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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

DONA CIDA E O BOLSA-FAMÍLIA: A CRÍTICA DO BETO


No dia seguinte ao nosso 11/9, o massacre de 7X1, reencontrei Dona Cida, uma antiga vizinha de minha mãe, que não via há uma década ou mais, passeando no parque. Protocolarmente perguntei como ia. O pior aconteceu, ela respondeu. Disse que ia bem, mas reclamou do Imposto de Renda da pensão que recebe do marido, “o Major”, militar morto há mais de 20 anos. Disse que estava difícil manter empregada porque tem muitos vagabundos que recebem Bolsa-Família (BF) sustentados por ela,  etc. Já desejando outros 10 anos sem ver Dona Cida, mudei de assunto. Está muito triste com o vexame de ontem? Ela me disse: Que nada! Estou é feliz pelo Beto, meu chihuahua. Imagina o stress dele? A cada rojão por gol da seleção era um terror! Já via a hora que ele ficaria viciado em calmante.  Desde ontem, tudo em paz, lá em casa.

Sempre há uma perspectiva Beto de um tema. Inclusive o BF.  Em toda época eleitoral, “Donas Cidas” repetem papagaiamente os truísmos sobre o programa: “É esmola, é muleta, eu quem pago por isto, etc.”.

As “Donas Cidas” têm diversos tipos de argumentos contra o BF. Algumas (poucas o admitem publicamente) simplesmente não aceitam que um pobre possa se beneficiar. Outras têm argumentação mais sofisticada. Tem “Dona Cida” que diz que:
  1. O BF é esmola. Mesmo que os dados mostrem que 8 em cada 10 beneficiários trabalhem.
  2. O BF representa um gasto grande. Mesmo que os dados provem que o retorno é de 3X1 por $ publico gasto (retorno em impostos, maximização da eficiência de investimentos públicos, redução de demandas, geração de riquezas, etc.) e que o custo total corresponde a 6% da conta de juros.
  3.  O BF deveria ter uma porta de saída. Os candidatos da oposição são este tipo de “Dona Cida”, porque dizem que o BF não promove o desenvolvimento dos beneficiários; mesmo que já haja uma miríade de programas neste sentido, e 18% dos beneficiários a cada ano saiam do programa, por aumento de renda. Isto é, a tal porta de saída já existe e tem gente passando por ela. Embora, a porta de saída seja também de entrada. E novos por ela cheguem e outros, outrora saídos, por ela retornem.

Com esse nível de argumentos das “Donas Cidas”, é fácil entender porque o BF segue um sucesso inquestionável :-).

Arrisco a dizer que a fraqueza dos argumentos das “Donas Cidas” vêm porque constroem suas críticas a partir do ponto de vista de que beneficiários são os que recebem o benefício.

Por isto (eu, um defensor do programa, por acreditar que Assistência é Direito e porque não conhecer nada mais eficiente e viável na escala que o Brasil demanda), quero propor uma crítica sob a “perspectiva do Beto”, outro lado. Algo que a Dona Cida original entenderia.

A crítica se origina na pergunta: Se 8 em cada 10 beneficiários trabalha e se 6 em cada 10 tem um emprego formal, por que eles precisam de um programa de complementação de renda? 

A resposta simples é porque os salários pagos são muito baixos. Portanto, depois de 10 anos de uma implementação encorpada, com as mudanças na economia do país e no perfil dos beneficiários, s que os maiores beneficiários do BF hoje não são mais os inscritos no programa, mas os empregadores brasileiros.

O BF pode ser considerado um subsídio para o empregador brasileiro. Mais uma “Bolsa-Rico”, que complementa os já existentes benefícios sociais a não-pobres: Bolsa-Botox (incentivo fiscal para gastos com saúde privada, de qualquer tipo e sem limite); Bolsa-Cirque-Du-Soleil (incentivo fiscal para investimentos em produtos culturais caros e destinados a uma pequeníssima parcela da população), Bolsa-Carro Zero (incentivo IPI); Bolsa-Viuvinha (Pagamento de pensão vitalícia para viúvas de segundos matrimônios para servidores públicos federais, como a que deixou o “Major” do Dona Cida, ), Bolsa-Safena (isenção de Impostos para idosos, mesmo ricos, desde que tenham laudo de doença grave, mesmo que não fatal) o Bolsa-CBF (isenções, renegociações eternas de dívidas, etc.); Bolsa-Friboi (subsídios em empréstimos ao agronegócio); o Bolsa-Férias (pagamento de salário-desemprego, mesmo que em um limite, para trabalhadores de classe média e alta classe média); Bolsa-Aposentadoria (aposentasoria integral para servidores que nao contribuem nem 69% do que deveriam); Bolsa-CarroAdaptado (isenção fiscal para pessoas ricas com algum problema de mobilidade em carros automáticos),etc. O Estado brasileiro é historicamente pródigo com quem não precisa, justamente com as “Donas Cidas”.

O BF pode ser visto como um mecanismo que faz o erário pagar uma parcela necessária e não paga pelo patrão. É como se todos fôssemos sócios desses patrões. Pelo Ponto de vista de Beto, percebo que sou sócio da senhora do outro lado, com cara de entojo, provavelmente amiga da “Dona Cida”, que trata com indiferença de senhora de engenho, o atendente da padaria que a serve.  Sócio involuntário dela e do patrão do atendente mal tratado.

Beto explica: A amiga da “Dona Cida”, evidentemente partícipe da elite, certamente emprega uma mensalista. Imaginemos que a mensalista fosse casada com o ajudante mal tratado, que eles ganhem a média mínima para as funções que desempenham e que tenham dois filhos em idade escolar (a média para um casal da renda/idade/cidade deles).

O problema é que mesmo empregados formalmente e ganhando um pouco acima do mínimo nominal (a média em SP par estas funções é de R$882,00/mês), o rendimento total combinado deste casal (incluídos aqui Vale-transporte, 13º, 1/3 de férias e PIS/PASEP, auxílios, etc.) corresponde a somente 52% das necessidades da família (critério DIEESE).  Se eles acessam o BF (e os demais programas de transferência de renda, aqui incluídos na análise) aos quais eles têm direito, seu rendimento aumentaria em R$ 368,70/mês. Como resultado, eles teriam alcançado somente 65% da renda necessária para viverem dignamente em São Paulo.

Portanto, o que o BF faz é minimizar (nem compensa totalmente) o impacto do baixo valor do Salário e assim subsidiar os empregadores. Assim, se o BF é muleta o é principalmente do empregador brasileiro.

