terça-feira, 22 de novembro de 2011

A VERDADEIRA CRISE?

Como me revelou e, a cda encontro nosso,  meu sobrinho Pedro me lembra: Sou chato.E chatos, como eu, sempre têm um “porém” a respeito de tudo, respondem até um "como vai?". E, se perguntados: "tudo bem?", saem com um: "Defina tudo". Mas, neste texto do Vladmir conterei minha chatice. Ele, sucintamente, questiona um ponto raro no debate atual: a inconsistência entre a promessa de realização individual (e individualista) X o bem comum. Em um mundo onde todo mundo acha que tem o direito de ser feliz (de preferência da sua maneira, sem dar satisfaçoes ou se limitar); todos (ou a imensa maioria, os 99% ao menos) terminarão infelizes. A idéia de que existe um indivíduo que vem antes do grupo é o tema que nos lembra Vladmir. E pode estar no cerne dos conflitos atuais, pelo menos nos conflitos "ocidentais". Bem isto já é um porém. Chato não se redime:-)






A verdadeira crise (VLADIMIR SAFATLE)

 

E se, para além da crise econômica, política e ambiental que parece atualmente ser um fantasma a assombrar as sociedades capitalistas, outra crise estivesse à espreita?

Uma crise ainda mais brutal, dotada da força de abalar os fundamentos da normatividade existente. Lembremos como Max Weber mostrou que o advento do capitalismo trazia, necessariamente, a constituição de uma forma de vida marcada por um modo específico de relação aos desejos e ao trabalho.

Tal forma de vida, cuja face mais visível era a ética protestante do trabalho, baseava-se em um modo de articular autonomia como autogoverno, unidade coerente das condutas e da liberdade como capacidade de afastar-se dos impulsos naturais. Ou seja, ela trazia no seu bojo a criação da noção moderna de indivíduo.


Mas, e se estivéssemos hoje às voltas com uma profunda crise psicológica advinda do colapso dessa noção tão central para as sociedades capitalistas modernas?


Uma crise psicológica significa aumento insuportável do sofrimento psíquico devido à desestruturação de nossas categorias de ação e de orientação do desejo.


O sociólogo Alain Ehrenberg havia cunhado uma articulação consistente entre a atual epidemia de depressão e um certo "cansaço de ser si mesmo".


Por sua vez, boa parte dos transtornos psíquicos mais comuns (como os transtornos de personalidade narcísica e de personalidade borderline) são, na verdade, as marcas da impossibilidade dos limites da personalidade individual darem conta de nossas expectativas de experiência.


É possível que, longe de serem meros desvios patológicos, estes sejam alguns exemplos de uma crise em nossos modelos de conduta que crescerá cada vez mais.

Conhecemos um momento histórico no qual uma crise psicológica dessa natureza ocorreu. Momento marcado pela retomada do ceticismo e de um desespero tão bem retratado nos quadros do pintor Hieronymus Bosch.

Ele só foi superado por processos históricos, fundamentais para o aparecimento da individualidade moderna, nomeados, não por acaso, de Renascimento e de Reforma.

Tais palavras nos lembram que algo estava irremediavelmente morto e desgastado. Algo precisava renascer e ser reformado.

Talvez estejamos entrando em uma outra longa era de crise psicológica onde veremos nossos ideais de individualidade e de identidade morrerem ou, ao menos, algo fundamental de tais ideais morrer.

O problema é que, algumas vezes, a morte dura muito tempo. Algumas vezes, precisamos de acontecimentos que ocorrem duas vezes para, enfim, terminarmos de morrer

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

PALMEIRENSES, CORINTIANOS E O FALSO CONSENSO DA EDUCAÇÃO


Há consensos que unem até palmeirenses e corintianos. Um deles é: “A educação gera o desenvolvimento”. Todo mundo parece concordar com isto. Quem já não ouviu de um companheiro involuntário de uma fila, do tio na festa da família, de um taxista, a célebre frase: “este país precisa é de educação”.

Mas, estariam palmeirenses, corintianos e seu tio certos?

É fato que alguns dos países que mais cresceram nas últimas décadas (Coréia do Sul, Malásia e Cingapura) aparecem regularmente no topo das avaliações internacionais do nível de aprendizagem dos estudantes.

Além de palmeirenses e corintianos, as pesquisas apontaram que há três mecanismos principais, que ligam educação ao crescimento:
1) elevação do nível de qualificação da população e, em função disso, da produtividade do trabalho;
2) Aumento da capacidade de inovação;
3) Facilitação da adoção de tecnologias existentes e inovadoras.

