida até agora será usada para produzir bicombustíveis e outras culturas de interesse industrial. Os países de baixa renda que hospedam apropriações de terras ou importam grãos provavelmente sofrerão uma deterioração de sua situação alimentar.

A atual acirrada disputa pela presidência da FAO (Francisco Graziano é um dos candidatos) mostra que também no caso dos alimentos, o mundo parece estar se afastando da cooperação internacional. O nacionalismo alimentar poderá ajudar a garantir suprimentos alimentares para países ricos individuais, mas faz pouco para melhorar a segurança alimentar do mundo. Embora a FAO colete e analise dados agrícolas globais e forneça assistência técnica, não há nenhum esforço organizado para garantir uma adequação dos suprimentos mundiais de alimentos.

O que fazer? Desistir da moqueca e emigrar para a Lua? Não. A agenda para a crise alimentar é sabida, mas exige esforço global e imediato:

1. Prioridade para a produção de alimentos. E, quanto mais perto dos consumidores, melhor.

2. Política agrícola atenuada das regras da comoditização (Sarkozy tem defendido isto, mas não há agenda para isto).

3. Estrutura que integre agricultura com políticas para energia, população e água, que afetam diretamente a segurança alimentar.

4. Recuperação de solos, ampliação do uso de técnicas menos água-energia-intensivas e conservação dos solos férteis

5. Acelerar a velocidade dos esforços para estabilizar o clima.

Com esta agenda, os movimentos mais estranhos (e inofensivos) atrás de comida serão de um gordo procurando um bom dourado em uma peixaria na madrugada.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Fatura do Microcrédito

Problemas em microfinanceiras privadas. Fechamento de áreas de microcédito na Ásia. Esgotamento de modelo? Mudança de paradigma? A onda do microcrédito não é uma marola:-)
=============


Sinal amarelo no microcrédito
MAC MARGOLIS

O pedido de socorro das instituições de microcrédito indianas na semana passada reverberou.
A agonia do SKS Microfinance, com quase US$ 2 bilhões de empréstimos atrasados, varreu Wall Street, onde as ações do banco e de seus investidores oscilaram violentamente. Na dúvida, o grupo rival Share MicroFin, do bilionário neozelandês Christopher Chandler, adiou sua oferta pública de ações de US$ 221 milhões e adiou a fusão com outra microbanco. Enquanto a poeira voava, analistas internacionais se apressaram em rever suas apostas de crescimento vitaminado para esse setor que ganha clientes, operadores e devotos da África à América do Sul.
Será o prenúncio da próxima bolha, o colapso global das microfinanças?
Para os aficionados do setor, a crise da Índia é um alerta geral sobre um desvio fatal do microcrédito. O problema, segundo essa versão, não é estender crédito aos pobres - historicamente excluídos do crédito bancário -, mas sim lucrar com eles. Pois a taxa de juros exigida pelos microbancos privados seria escorchante, até criminosa: 27% ao ano no caso de SKS, ainda mais em outros bancos. Assim, os emprestadores anjos estariam traindo sua implícita missão social, induzindo o pobre a tomar dinheiro em termos que jamais conseguiria honrar.

Seria nada mais que a velha agiotagem de roupa nova. A solução? Intervenção do governo no mercado, tabelamento de juros e carência e anistia para os vulneráveis. Senão, será a crise subprime em reprise, agora com países pobres no papel da bola da vez.

Proteger os últimos na fila e obrigar os bancos a emprestar com mais responsabilidade faz parte do evangelho pós-crise global. Mas a crise no "nanocapitalismo" indiano suscita outra dúvida menos visível. O microcrédito funciona? Ajuda mesmo os pobres a se converter em empresários, e assim se elevar da miséria?

As perguntas parecem um despropósito. Afinal, emprestar centavos a centenas de milhões virou cânone da política de desenvolvimento esclarecido. Rendeu o Prêmio Nobel a Muhammad Yunus, economista e fundador do Grameen Bank, de Bangladesh, e se espraiou pelo planeta. A iniciativa privada abraçou a causa, e o setor hoje conta com quase 1.100 operadores que ostentam 78 milhões de pequenos tomadores, das palafitas de Daca aos cortiços do Harlem, com uma carteira global de US$38 bilhões.