“Dona Cida” pode contra argumentar que o BF subsidia os salários porque eles são pesadamente taxados no Brasil. “Dona Cida” tem razão quando diz que há um “salário oculto”, pago pelo empregador. Mas, se descontarmos o que na verdade é transferência ao próprio empregado (INSS, FGTS, PIS, 13º, férias, Vale transporte, Auxilio Alimentação, Auxilio-Creche etc.), a taxação direta sobre o salário não passa de 20%. (I (inferior à média da OCDE).Assim, mesmo com o “custo empregado”, o salário pago ainda seria bem inferior ao necessário.

Os defensores do BF argumentam que ele tem um documentado impacto positivo do BF sobre a média salarial. E que, com o crescimento da renda média, este subsídio aos salários tende a se extinguir. Isto seria verdade, desde que a Economia crescesse constantemente e a proporção da massa salarial na renda também. Porém, há extensa documentação de que toda Economia entra em desaceleração (às vezes também em recessão) periodicamente e, nestes períodos, achata a massa salarial e recompõe as taxas de lucro do capital investido. Este processo já começou no Brasil, depois do ciclo de crescimento anterior. Isto aponta para dizer que o BF, se depender só do crescimento econômico, seguirá subsidiando o dono da padaria, “Dona Cida” e suas amigas, ainda por muito tempo.  

Não é possível aumentar salários somente pelo Mercado, nem tão pouco na caneta, por decreto.  Isto não quer dizer que não haja uma responsabilidade na política de aumento real do SM, e em uma legislação que privilegie o salário. Também se sabe que os empregadores não podem responsabilizar os baixos salários exclusivamente ao mercado, ao contexto e internacional, nem ao nível global de preços nem tão pouco à cotação do rabanete na Bolsa de Chicago. Há que aplicar outros mecanismos. Mas, isto é tema para outra reflexão de Beto. Hoje o tema é o BF.

Assim, a única porta de saída do BF é um salário suficiente para as necessidades. Quando isto acontecer, o programa poderá ficar restrito aos que necessitam de Assistência, algo em torno de 40% dos atualmente atendidos.


Enquanto este dia não vem, as “Donas Cidas” seguirão os principais beneficiários do BF. E, já que sou sócio do dono, vou pedir desconto no pão na chapa. Não é Beto? Au, Au, Au



TAREFA E BIBLIOGRAFIA: VIDE SITE-> DESENVOLVIMENTO DO CURSO->TAREFAS COMPLEMENTARES


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

MANDELA ou TIO BARNABÉ?














Mandela foi provavelmente o maior líder político do pós-guerra.

Mandela escapou da sina de "morrer novo como herói ou viver tempo suficiente para se tornar um vilão".

Mas, não conseguiu evitar a docilização de sua imagem, como Gandhi, transformado em líder hippie e Che, em estampa de camiseta de grife.

O mundo pop, com a ajuda do CNA, transformou Mandela em um papai, dançando, sempre sorridente e bonzinho.

Onde havia um líder de esquerda (comunista, não socialdemocrata budista de Higienópolis), duro, firme, que não se esquivou de articular e apoiar a luta e a resistência armadas; colocou-se a imagem de um papai-noel político, uma espécie "Tio Barnabé”, negro sábio e contente.

Onde havia um polemista, criou-se uma unanimidade. E a unanimidade é inócua. Onde havia Rolihlahla (nome de “batismo”, que em Xhosa, significa “que traz problemas”), surgiu o Madiba, algo como um ancião e guia de sabedoria.

Mandela foi forte politicamente. Demonstrou  sabedoria de Madiba e habilidade política para conduzir uma transição sem derramamento de sangue em grande escala. Foi um mestre político ao trocar o "perdão" aos brancos pelo poder para seu partido e pela anistia ao passado. Foi extremamente hábil e forte para  liderar a transição de uma sociedade formal e legalmente desigual em uma sociedade, ainda mais desigual, mas formalmente igualitária.

Mandela foi fraco administrativamente e, em troca da pacificação do CNA, entregou seu governo (e os sucessores) para uma elite partidária ineficiente como gestora pública e profundamente corrupta. De parte dos brancos, o preço que Mandela pagou foi acordar o esquecimento e anistia dos seus (e de tantos outros) algozes, torturadores, ativos agentes ou simplesmente coniventes com as décadas de Apartheid. A Comissão da Verdade por lá nunca cumpriu seus objetivos e metade de seus membros terminou por renunciar descontentes com os rumos do "abafa". 

Docilizado, o legado de Mandela passou a servir para perpetuar o poder do CNA (um tipo de PRI versão sul-africana), marcado por sucessivas violências, restrições a imprensa e corrupção que beneficia uma pequena elite negra. Serviu para que os brancos da África do Sul ganhassem ainda mais dinheiro. Não se fez reforma agrária, e os oligopólios mineradores e do agronegócio prosperaram como nunca antes. 

Mandela foi essencial para a reinserção sul-africana na política e economia mundiais, trazendo capitais externos. E a África do Sul pós Mandela aumentou a desigualdade (veja gráfico) e a violência. 

Na África do Sul de hoje, de cada 10 presidiários, apenas um é branco; há a 2ª maior taxa de estupros do mundo, sendo que 8 em cada 10 vítimas são negras; e a 3ª maior taxa de assassinatos.  A Polícia sul-africana é a 2ª que mais mata no mundo (perde para a nossa:-(.[1]

No resto do mundo, a versão "Madiba" ajudou os outrora apoiadores do regime branco a virarem heróis da liberdade. Por 30 anos, EUA e Europa fizeram vistas e dinheiro grosso na AS. Também usaram o repressor e bem equipado exército sul-africano para apoiar as guerrilhas antimarxistas em Angola e Moçambique assim como atiçar clandestinamente outros conflitos, como Namíbia, Congo e no antigo Zaire.

No Brasil, a imagem do bom velhinho vem contribuir para deixar intactos nossos preconceitos e, permite-nos seguir com o extermínio de jovens negros e todas as outras formas disfarçadas de violência preconceituosa cotidiana contra os negros, até hoje considerados como mercadoria.

Morto, Mandela, que foi o maior herói político de uma era, seguirá a travar uma luta, desta vez contra a jaula da memória coletiva formatada pelos poderosos, que transforma tudo em show, produto e efêmeros trendtopics.