Mesmo que repetido, desde antes do Sarney chegar ao poder (sim, muito longinquamente) somente na final do século passado, a relação empírica entre educação e crescimento foi claramente estabelecida. Porém é comum na ciência social aplicada (Economia incluso) que se faz é muito útil para entender o passado. E, quando o entende, talvez ele já tenha mudado.

Em um conhecido estudo publicado dez anos atrás, "Where Has All the Education Gone?", Lant Pritchett mostrou que, apesar de vários indicadores educacionais terem melhorado significativamente nas últimas décadas em vários países da África e da América Latina, o crescimento desses países foi nulo ou mesmo negativo se analisado durante o mesmo período.

Indicadores como taxas de matrícula e número de anos de estudo da população, usualmente identificados como “Educação”, não se refletiam mais nas taxas de crescimento econômico.

As evidências empíricas encontradas por Pritchett foram alçadas à categoria de "paradoxo da educação" por William Easterly em seu livro "The Elusive Quest for Growth", o que motivou uma série de estudos.

O que fazem os cientistas quando uma teoria parece não explicar mais a realidade? O mesmo que os palmeirenses e corintianos. Mudam a realidade, porque deu muito trabalho para elaborar a teoria, já tem uma série de aulas prontas baseadas nelas, além de uns gráficos maneiros animados em PowerPoint.

Assim, a maioria dos que tentam salvar a correlação Educação-Crescimento, isto é, dizer que a mesma lei que governou o período 30-90, ainda se aplica, recorre à explicação da qualidade. Assim, não é a educação, mas sua qualidade que tem um grande impacto no crescimento econômico. Alteram-se os elementos, mas se mantêm a correlação. Este é o argumento fundamental de um recente estudo de Eric Hanushek (Universidade de Stanford: Economic Growth and Performance in Education, Comparative Studies, Oct-11).

Fiz um “test-drive” na teoria do Prof. Hanushek*. Para ele e seus seguidores, qualidade na educação (entendida como êxito nos testes padronizados de matemática e ciências) é responsável por desenvolvimento econômico (medido como crescimento de PIB). Nem vou entrar na discussão se os parâmetros para Qualidade Educacional (êxito em testes) e Desenvolvimento (crescimento econômico) são válidos. Brinquei com as regras colocadas pelo estudo. Apliquei um modelo regressivo de parâmetros móveis (Albuquerque & Rochmann Progressive Variable Proxy; Econometrics Applied Development ,Yale Press; 2006) a todos os países da OECDE+ China-India+ Africa do Sul + Brasil+America Latina (sem Brasil e México já incluídos nas listas anteriores). Coloquei o crescimento econômico, atribuído por Hanushek à qualidade da educação em teste com outras variáveis (taxas de juros, ganho cambial, crescimento econômico na Zona do Euro + EUA; Evolução do índice GINI). Utilize-me do mesmo período de “delay” entre educação e crescimento que Hanushek, isto é, que as taxas de educação demorariam de 5-10 anos para “fazer efeito” na economia.

Algumas conclusões:

1. Com exceção da Coréia do Sul, em NENHUM PAÍS PODEMOS ATRIBUIR O CRESCIMENTO AOS RESULTADOS EDUCACIONAIS.

2.  E mesmo na única exceção, a Coréia do Sul, o ciclo parece ter estagnado. O ganho educacional perdeu força desde 2007, isto é, a melhoria nas taxas dos testes influencia pouco as taxas de crescimento.

3. De todos os indicadores pesquisados os que parecem ter mais correlação com crescimento econômico são: taxas de juros e balança comercial. Noutras palavras, juros influenciam mais o crescimento econômico do que o desempenho educacional.

4. Uma correlação existente, mas fraca, mostra que o desempenho educacional melhora depois (média de 3 anos) do crescimento econômico e não o contrário.

As conclusões poderiam estimular a troca da teoria porque não há mais consistência de correlação entre Educação (seja qualidade) e Crescimento Econômico. Isto tinha sido apontado em alguns estudos ignorados que mostram que: A Educação (seja medida como acesso ou mesmo como qualidade) impactou fortemente o crescimento econômico em sistemas econômicos internacionais mais desiguais, fechados, com baixo compartilhamento e mobilidade de tecnologia; e propriedade intelectual tradicional.