Gente que jamais passaria pela catraca de um banco tem hoje acesso a pequenas, mas importantes somas (US$ 10, US$ 20 ou US$ 100 de uma vez), que, segundo Yunus, alçam da pobreza 5% dos clientes do Grameen Bank todo ano. É só ver o programa Credi-Amigo, do Banco do Nordeste. No seu livro sobre o programa, Microcredito, o mistério nordestino e o Grameen brasileiro, o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio, mostra que os clientes do Credi-Amigo pagam piamente seus credores e boa parte deles encontra um atalho para uma vida melhor. Sem subsídios.
Socorro. Mas, apesar dos bons exemplos, não há nenhum consenso sobre a meta principal do microcrédito: a de reduzir a pobreza. Um recente seminário em Nova York reuniu alguns dos maiores estudiosos do tema. Houve muito Power Point, mas sobraram dúvidas.

O professor Abhijit Banerjee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, descobriu que apenas 5% dos 7.400 clientes da microfinanceira Spandana, em Hyderabad, na Índia, fundaram empresas e quase ninguém aumentou os gastos com bens de consumo ou a educação formal. Idem para as Filipinas e Bangladesh, enquanto no Marrocos, dos 5 mil beneficiários da Al-Amana Microfinance, uma fração apenas consolidou suas empresas, melhorou a vida das mulheres, ou conquistou "grandes melhoras no seu bem estar".

Oferta. Sim, microcrédito pode ser crucial em momentos de crise ou desastre. Foi o caso do Haiti, após o terremoto, quando a financeira Fonkoze rapidamente levou dinheiro vivo a milhares de sobreviventes enquanto o sistema bancário estava paralisado. Mas passar do assistencialismo ainda é um desafio, já que levar dinheiro aos mais pobres custa dinheiro que os puristas não admitem que seja cobrado.

É o caso do banco mexicano Compartamos, maior operador privado de microcrédito da América Latina (1,3 milhão de clientes) que vive bombardeado por acusações de ganância. E, mesmo assim, nem o próprio banco sabe se seus empréstimos fazem muita diferença para os mais pobres. "Essa é uma indústria nascida de oferta e não de demanda", explicou ao seminário o fundador da instituição, Carlos Danel, que encomendou um estudo da Universidade Yale sobre o banco. "Ainda não sabemos como melhorar a vida dos clientes."

Alguns dos melhores resultados acontecem quando os microempréstimos se direcionam não aos mais pobres, mas sim às pessoas que já mostram vocação e visão empreendedora. Se não, tomar dinheiro, mesmo em doses mínimas, pode acabar complicando a vida de quem já vive na berlinda, afogando-o em obrigações e dívidas impagáveis - uma micro-tragédia com grandes consequências.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

IDS:2010: O Brasil não Sustentável

Com a publicação dos “Indicadores de desenvolvimento sustentável” (IDS, 2010) o IBGE continua a série iniciada em 2002 e repetida em 2006 e 2008.Na edição de 2010, divulgada hoje, são apresentados 55 indicadores (em 4 dimensões),

ISD 2010: Resumo:

1) a situação já foi pior.
2) Houve melhoras.
3)Mas, a maioria foi somente de "redução de pioras"(sic) em quase todas as áreas.
4) a melhoria segue desigual (enquanto uns estados melhoram, outros não).
5) A situação está longe de ter uma evolução positiva em um ritmo que não gere mais graves danos à capacidade futura do país de sustentar vida.
6) A sociedade (e não somente o Estado) não leva a sério o problema a ponto de sacrificar seu estilo de vida

 Abaixo os destaques em cada dimensão:

Dimensão Ambiental:

  1. Focos de queimadas e incêndios florestais: Entre os estados, o Acre teve a maior redução nos focos. Os estados onde mais aumentaram os focos de calor no mesmo período foram Sergipe (121,3%, de 94 para 208), Paraíba (56,6%) e Alagoas (41%).