[1] Fonte: Crime and Violence Global Stats;  www.unodc.org

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A SITUAÇÃO ESTÁ BRANCA



“A carne mais barata do mercado é a carne negra”

O IPEA apresentou hoje dados que fazem que os (poucos, espero) que ainda insistem de que não há racismo no Brasil e, no máximo, discriminações por condição social fiquem com menos argumentos ainda.
Alguns dados do Estudo (feito com base nos dados do Censo 2010, PNAD e da Pesquisa Nacional de Vitimização) apontam não só para as mortes, mas para o que os autores chamam de manifestações do “Racismo Institucional” (fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor):

  1. A probabilidade de o negro ser vítima de homicídio é 8 pontos percentuais maior, mesmo quando se compara indivíduos com escolaridade e características socioeconômicas semelhantes.
  2. A cada 3 assassinatos, 2 são de negros.
  3.  O negro é discriminado 2 vezes: pela condição social e por sua cor da pele;
  4. Enquanto o homem negro perde 1,73 ano de expectativa de vida ao nascer, a perda do branco é de 0,71 ano.
  5. Somando-se a população residente nos 226 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, calcula-se que a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos.
  6.  6,5% dos negros que sofreram uma agressão no ano anterior à coleta dos dados pelo IBGE, em 2010, tiveram como agressores policiais ou seguranças privados (que muitas vezes são policiais trabalhando nos horários de folga), contra 3,7% dos brancos.
  7.  + de 60% das vítimas negras não procuraram a polícia porque nela não confiam, contra 39% das vítimas brancas.

“Um dos componentes mais claros do racismo institucional  das polícias é naturalizar a relação entre pobreza e criminalidade, tomando incoerentemente a cor da pele como seu indicador visível. O resultado mais contundente deste tipo de atitude é que a taxa
de homicídios de jovens negros no Brasil, com a qual as próprias polícias contribuem de forma significativa, é bem superior às taxas de mortes de jovens de países em guerra”
As diferenças de escolaridade e renda entre brancos e negros diminuiu sem mostrar melhorias em outras dimensões. A situação segue “Branca”, isto é, sem mudança significativa.

O Estudo, parte do BAP, pode ser encontrado em:




sexta-feira, 11 de outubro de 2013

FELIZ DIA DO NADA


Tem dia de tudo o que precisamos de um dia para lembrar de que se esquece nos outros 364/365. Daí não precisar de "Dia do homem branco hétero de classe média". Todo dia já é dia do hegemônico.

Amanhã é Dia da Crianças (na definição da ONU, 0-17 aa). Hoje, Dia Internacional da Menina. Infelizmente precisamos destes dias.

É bom dar brinquedos no dia das crianças. Pena que a sociedade dá outros presentes de grego no restante do ano:
  • Crianças, nos Brasil,  são ainda 2 vezes mais pobres do que adultos (eram 4 xs há 15 anos). - - São 3,1 vezes mais vítimas da violência doméstica. 4.4 vezes mais vitimizadas a violência armada.
  • Há 6 vezes mais juízes do trabalho (para cuidar de 32% da população  do que de varas dedicadas à infância (41% da pop.). Crianças são condenadas à prisão (ou vc acredita que a Fundação Casa aplica medida sócio-educativa?) por até 3 anos sem direito a advogado e processo legal.
  • crianças recebem proporcionalmente menos da metade do investimento em saúde (41%)do que adultos.
  • de cada R$10,00 de incentivo para a cultura, apenas 0,61 são aplicados para atividades gratuitas dirigidas à crianças.


Eu poderia seguir esta lista até o dia 12/10/2014. Mas, acho que vc já pegou a ideia: a sociedade brasileira, o Estado, você, eu, o cara na mesa ao lado discriminamos as crianças, e as tratamos como semi-cidadãs (se é que existe isto). Em diferentes proporções, esta segregação é verificada em praticamente todos os países do mundo.

Coloque estes dados aí de cima entre parêntesis e multiplique pelo fator MACHISMO. 

Meninas sofrem ainda mais do que os meninos.

Mesmo que no Brasil não haja a terrível brecha de escolarização básica de outros países (320 milhões de meninas são proibidas de irem à escola, em todo mundo!), nem a institucionalização do casamento forçado, a dívida com as meninas existe por aqui tb. Ela se revela em proporções várias:
  • a precariedade do atendimento especializado em saúde.Alias, as políticas públicas raramente são desenhadas para as atender as condições específicas das meninas.
  • com exceção da violência armada, meninas são as maiores vítimas de Todos os demais tipos de violência,inclusive as mais sofisticadas e de difícil registro.
  • 47 em cada 100 vítimas de crimes de natureza sexuais são meninas (4 são homens adultos).
  • mesmo tendo mais escolarização do que os meninos, No futuro, esperam pelas meninas Salários mais baixos para as mesmas funções. E Proporção menor de acesso às carreiras mais valorizadas.

Mas estas não são as única vulnerabilidade  a qual estão expostas às meninas. É que os piores crimes de uma sociedade são os mais escondidos e portanto  mais difíceis de colocar em um gráfico de pizza. Quando chegam às estatísticas, já é tarde. É "desde menino que entortamos o pepino" do sexismo e suas manifestações socioeconômicas culturais, religiosas e diversos eticéteras.

" Pelos seus números vos conhecereis". E os números brasileiros (os mundiais tb) mostram que crianças e, em proporção cumulativa, ainda mais as meninas sofrem de um não oficializado apartheid.

E de tão banal a discriminação, acabamos por acha-la natural. Não é.

De tão beneficiados como grupo dominante que somos, nós adultos racionalizamos. Relativizamos. Fugimos da realidade. Poderia dizer que negar a realidade é um comportamento "infantil". Mas, seria injusto com as crianças. Infantil é algo que nossa sociedade deveria ser e não é.

Pensamos que "a infância passa". Mas, não passa, fica nas estruturas. Uma sociedade que trata desigualmente às suas crianças, perpetua a injustiça, embrenha a desigualdade, reduz suas possibilidades de transformação positiva. Tratar desigualmente as crianças (e ainda mais desigualmente as meninas) é cavar, com seus próprios pés, o abismo social.

Ao invés de nos transformarmos pelas crianças (sermos "como crianças"), transformamos as  crianças em grupo explorado, garantimos a perpetuação do ciclo de injustiça.

Leis para beneficiar idosos todo mundo acha bonitinho. Beneficiar Criança para que? Se elas sobreviverem e chegarem a ser idosos, a gente protege.  O discurso fácil diz que é possível incluir sem mexer nos seus privilégios, sem dividir a conta. Não é. 

Tratar as crianças (e as meninas) com justiça representará quebrar os privilégios adultos/machistas. Mas, quem abre mão de privilégios? O conceito de Direito Adquirido (principal argumento dos proprietários de escravos no Brasil  quando criticavam a proposta de Abolição) nos faz ignorar que não há Direito na Injustiça. 