Mas, como já disse Dorothy a Totó, “We are not in Kansas, anymore”. Dois tipos de mudança quebraram a correlação clara (que suponhamos tenha existido) entre Educação e Crescimento econômico: Perfil e Modo de Produção.

Perfil Escolar: O aumento no estoque educacional gerou o paradoxo da escolaridade. Na América Latina, por exemplo, o impacto econômico de um ano adicional de escolaridade na década de 80, corresponde ao mesmo impacto que hoje há para 2.1 anos. Educação vale mais na inversa medida em que é disseminada. Quanto mais gente estuda, mais eu preciso estudar para que a educação me traga vantagens. Não é a educação em si que me faz gerar mais renda, é a educação a mais do que meu competidor. Isto vale também parece se aplicar entre os países. Como no campeonato brasileiro, não precisa ser bom, precisa ser melhor do que seu adversário.

Modo de Produção: Passamos por mudanças profundas na maneira como educação gera tecnologia e por sua vez esta é aplicada. O aumento da automação e do tele-trabalho, a expansão da mobilidade da aplicação tecnológica e a propriedade intelectual difusa (hoje, 72% dos recursos oriundos de patentes mundiais são registradas por empresas de capital aberto, contra menos de 30%, em 1960). Tecnologia, educação são apropriados e aplicados transnacionalmente. Noutras palavras, com base em um estoque educacional mínimo, é possível transferir tecnologia. E a indústria de alta tecnologia? Esta sim dependente de altos níveis educacionais e gera riqueza. Mas, emprega contingentes populações pequenas e colabora para a concentração de riquezas. Um estudo recente** em 3 pólos deste tipo de indústria mostra um alto internacionalismo (atraem os melhores de todos os lados) e aumentaram a concentração de riqueza nas áreas onde se instalaram.

Há correlação entre desempenho nos testes e violência, mas eu não ousaria afirmar que quanto melhor nos testes, mais violenta é uma sociedade.

Infelizmente, há fatores socioeconômicos que compõe uma “tecnologia da exploração” que permite a um país crescer muito e até consistentemente e ainda assim excluir grandes parcelas de sua população de educação de qualidade. A China cresce muito com base em investimentos públicos e de produção massiva escorada tecnologias não produzidas lá. Os resultados chineses mostram que é possível crescer muito educando bem menos de 10% da população.

Eu tive que passar muito tempo na escola e agora não teria mais motivos para ser contrário a ela. Mas, os dados mostram que a Educação necessariamente não gera riqueza (algo que eu sei quando olho meu saldo bancário), mas parece ter impacto em algo muito mais importante do que crescimento econômico.

O que os dados mostram e passam ao largo da análise do Professor Hanushek é que o que ele considera Educação de qualidade tem uma correlação, mas não com o crescimento econômico e sim com desigualdade, em TODOS os países pesquisados.

Noutras palavras, é possível crescer e gerar renda sem educação de qualidade para a maioria. Porém, não parece ser possível reduzir sensivelmente a desigualdade interna sem que acesso e qualidade na educação sejam endereçados.

Uma educação de qualidade, olhada da ótica da agregação pura e simples de PIB não compensa. Mas, o investimento em Educação certamente tem alto retorno, se visto como ferramenta essencial para reduzir o privilégio dos quem têm acesso a uma escola melhor sobre os que não têm.

O que nem o Prof. Hanushek, Palmeirenses ou Corintianos parecem dispostos a fazer é mudar a teoria para ajustá-la a realidade. Se fizessem isto, torceriam pelo Fluminense kkk.

(* a versão completa e bem mais chata, com todas as notinhas e fórmulas, deste meu artigo pode ser lida em: Éducation et Développement : Notes pour la révision de une théorie macroéconomique orthodoxe . Diffuseur. l'Institut d'Étude du Développement Économique et Social, Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne )

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

COMO REDUZIR OS HOMICÍDIOS COM EXCEL


O que um governo estadual faz para reduzir o número de homicídios? Melhora a polícia? Aperfeiçoa a Justiça? Não! Contrata um estatístico esperto. Mas, para nossa sorte, nem todo mundo acredita em gnomos, na imprensa, na chance do Botafogo ser campeão nacional e em nas estatísticas oficiais de segurança pública.

Segundo os dados oficiais do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, o número de óbitos ocasionados por agressões de terceiros (homicídios) no Estado do Rio de Janeiro diminuiu nos últimos anos, de 7.099, em 2006, para 5.064, em 2009, o que implica em um decréscimo de 28,7%, no período.

