quarta-feira, 11 de maio de 2011

MUITOS NUMEROS, UM DESAFIO (ou porque 16 = 25 = 5)


O grupo de música clássica dos anos 80, Blitz já cantava “Tá tudo muito bem, tá tudo muito bom, Mas eu realmente... “

As principais conclusões do Censo 2010 já tinham sido antecipadas aqui, no mês passado. Refuto as acusações de ter acesso privilegiado só porque tenho um homônimo presidente do IBGE kkk Nenhum Eduardo tem culpa disto. A culpa é da Estatística. Pelos dados da contagem, lançados há 2 meses, já era possível antecipar boa parte dos resultados preliminares divulgados na semana passada. Afinal, como nossas pesquisas por amostragem (principalmente a PNAD) são bem feitas, logo era de se esperar que não tivéssemos surpresas. Apaixonantes mágicas da estatística que corroboram que as principais matérias-primas de Deus ao fazer o universo foram Matemática e Poesia :-)

De volta ao Censo, comecemos pelo assunto do momento: Miséria, Extrema Pobreza, Perrengue, etc. Quando as estatísticas eram tão assustadoras que só revelavam que não poderíamos mudar a situação, acostumamo-nos a olhar percentuais e fitar neles para nossos desafios. Perdido de um, perdido de 10.

Mas, a situação mudou. A dinâmica populacional e melhoria socioeconômica brasileira tornaram o quadro mais definido, nas últimas duas décadas. Como um tempero de salada que parado, começa a revelar claramente seus ingredientes. Paradoxalmente, quanto menor, mais os grupos vulneráveis tornam-se visíveis. E para ver os ingredientes é preciso ir além dos percentuais.

Assim, precisamos atentar para os números absolutos que nos desafiam. Todos já viram nas manchetes: “16.000.000 de pessoas estão abaixo da linha da extrema pobreza (miséria)”. Vamos ao que a imprensa não conta porque tem preguiça de escrever e você preguiça de ler:

1. O IBGE contou 11.430.465 pessoas com renda entre R$1,00 e R$70,00. De onde vêm os 16 milhões?

2. O Censo também contou outras pessoas que declararam renda ZERO, 4.836.732.

3. Você pode pensar: É gente que quer esconder o que tem. Alguém no IBGE é tão espero quanto você, e para evitar isto aplicou um filtro. Assim, só contam os que declararam renda ZERO e moravam em domicílios sem água, esgoto, banheiro ou sem energia elétrica e tinham pelo menos um morador com +de 15 anos analfabeto e sem moradores acima de 65 anos. Em resumo, gente realmente pobre, embora saibamos que a renda ZERO não existe. Somados aos do item#1, temos os 16.267.197 pessoas extremamente pobres. O número das manchetes. Mas, se fosse para ficar nas manchetes teria sido jornalista rsrsrs.

4. Estes 16.267.197 são os que vivem em “domicílios permanentes”. Isto é, estes são os muito pobres com CEP. E os que não têm? Censo não serve para este tipo de população, mas ela existe. Vários estudos, aplicados às regiões metropolitanas das capitais e às outras 5 maiores cidades em cada estado, estimam o número desta população móvel. Na hipótese mais otimista, há nas condições de extrema precariedade, sem domicílio permanente o equivalente a 0,8% da população estável. Daí, somemos aos 16.267.197 outros 1.518.328. Logo, haveria no Brasil 17.785.525 pessoas com renda inferior a R$70,00 per capita.

5. Mas, estas 17.785.525 têm companhia. São aquelas pessoas que estão na faixa de extrema volatilidade, isto é, sua renda não vem de fontes estáveis, por isto elas podem passar para o outro lado da linha facilmente. Dos 19.738.897 que estão na faixa de pobreza (a quem vem acima da de pobreza, entre R$71,00 e R$140,00), 3.553.001 estão muito próximas à linha de miséria e não têm fontes estáveis. Logo, são miseráveis também. Assim chegamos a 21.338.526 de pessoas extremamente pobres no Brasil.

6. A conta acaba aqui, certo? Errado. Vamos aplicar outro filtro. Regiões. O próprio IBGE mede o preço da cesta básica em vários pontos do país. Daí é possível corrigir o número mágico de R$70. Mas, se R$70 é média já não seria corrigido? Sim, se a distribuição dos pobres acompanhasse a média populacional, mas não acompanha. Algumas regiões mais caras têm proporcionalmente mais pobres do que outras. Logo, nestas regiões precisaríamos elevar a linha de extrema pobreza. Se assim fizermos, outros 1.904.630 extremamente pobres aparecem na nossa contagem. Para ser justo, vamos descontar as regiões onde o custo de vida é menor. Isto retira 299.507 pessoas da lista. Novo número de extremamente pobres: 22.943.649.

7. Além da correção de custo de vida regional, há outra raramente estimada. O custo-criança. Para cada pessoa abaixo dos 15 anos (até 5 por família) o custo de vida sobe em média, 6.5%. A pirâmide etária na faixa dos mais pobres é bem diferente das existentes nas demais faixas (vide grafico, ao fim). Enquanto na ponta dos mais ricos (acima de R$1.120,00 per capita) 7.2 em cada 100 pessoas têm menos de 15 anos; na ponta dos mais pobres, 17.1 estão nesta faixa etária. Usando a média de 3.1 crianças abaixo de 15 anos por domicílio nesta faixa de renda, e corrigindo pelos custos regionais, o novo número de miseráveis seria 25.008.577.

8. Logo havia no Brasil, em Novembro de 2010, mais de 25 milhões de pessoas na extrema pobreza. Destas, 4.276.466 miseraveis tem menos de 15 anos.

9. Ainda na pobreza infantil, some a essas, outras 803.766 crianças que estão na faixa de pobreza imediata, mas não têm família (são sustentadas por não familiares ou estão abrigadas).

10. O principal desafio do país é mudar a vida de 5.080.232 crianças. É um número imoral para a 7ª economia do mundo, como gostamos de nos lembrar.