"Mudar tudo o que está por aí" não se fará por compartilhamento nem curtidas de Facebook. Nem por passeata pós-modernas. A única subversão capaz desta tarefa  é Tratar com justiça as crianças. 

Justiça para Crianças, inclusive TODAS as meninas, implica em aplicar prioritariamente o orçamento público a elas. Criar e fazer cumprir leis que as protejam e respeitem a especificidade. Valorizar, privilegiar, sobrepor o interesse da criança ao nosso. Tornar-se intolerante com a desigualdade e o preconceito. Ouvir as crianças e dialogar com elas. 

Parafraseando o slogan de minha presidenta: "Sociedade desenvolvida é Sociedade que não  precisa de Dia das crianças nem de Dia das Meninas"

Como o texto ficou sombrio demais, melhor terminar com algo tipo:

Por um Feliz Dia das Crianças...

Melhor, por um dia em que a gente possa desejar FELIZ DIA DO NADA 

domingo, 4 de agosto de 2013

IDHM: DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS 195 MILHOES, A PERGUNTA QUE IMPORTA & A MÃE.


Dizem que ando meio impaciente. Impaciente é sua avó! :-) OK. Admito uma leve inquietação com alguns temas, como matérias e discussões em época de lançamento de relatórios de pesquisas, como o Censo e o Índice do Desenvolvimento Humano, o IDH. E, não passa um mês sem algum destes relatórios. Nesta semana, saiu o estudo sobre o IDH Municipal, o IDHM.

Eu tento ficar na minha. Mas, o povo insiste em comentar o IDH como uma tabela do campeonato brasileiro. É a mania por rankings. Subiu! Desceu!Passamos a Argentina? Tudo parece orbitar a velha questão se “o meu é maior do que o seu”.

Para me acalmar conto até 10, fora de ordem. Difícil, diante da preguiça expressa nos textos. E as informações muito relevantes? Tipo: Conceição do Lago-Açu (MA) tem renda per capita 20 vezes inferior a de Águas de São Pedro (SP).  E pensar que eu vivia sem saber disso? A mãe do jornalista mora em Conceição do Lago-Açu? :-)

Cansativo ler que a Veja vai destacar que nós não passamos nem o Uruguai e que a Carta Capital dirá “que nunca antes na história deste país” subimos 34 posições. Ambas as afirmações completamente irrelevantes.

O IDHM é filho do IDH. Assim como o pai, combina três dimensões[1]: Saúde; Educação e Renda. Mas, é diferente do pai. Tem adaptações metodológicas profundas na área de Educação com ênfase ao “investimento” (foco na população adolescente e jovem) e ainda se utiliza parâmetros de renda mais precisos. Para que os indicadores possam ser combinados em um índice único, eles são transformados em índices parciais, cujos valores variam entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximo de 1 mais alto será o nível de Desenvolvimento Humano. Os dados do IDHM vêm do Censo de 2010. Como é distinta, não se pode, portanto comparar o IDHM2011 com as medições feitas pelas metodologias anteriores. Por isto também foram “remedidos” os IDHMs 1991 e 2000. Isto gerou um panorama completo e espacialmente referenciado. Até municípios que não existiam em 1990 podem saber qual era o IDHM do seu atual território, antes da divisão.

Alguns “poréns” são armadilhas para os apressados e picaretas.

O primeiro é que o IDH (que dá base ao IDHM) não foi feito para ser medido por município. Mesmo com as competentes adaptações feitas pelo IPEA, não funciona bem em unidades territoriais muito pequenas e interligadas abertamente. Em português claro, o IDH de um município contamina o outro. E os municípios são unidades altamente permeáveis. Isto inviabiliza uma análise isolada, listas de top 10 e outras preguiças mentais.

Segundo, o IDHM trata de unidades muito díspares: os municípios. Daí, não se podem tirar grandes conclusões de pérolas como: “43,5% dos municípios possui longevidade superior à média nacional”. Neste tipo de agregação, Borá (805 habitantes) e São Paulo (11,3 milhões) entram como UMA unidade. É estatística que só serve para fazer gráfico colorido, bonito de postar, depois da foto do macarrão que você fez e acha que alguém está interessado. Aposto que o jornalista maníaco por ranking faria um brilhante comentário tipo: “YUMMY! Também quero”.1,2,4,7...

Terceiro é que, quando estou quase calmo, abro o jornal e me deparo com “especialistas em tudo” de plantão a compararem o IDHM com IDHs nacionais. Ex. São Caetano do Sul tem IDHM maior do que a Espanha. Cacimbas tem IDHM menor do que Moçambique. Cacimba! As metodologias de medição são incomparáveis. É mais ou menos como comparar estes jornalistas e especialistas com gente que saiba do que está falando. 1,2,8,3...

DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS 188 MILHOES.
Não estou cuspindo no índice que tanto comi. Bom lembrar que o “Atlas de Desenvolvimento Humano”, que traz também o IDHM, é uma excelente base comparativa dos quase 6000 municípios brasileiros. São 180 indicadores. Para quem quer se debruçar sobre os dados, há muita informação. Mas, precisam ser correlacionadas com outras, inclusive com um mínimo conhecimento sobre o que se passa nestes municípios.

Embora o IDHM não seja uma medida significativa no varejo, é riquíssimo quando examinado no atacado. Analisar municípios por grupos, entender as diferenças entre cidades limítrofes. Evoluções atípicas, etc. Estes dados geram perguntas. E já disse Guimarães: “Deus é traiçoeiro! Ele faz é na lei do mansinho”. O IDHM só faz sentido se examinado nos detalhes que seu conjunto revelam, nos movimentos.

Se você tem síndrome de Odete Roitman e acha que “este país tupiniquim nuca muda”, pare o texto por aqui e volte para as frases falsas da Clarice Lispector no Facebook ou ainda vá ver se alguma das Quatro Pontes (PR) partiu. Os dados são inequívocos: o país mudou e muito, em 20 anos. A classificação do IDHM médio (o que mostra o todo) foi de Muito Baixo (0,493, em 1991) para Alto Desenvolvimento Humano (0,727 em 2010). Houve (e seguirá havendo) evolução nas 3 dimensões do índice. Isto costuma acontecer porque elas são ligadas por fios correlativos. Mais educação, mais saúde, mais renda. Mais renda, mais saúde e educação. Coloque na ordem que quiser. As dimensões se alimentam mutuamente, mesmo que não simultaneamente.  Daí, em séries temporais longas, exceto quando há causas externas extemporâneas (guerras, epidemias, campeonato mundial do Corinthians, etc.), veremos que elas evoluem abraçadinhas.