Vivas e loas ao governo carioca, certo? Não. Pelo menos, conforme defende o corajoso aluno deste semestre, Daniel Cerqueira (IPEA). Ele vê fortes indícios de que esse resultado tenha se dado por consequência de má classificação proposital. Noutras palavras, manipulação dos dados.

Daniel conclui que o RJ está passando mortes por homicídios para a “mortes por causa não esclarecida”. De repente o povo parou de morrer de homicídio e passou a morrer de "causas não esclarecidas". Daniel ainda percebe que são os jovens, pobres e pretos os que mais passaram, de uma hora para outra a morrer por causas desconhecidas. Curioso, não?

Daniel vai além e “reclassifica” os números oficiais para concluir que no RJ. Daniel estima (através de um modelo multinomial logit bonitinho) que além dos 5.064 homicídios registrados em 2009, teria havido outros 3.165 homicídios ocultos, totalizando um número de agressões letais no Estado de 8.229. Noutras palavras, houve foi aumento de  número de homicídios no RJ.

"O próprio SIM, somente no RJ, a partir de 2007, há um aumento substancial de óbitos violentos cuja causa não foi esclarecida. Isto destoa do padrão nacional e do que acontecia no mesmo Rio, até 2006. O número de “homicídios ocultos” aumentou acentuadamente nesse período, passando a corresponder em 2009 a 62,5% dos casos registrados ou, em números absolutos a 3.165 homicídios não registrados"

Algumas conclusões de Daniel (nas palavras do próprio artigo dele):

1. Enquanto a taxa de mortes por intenção indeterminada diminuiu no Brasil de seis para cinco por cem mil habitantes, entre 2000 e 2009, esse indicador para o Rio de Janeiro que já era alto, mas diminuía gradativamente para um patamar em torno de 10, em 2006, dobrou para cerca de 20 em2007 e continuou aumentando nos anos seguintes.

2. No Rio de Janeiro, apenas em 2009, enquanto foram registrados 5.064 homicídios, 3.587 mortes aconteceram sem que se conseguisse esclarecer a intenção. Em 2.797 desses óbitos não se sabe sequer o instrumento ou o meio que precipitou o desfecho fatal.

3. Enquanto o Estado de São Paulo registrou, em 2009, 145 mortes com intenção indeterminada causada por armas de fogo, no Rio de Janeiro esse número foi de 538. O Rio de Janeiro com cerca de 8% da população nacional, é responsável por registrar 27% do total das mortes violentas cuja intenção não foi determinada no Brasil.

4. Quanto ao padrão de vitimização, observamos que os tipos de óbitos possuem características distintas bastante perceptíveis. Os homicídios são geralmente perpetrados com o uso da arma de fogo, contra homens jovens (20 anos), pretos ou pardos, com nível ginasial de escolaridade, onde os eventos ocorrem na rua. Os suicídios acometem caracteristicamente homens brancos, de meia idade (45 anos), com maior grau de escolaridade, em que tais incidentes ocorrem por meio de enforcamento e dentro de casa.

5. Já os acidentes (excluindo acidentes de trânsito) incidem mais em relação aos homens brancos, na terceira idade (70/80 anos), com menores níveis educacionais e onde,

6. Geralmente o óbito se dá por quedas ou impactos em local desconhecido pelo legista. A análise das distribuições de óbitos indeterminados até e após 2006, mostrou intrigantes diferenças estatisticamente significativas. Aparentemente, as distribuições dos óbitos indeterminados após 2006 ficaram mais parecidas com as distribuições associadas ao homicídio, no que se refere à idade, à escolaridade e à raça da vítima.

7. Os histogramas relativos aos instrumentos e aos locais do incidente sofreram substancial redução de frequência relativa no que se refere às mortes por arma de fogo e na rua, respectivamente, sendo que a categoria que teve aumento relativo foi a de “ignorados”. Supondo que o processo gerador de dados das distribuições dos óbitos indeterminados não tivesse sofrido mudanças, não haveria razão plausível para essas diferenças.

8. Portanto, tais comparações reforçam as evidências de ter havido alteração substancial no modus operandi da produção de informações sobre mortes violentas no Estado do Rio de Janeiro, e que tais mudanças não se deram de forma aleatória em relação aos tipos de eventos.

O estudo pode ser encontrado na íntegra em.

http://www2.forumseguranca.org.br/files/MortesViolentasNaoEsclarecidaseImpunidadenoRiodeJaneiro.pdf