  2. Desflorestamento diminui, mas atinge 14,6% da Amazônia Legal (até 1991 era de 8,4%, chegou a 14,6% em 2009).

  3. Restam menos de 10% da Mata Atlântica

  4. Cerrado: segundo maior bioma brasileiro, o percentual de área desmatada neste bioma é maior que o verificado na Floresta Amazônica.

  5. Desmatamento e queimadas lideram emissões de gases-estufa: De 1990 a 1994, o total líquido da emissão de gases do efeito estufa no Brasil aumentou em 8,8%, enquanto que, de 2000 a 2005, o incremento foi de 7,3%.

  6. A produção de energia, que nos países mais desenvolvidos está em primeiro lugar na emissão de gases-estufa, ficou em terceiro lugar no Brasil, em 2005, contribuindo com 16% do total (362 milhões de toneladas de CO2 eq).

  7. O consumo aparente anual (produção + importação – exportação) de substâncias destruidoras da camada de ozônio no Brasil, que havia caído (1996-2006) voltou a subir em 2008

  8. Poluição do ar se mantém estável nas grandes cidades, mas concentração de ozônio cresce

  9. Área dos estabelecimentos agropecuários tem redução de 5,6%: As pastagens naturais tiveram redução de 26%, as pastagens plantadas aumentaram 2,7% e as lavouras aumentaram 20,9%.

  10. O Brasil se destaca no cenário mundial como o maior consumidor de agrotóxicos respondendo, na América Latina, por 86% dos produtos.


 Dimensão Social



  1. Com fecundidade abaixo do nível de reposição, crescimento populacional se reduz

  2. 43% dos domicílios brasileiros são inadequados.,ou seja, não tinham simultaneamente abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede coletora ou fossa séptica, coleta de lixo direta ou indireta e até dois moradores por dormitório.
  3. País tem 25,4 mortes por homicídio a cada cem mil habitantes. Entre 1992 e 2003 o coeficiente cresceu e, a partir de 2004, observa-se uma tendência leve de queda. Em 2007, AL (59,5 por cem mil), ES(53,3) e PE (53,0) lideravam na taxa de mortes por homicídios. RJ ocupava o 4º lugar, tendo conseguido reduzir de 50,8 em 2004 para 41,5 as mortes por homicídios a cada 100 mil habitantes. As menores taxas estavam em SC (10,4), Piauí (12,4) e SP, que passou de 28,5 em 2004 para 15,4 por 100 mil em 2007
  4. A redução da mortalidade infantil contribui para o aumento da esperança de vida ao nascer, que passou de 67,3 anos em 1992 para 73 anos em 2008. No Nordeste,  alcança apenas 67,2 anos em Alagoas. No Sul, chega a 75,5 anos em SC. O DF tem a maior expectativa de vida. 75,6 anos.
  5. Queda de 50% na mortalidade infantil (1990 e 2008), de 47 por mil nascidos vivos para 23,3 por mil. A taxa, porém, ainda não é considerada baixa pelos padrões da Organização Mundial da Saúde – OMS - (menos de 20 por mil).



  6. redução da concentração na distribuição de renda, Ainda assim, persistem desigualdades regionais em todos os indicadores deste tema.
Dimensão Econômica
  1. Consumo de energia per capita atinge 48,3 GJ/hab, mas eficiência do uso não aumenta.
  2. Quase metade da energia brasileira provém de fontes renováveis, mas a matriz energética brasileira ainda depende em grande parte de fontes não renováveis: 52,8% da energia produzida vêm de petróleo e derivados (37,8%), gás natural (37,8%), carvão mineral e derivados (4,8%) e urânio e derivados (1,4%).
  3. Mais de 90% das latas de alumínio no Brasil são recicladas. Para as embalagens tetrapak, os valores são mais baixos (cerca de 25%).


País ratificou mais de 30 acordos ambientais internacionais
 Acesso à telefonia móvel dobra de volume em quatro anos, e domicílios com internet Dimensão Institucional
  1. Ivestimento em Pesquisa e Desenvolvimento aumentou valores, mas não passa de 1% do PIB. E 54% foram feitos em investimentos públicos.
  2. Apenas 33,8% dos municípios tem conselhos de meio ambiente efetivamente em atividade (a maioria no SE e Sul).

ftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursosnaturais/ids/ids2010.pdf