A outra constatação do conjunto é que o país continua espacialmente muito desigual. O PNUD fez um mapa em cores para que até jornalista entendesse. (Obs.: Já reparou porque nestes gráficos Verde ou Azul é sempre bom e Vermelho ruim? Será que a maioria dos analistas é palmeirense e gremista?). O Centro-Oeste “enricou”, as diferenças diminuíram no conjunto. Mas, ainda são enormes entre o Norte e Nordeste e as demais regiões.

O detalhe é que há a desigualdade dos desiguais. A desigualdade média é maior dentro dos municípios com pior IDHM. Se o IDHM de um município com grande desigualdade é baixo, então os pobres deste município estão ainda em pior situação do que os pobres em municípios menos desiguais. Mesmo que isto afete proporcionalmente uma pequena parte da população (6%), porque ocorre basicamente em municípios pequenos (menos de 10 000 hab.), é neste grupo de 11 milhões de pessoas que estão 7 em cada 10 miseráveis do país. Logo, entender e reverter o problema nestes pequenos municípios é chave para erradicar a miséria.

As mudanças mais significativas (observadas em toda a análise) IDHM 2010 são:

1.     Saúde (medida pela esperança de vida ao nascer): Neste índice, o Brasil conseguiu chegar ao desenvolvimento muito alto. A cada ano, os brasileiros vivem mais, em todo o País. Nenhuma cidade está na faixa "baixo" ou "muito baixo". A maioria dos brasileiros (62,2% da população) vive em áreas com o IDHM-Longevidade considerado “Muito Alto”. A diminuição significativa da mortalidade infantil (com grande participação da sociedade) e a queda na fecundidade são as principais causas do avanço neste índice.

a.     A maioria absoluta das pessoas vive em cidades que baixaram para menos de 19 por mil nascidos vivos a mortalidade infantil. Antecipando a meta (ODM) para 2015.

b.     Hoje, mais de 50% dos municípios brasileiros têm taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição da população. Isto ajuda a longevidade, mas já apresenta uma preocupação: envelhecimento da população em idade ativa. Um viés estrutural do IDH (da qual o IDHM não consegue escapar de todo) é que ele termina por privilegiar populações maduras. Além desta vantagem natural do índice, no Brasil os idosos são mais ricos do que as crianças em uma medida de 3 para 1.Logo, principalmente no Sul, há muitos municípios que apresentam um alto IDHM justamente por serem “velhos”. E estes municípios tendem a cada vez menores. Daí, seu excelente resultado não significa muita coisa, exceto como tema das partidas de dominó na praça.

c.     O avanço só não é ainda maior por uma razão: a violência, que se espalhou das grandes metrópoles para as cidades pequenas e atinge especialmente nos jovens. O crescimento na expectativa de vida nos últimos dez anos – 46% no Brasil e 58% no Nordeste – seria até 1.8 ano maior se não fosse o impacto da violência entre os jovens. A taxa de mortes violentas entre jovens chegou a 134 por 100 mil hab., mais do que o dobro do já alto índice da população em geral, de 54 por 100 mil.

2.     Educação é a dimensão que mais avançou em termos em termos relativos: 128,3%. Mas ainda é a única área do IDHM que não se pode classificar como ALTA. Não compare com outros países, lembre-se de que a metodologia brasileira é mais exigente (tem foco nos últimos anos de cada nível de ensino e não nos primeiros, como o IDH tradicional). Em 20 anos o Brasil universalizou o ensino fundamental, triplicou a inserção na secundária e quase dobrou a no ensino superior.

a.     No ensino fundamental o crescimento alcançou estabilidade, mostrando que os resultados na universalização do ensino alcançaram maturidade. É o tal “se piora estraga”. É preciso manter as taxas. Porém, devido ao curto tempo, o Brasil só universalizou o ensino fundamental há 15 anos (o Uruguai o fez há 73 anos, a África do Sul há 31), ainda haverá impacto da educação na renda, nos próximos anos. Educação é um índice que melhora rapidamente, mas demora mais para impactar os outros.

b.     O índice da secundária foi o que cresceu mais na última década, puxado pelo fluxo escolar de jovens 2,5 vezes maior em 2010, em relação a 1991. Um crescimento de 156%.

c.     Todos os comentários que li mencionam que devemos contrapor este avanço na escolaridade (o que o IDHM mede) com o problema da qualidade. Besteira. Não que a qualidade da educação (seja isto o que for: resultado em exames, horas de escola/ano, etc.) não seja relevante para o país. Porém, não o é para a avaliação do IDHM.  O IDHM tem que ser comparado endogenamente, ie, consigo mesmo.  Acompanhe a ideia: A desigualdade entre o indivíduo A (que tem o curso completo da faculdade de 1ª. linha) e outro, B (com 3 anos de escola) é X.  Suponhamos que B agora tem 8 anos de escola. A desigualdade e agora é de Y. Mesmo que a escola de B seja ruim e a de A tenha piorado, assim mesmo Y será MENOR do que X.  A desigualdade educacional é enorme, mas a evolução na escolaridade em si (mesmo a de baixa qualidade) representa impacto na renda, saúde e redução do fosso. A questão da qualidade educacional precisa de outros elementos de análises. Deve ser medida nos impactos extraescolares do ensino, tais como produtividade, satisfação, patentes, etc. O IDHM mede a matéria-prima, a qualidade deve ser medida pelo produto final que gera a educaçao.

d.     Com o aumento geral dos níveis de escolaridade, cai o corelação ano Escolaridade X Renda. Quanto mais gente na escola, menos a escola é uma diferença competitiva para obter maiores salários.  Nas grandes cidades mais ricas, esta relação caiu quase 1/3 em 20 anos. A escolaridade perde peso na redução efetiva das desigualdades. Daí, outras barreiras de desigualdade ganham mais importância (escola privada X pública, idiomas, etc.).

3.     Renda: A melhoria corresponde a um ganho de renda per capita de R$ 346,31 em 20 anos.

a.     Renda evoluiu equilibradamente pela queda da desigualdade e pelo aumento da renda de trabalho. Uma boa notícia que mostra potencial para que a renda continue a crescer.

b.     A desigualdade de renda brasileira transparece no IDHM. Norte e Nordeste têm, neste índice a maior brecha em relação às demais regiões. Mesmo sem crescimento econômico, mantidas as taxas atuais de desemprego e renda de trabalho, se conseguir reduzir a desigualdade de renda (GINI) para a média latino-americana, o Brasil já adicionaria outros R$101,70 de renda a cada família brasileira, em 2020 e teria erradicado a miséria. Noutras palavras, a desigualdade ainda é principal causa de pobreza no Brasil.

c.     Municípios com renda menor têm mais crianças e adolescentes proporcionalmente. As políticas específicas para as famílias aonde vivem estas crianças e adolescentes ainda não tiveram os impactos necessários.

d.     Municípios com renda menor tendem a se dividir mais. Nos últimos 20 anos, 68% das emancipações deram-se em áreas deprimidas em termos de renda. Mesmo tão criticadas pelo senso comum, o curioso é que as emancipações têm, em 83% dos casos, efeitos positivos no índice (aumento maior do que a média da microrregião) do território emancipado.
 
A PERGUNTA QUE IMPORTA...

 Algo muito central passa despercebido nestes relatórios. IDH não mede o Desenvolvimento Humano. Não apenas porque o Desenvolvimento é mais amplo do que estas dimensões (inclui participação, interação, liberdades, etc.). A ideia do IDH não é medir o Desenvolvimento, mas o POTENCIAL para tal.

A hipótese que baseia o IDH é que se um indivíduo tem saúde, renda para as suas necessidades e conhecimento (educação) terá mais opções, uma gama de escolhas ampliadas na vida. Enfim, poderá se desenvolver.

No entanto, o aumento do IDHM acompanhados de fenômenos aparentemente contraditórios (como aumento das violências principalmente dirigidas a jovens e mulheres, monetarização da vida, privatização de serviços essenciais, decadência nos indicadores ambientais, aumento do endividamento de curto-prazo, segregação espacial urbana, e outros) pode indicar uma sociedade que, a despeito de suas crescentes possibilidades (potencial para o Desenvolvimento), faz escolhas que terminam por fazerem mal e prejudicar as atuais e futuras gerações.

Assim, é natural e desejável a busca por melhorar os índices que compõe o IDHM. Mas, a pergunta principal diante do índice não é “Quanto?”, mas “E daí”?

A questão central passa a ser: “Em que medida as possibilidades ampliadas de escolha geram melhoria da vida da sociedade como um todo?”. E se esta medida não é adequada, “o que se deve fazer para informar melhores escolhas pessoais e coletivas?”. Isto não é uma pergunta puramente de políticas de Estado. É uma pergunta sobre a construção do tecido social. Uma sociedade com poucos espaços comuns, precários canais de diálogo, que não compartilha serviços, recursos e decisões terá dificuldades de construir identidades consistentes e de fazer boas escolhas. “A socialização pelo consumo é monológica, voluntária e não obrigatória, individual e não coletiva”.  Mesmo em países de altíssimo IDH, e que tiveram ainda crescimento nos últimos anos, sua população crê que sua vida está pior do que antes. Somente 28% dos Alemães pensa que seu país é melhor hoje do que há 20 anos. No Canadá este grupo não passa dos 35%.

Não basta para uma sociedade ficar mais rica, mais escolarizada e mais longeva, ela precisa ser uma sociedade melhor para todos os seus participantes atuais e futuros.

Ainda acha mais importante medir se o seu é maior do que o da Argentina? Vá ver o tamanho do IDHM de Pontão (RS)*! :-):-)

 *0,725

 
Mais sobre o IDHM 2010 em:












 



[1] Saúde (medida pela esperança de vida ao nascer); Educação (% de 18 anos ou mais com ensino fundamental completo; % de 5 a 6 anos frequentando a escola + % de 11 a 13 anos frequentando os anos finais do ensino fundamental + 15 a 17 anos com ensino fundamental completo + % de 18 a 20 anos com ensino médio completo) e; Renda (medida pela renda real mensal, em agosto de 2010)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ADÃO & EVA NO "OCCUPY BRASILÍA"


Desde que Adão e Eva foram inquiridos, a resposta mais comum a qualquer questionamento é: o culpado é o outro, ou a outra. O movimento “Occupy Brasília” não é diferente. Baseado em uma bandeira muito nobre: 10% de investimento do PIB, o dízimo em educação, o movimento acampou na capital federal com o mote que a culpa é dos outros.

Mesmo que particularmente prefira pegar em armas a acampar (na adolescência, tive uma overdose de acampamento mosquitos, odores nauseantes, calor e miojo:), eu apóio a idéia de melhorar a educação. Mas, os bem intencionados acampantes de Brasília estão profundamente equivocados no alvo: tanto no valor, quanto na abordagem.

O erro do valor é que:

1. O Investimento público direto, nos 3 níveis, já é superior a este patamar: 11,8%; se consideramos o PIB que o Estado administra (em torno de 34% do total).

2. No investimento privado, 89% da população brasileira já investe mais do que 10% em educação. As classes C e D chegam a investir quase ¼ de sua renda neste item.

3. 11% da população (renda familiar per capita superior a R$1650,00/mês) investe menos de 10% em educação. O 1% mais rico do Brasil investe menos de 1.5% em educação, contra 6.5% de investimento da mesma elite nos EUA, por exemplo. Em países como EUA, Canadá, UK e França, a classe média faz investimentos complementares na escola pública, até quando não dela se beneficia.

4. Além dos 11,8% de investimento público direto, o Estado também subsidia a educação das classes não-pobres através de:

       a. Renúncia fiscal do Imposto de Renda: 2.1 Bilhões/Ano (estimativa cruzada porque a receita não libera este dado). Enquanto o Estado subsidia até R$1400,00/ano por dependente/contribuinte de classe média, investe R$780,00 em crianças (pobres em sua maioria) do ensino fundamental público.

      b. O investimento direto feito na educação é acrescido de isenção/elisão fiscal para o setor educacional privado, via CNAS e privilégios fiscais (não condicionados a nenhuma contrapartida). Este total chega a R$4,5 Bilhões/ano, segundo estimativas de Linz Perdo (UNICAMP). A indústria da educação paga em média 26% a menos de impostos que outras e 14% menos de impostos do que a Agricultura.

    c. Através de mecanismos de incentivo (como o sistema S, os militares e outros menores), ainda 1,4 Bilhão é destinado à Educação.

O equívoco na abordagem é brigar por um valor do PIB é desprezar um fator ainda mais importante do que o montante: a eficiência e focalização do investimento. O Brasil não investe pouco. Se somarmos os investimentos Investe em poucos e de maneira não eficiente.


1. O investimento no aluno de ensino superior chega a 400% mais do que no de ensino fundamental. A média mundial é de 150% a mais.

2. Quase 6 milhões de crianças de 3-5 anos (educação pré-escolar) divide um investimento total inferior a 20% do realizado para pouco mais de 850mil alunos das universidades públicas.

3. Para cada 3 professores, a educação pública paga um funcionário administrativo. A média dos países desenvolvidos é de 1 administrativo para cada 12 professores.

4. Todo mundo diz que professor ganha pouco. Um dos motivos é que os que estão trabalhando na educação dividem a renda com os que não estão. Só uma correção para parâmetros internacionais já representaria quase 40% de aumento real para os professores.

5. Não há mecanismos efetivos de avaliação e punição a professores ruins. O governo de SP tem um curioso caso, onde não conseguiu demitir um professor, condenado em última estância por espancar um aluno. Não há registro, segundo a Federação Nacional dos Trabalhadores na Educação, de um professor estável sequer que tenha perdido o emprego por não ensinar bem.

6. Das 27 unidades federativas, 19 têm mecanismos de participação popular na gestão educacional. Mas, segundo levantamento do Movimento todos pela Educação, estes mecanismos têm baixíssima participação da população em mais de 80% dos casos. Segundo levantamento, o 2º. principal motivo é desinteresse.


Assim, se eu fosse sugerir uma pauta ao “Occupy Brasilia” quanto à Educação, ela seria:


1. Fiscal:
a. Abolir toda isenção fiscal para educação dada às classes média e alta.
b. Tratar o setor Educacional privado com os mesmos impostos dos demais (isto afetaria as mensalidades privadas, com certeza).
c. Já somaríamos 6.6 Bilhões/ano.


2. Política
a. Redução dos gastos não educacionais na educação.
b. Avaliação pública de escolas e professores com fim da estabilidade para professores ineficientes.
c. Focalização dos investimentos públicos nos pobres.
d. Maior envolvimento e investimento da população nas questões educacionais, através dos conselhos e mecanismos.


Assim, ao invés de “Occupy Brasília”, o movimento terminaria sendo: Occupy Shopping Iguatemi e Occupy Sindicato dos Professores kkk 

Mas, seria difícil isto ser aceito porque em uma coisa Direita e Esquerda; Ricos & Pobres; Adão & Eva concordam: a culpa é do outro.


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Dados: 1)Censo Educacional, IBGE 2010. 2) Participação & Educação: Todos Pela Educação. 2) TD 137, IPEA. 3)Radar Investimento Publico, UNICAMP, 2011.



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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DON'T WORRY BE HAPPY


Correlações são uma obcessão na pesquisa. E a busca de vínculos entre dinheiro e felicidade um dos temas mais comuns na pequisas econômicas que ganham espaço na mídia. Embora, felicidade certamente é não ter que pensar em Economia. O problema é que estas pesquisas que medem felicidades são altamente imprecisas. Baseiam-se na resposta de uma pessoa a um conceito extremamente vago: felicidade. E a resposta varia de dia para dia. Por exemplo, hoje os Botafoguenses estão felizes. No final do campeonato, não estarão :-)

Chegou-se a criar um Índice de Felicidade Bruta, que  além de ajudarem a que você saiba  que existe um país chamado Butão (o campeão do Índice) só serve  para inspirar senador a propor o direito à felicidade.

Baseado nestes dados frágeis tem sido possível fazer uma correlação entre felicidade e renda, tanto no nível individual quanto no nacional. E para os que insistem em explorar mais o tema, a OECD (em seu recente relatório anual) publicou uma enquete feita pelo Instituto Gallup, que pediu para 4000 pessoas em 18 países darem notas de 1 a 10 para sua satisfação. O resultado mostrou que o mais infeliz dinamarquês é mais feliz do que o mais feliz dos chineses. O governo da China já pensa em começar a falsificar comediantes de stand-up.

Alguns (dentre eles a "the Economist") com uma constataçao acerca da “brecha de felicidade”(isto é termo que se use? Economista consegue transformar qualquer assunto em algo chato kkk). Eles perceberam que a brecha da felicidade, isto é, a diferença entre os mais felizes (torcedores do Fluminense, independentemente da tabela, por exemplo) para os mais infelizes parece não ter relação nenhuma com a desigualdade (baseada no GINI). Um país mais desigual não tem mais desigualdade de felicidade e vice-versa. Esta dado em si já leva a questionar a relaçao renda-felicidade aparentemente demonstrada na pesquisa. Mas, o povo nao vai desistir de seguir buscando o graal do "felicitômetro".

O que isto significa? Que o Gallup está feliz porque os governos/organizações seguem comprando este tipo de pesquisa kkk


terça-feira, 11 de outubro de 2011

DIA DAS CRIANÇAS: SUGESTÃO DE PRESENTE



Amanhã, mais de 5.000.000 de crianças brasileiras passarão do seu dia vivendo em condições de miséria (http://sociometricas.blogspot.com/2011/05/muitos-numeros-um-desafio.html), de extrema pobreza, de situação vulnerável. Chame do que quiser. Não importa o nome. Importa o fato de serem crianças. Responsabilidade de toda a sociedade, segundo está escrito na lei.


É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição Federal de 1988, o Brasil, o Art. 227)

Um grande presente para elas, seria o cumprimento da lei. Mas, um estudo recente (O BENEFÍCIO INFANTIL UNIVERSAL: UMA PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DO APOIO MONETÁRIO À INFÂNCIA) do Pedro Herculano e do Sergei Soares (IPEA) é mais uma evidência de que esse artigo da Constituição vale menos do que outros.

O estudo, que passo a resumir/editar a seguir, examina o atual arranjo de benefícios monetários para crianças com 15 anos ou menos. No Brasil, estes benefícios são compostos pelo:

1. Benefício variável do Programa Bolsa Família,

2. Salário-família e

3. Dedução para dependente menor de 16 anos no pagamento do Imposto de Renda Pessoa Física.

Os autores analisaram cada um deles sob o ponto de vista do valor, sua cobertura, sua focalização e seu custo fiscal.

A conclusão do estudo é: O sistema atual de benefícios para as crianças é fragmentado, sem coordenação entre benefícios que são parcialmente superpostos, exclui quase um terço das crianças e transfere valores maiores para crianças mais ricas.

Isto é um escândalo, mas a oposição não vai pedir uma CPI, a imprensa não vai noticiar. Porque parece que os problemas mais sérios são o Aeroporto Internacional, o trânsito ou o estádio do Corinthians.

A vulnerabilidade vai além da pobreza (definida como insuficiência de renda). Inclui tudo o que é necessário para o desenvolvimento dos indivíduos (acesso a cuidados e serviços, o respeito aos direitos humanos, a participação cultural, possibilidade de sociabilidade, etc.). Mas, como a renda está correlacionada em algum grau com as outras dimensões e porque é mais fácil de medir, os indicadores de pobreza servem como um espelho (uma Proxy) razoável da vulnerabilidade das crianças em comparação com outras faixas etárias. E, no quesito renda, tanto crianças quanto idosos são os mais vulneráveis porque não possuem (ou não deveriam possuir) renda própria do trabalho e ainda representam um custo adicional ao domicílio (portanto, diluem a renda domiciliar). Mas, no Brasil as políticas sociais até hoje foram muito mais efetivas para os idosos do que para as crianças.

No Brasil, os percentuais de pobreza e extrema pobreza caíram (para qualquer método que for utilizado) para todas as faixas etárias, desde a primeira metade dos anos 2000. Mas, como os gráficos abaixo mostram, apesar dos grandes avanços recentes, a pobreza infantil ainda é consideravelmente mais alta do que a dos demais.





• Em 1995, cerca de 30% das crianças estavam entre os 20% mais pobres. Em 2009, esse percentual já era de 34%.

• Por outro lado, a concentração de crianças no topo da distribuição de renda diminuiu: em 1995, 13% das crianças estavam entre os 20% mais ricos, mas em 2009 eram apenas 10%.

• As crianças representam quase metade (46%) dos extremamente pobres, um grupo cuja renda tende a ser pouco sensível ao crescimento econômico.

Ou seja, não só as crianças estão, desde sempre, mais concentradas entre os mais pobres (que é esperado pelos diferenciais da taxa de fecundidade, pelos arranjos familiares e pelo próprio fato de que a presença de crianças dilui a renda domiciliar), esta concentração tem aumentado ao longo do tempo. O bom momento do mercado de trabalho e o grande sucesso da proteção social brasileira no combate à pobreza entre idosos melhoram significativamente a vida dos adultos. Mas, as crianças foram esquecidas. A POBREZA INFANTIL AUMENTOU!

O estudo ainda lembra um importante fator: a grande volatilidade. Isso significa que um número considerável de famílias entra e sai da pobreza. Como as crianças estão mais concentradas entre os mais pobres, mesmo aquelas que não são pobres ou extremamente pobres correm um risco considerável de se tornar pobres em algum momento ao longo do tempo. Usando os dados do estudo, podemos estimar que quase 1.5 milhão de crianças estejam neste limiar. Noutras palavras, são pobres também.

Benefícios direcionados para crianças seriam essenciais para diminuir a vulnerabilidade deste grupo. Mas, os que existem hoje não cumprem seu papel:

1. Deduções do Imposto de Renda: Têm direito ao benefício, todos que declaram IRPF e têm dependentes menores de 21 anos (ou 24 em caso de estudantes). Mesmo que os dados que a Receita Federal divulgue sejam parciais e desatualizados (sim, o governo não informa ao governo kkk), sabe-se que as deduções com menores de 16 anos devem passar dos R$ 15 Bilhões por ano. Um detalhe, uma estimativa própria aponta que aproximadamente R$ 12 Bilhões por ano são destinados a crianças que vivem entre os 30% das famílias mais ricas.

2. Salário-família (SF): Têm direito ao benefício os trabalhadores formais (exceto os domésticos), alguns trabalhadores avulsos e até aposentados (várias categorias de funcionários públicos recebem um salário-família cujos valores e limites são diferentes daqueles para o setor privado, que não foram analisados no estudo). No setor privado, baseado nos precários dados disponíveis, as empresas declararam um gasto de R$ 1,89 bilhão com o pagamento do SF (em 2007). Mesmo que recentemente tenham sido estabelecidas algumas condicionalidades (vacinação e matrícula na escola), não há sistema que a verifique. Situação curiosa porque existe um sistema nacional de acompanhamento de freqüência à escola para o Bolsa Família, que acompanha quase metade dos alunos do fundamental no Brasil, mas não acompanha as contrapartidas idênticas do SF. Do montante aplicado no SF, além de nenhuma verificação quanto a sua aplicação para as crianças, uma estimativa aponta que apenas 27% estejam em famílias extremamente pobres (lembrando, que o SF é pago aquém tem emprego, registro, etc.).

3. Bolsa-Família: O BF (2003) consolidou, unificou e expandiu a cobertura de diversos programas. Dos 3 benefícios que apóiam as crianças, o BF é o único focado, isto é, é direcionado somente a famílias mais pobres.

    a. O BF conta com dois componentes: um benefício fixo e sem condicionalidades, direcionado para as famílias extremamente pobres, e um benefício variável e com condicionalidades, direcionado para famílias pobres ou extremamente pobres com filhos de ate 15 anos. O benefício variável e pago por criança ate um limite de três benefícios por família.

    b. Em 2007, um novo benefício foi criado, o benefício variável vinculado ao adolescente, pago a famílias pobres ou extremamente pobres com adolescentes de 16 ou 17 anos (até o limite de 2 por família.

    c. A média paga por criança, no Benefício Variável, é de menos do que R$22,00/ mês. Logo, menor do que a dedução máxima efetiva por dependente no IRPF e até mesmo do que o benefício mais elevado do SF.

    d. Vale lembrar, contudo, que há um máximo de três benefícios por família, o que não ocorre nem com o SF nem com a dedução do IRPF com crianças de 16 anos ou menos. Noutras palavras a lei limita os benefícios dos mais pobres e não o faz do restante da população (vide tabela)

Além de deixar um grande número de crianças (inclusive mais pobres) fora do alcance de qualquer benefício e dos valores desiguais, dentre os 3 benefícios, o único focado nas crianças pobres e acompanhado é o BF.




Algumas deduções, que podemos tirar do estudo, todas preocupantes acerca dos benefícios direcionados à Infância:

1. Representam um baixo investimento por criança.

2. Representam um investimento muito inferior ao feito para adultos e idosos.

3. Não são direcionados (em sua maioria) prioritariamente às crianças mais pobres.

Por isto, neste dia da Criança daríamos um grande presente às mais de 5milhoes de crianças brasileiras expostas à extrema pobreza se substituíssemos o atual sistema por um único Benefício Infantil (mesmo universal). Tirar todas estas crianças da extrema pobreza, dar de rpesente o cumprimento do Art.227 custaria o equivalente adicional de 0,2% do PIB (2009). Presente barato.