terça-feira, 14 de junho de 2011

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL: CHATO É PIOLHO



Desde que concordei com meu sobrinho Pedro e assumi desavergonhadamente minha chatice, minha vida melhorou. Toda vez que precisam de um debatedor chato, meu nome é lembrado. E assim fui chamado para um Seminário no Ministério de Relações Exteriores, na semana passada. Lá, os debatedores não-chatos provaram por Milhões de Dólares + Centenas de Convênios que o Brasil já é um sujeito na ajuda internacional. Ocupa a 3ª. Posição nas Américas e a 23º no mundo.

E a Cooperação Internacional foi demonstrada em muitas formas. E executada por distintos atores (MRE, MDS, outros M's, Empresas e Organismos Públicos, etc.) e vão de fábrica de medicamentos contra AIDS em Moçambique, fazendas experimentais no Senegal e Mali, projetos agropecuários, de combate ao trabalho infantil, de capacitação de docentes no Timor Leste, a implantação de bancos de leite humano de 22 países, urbanização de “favelas” em Bangladesh a melhoramento genético do caju filipino e escolinhas de futebol (para formar volantes?) na Malásia. Embrapa e Fiocruz já têm escritórios na África, CEF e BB têm departamentos de cooperação internacional atuando em quase 30 países.

Outro debatedor do time dos não-chatos ainda expos as conclusões do estudo “Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional” (IPEA) Alguns dados (do Estudo e do Seminário):

1. O volume de recursos que o Brasil destina à cooperação internacional Sul-Sul quase dobrou em cinco anos, foi de R$ 384 milhões, em 2005, para R$ 724 milhões. Em 2009. O investimento total do período chega a R$ 2,9 bilhões

2. Numa segunda etapa, o IPEA verificará a cooperação realizada pelo Brasil por meio de governos estaduais e municipais e de Organizações Não Governamentais. A Estimativa é que o total de investimentos sociais não-reembolsáveis do país no exterior já alcance os US$5 Bilhões.

3. Este valor exclui os recursos aplicados em operações de paz, como as do Haiti. Nesta categoria foram quase R$7000 milhões em 5 anos.

4. Quase 75% do valor da cooperação são destinados por meio de organismos internacionais. A estratégia brasileira tem sido definir os sócios, os projetos e entregá-los à gestão destes organismos.

5. O valor aplicado pelo Brasil ainda é bem inferior a países emergentes (Turquia, Coréia do Sul, China e Índia). Mas, concentra-se em “soft help”, ie, ajuda em tecnologia apropriada e construção local de capacidade. Daí, os defensores dizerem que o valor pode ser baixo, mas que aporta mais impacto do que a ajuda tradicional baseada em doações e infra-estrutura. Enquanto o padrão de ajuda são pacotes fechados, o governo brasileiro defende que sua cooperação pelas demandas recebidas e pela construção de projetos com intensa participação dos países beneficiados - e sempre que possível de suas sociedades civis - tanto na definição das prioridades, metas e estratégias, como na implementação das ações e avaliação dos resultados.

6. A cooperação brasileira Sul-Sul envolve cerca de 120 instituições brasileiras e parcerias com quase 70 países. Os que mais recebem ajuda são os que falam nossa língua (27%) e os da América Latina e Caribe (40%), só o MERCOSUL fica com 15%. A África recebe quase 50%dos recursos e Ásia e Oriente Médio, 11%. Os países que recebem maiores investimentos são Moçambique, Timor Leste, Guiné Bissau, Haiti, Cabo Verde e Paraguai.

Na minha vez de falar, lembrei da frase de minha tia: "Cabelo bonito também dá piolho". E fui cumprir minha função, fazer as perguntas chatas.

1. Quem avalia as missões de paz? Metade das 26 Missões de Paz das quais o país participou desde 1957 concentram-se nos cinco anos analisados pelo estudo. O Brasil investiu nessas operações, realizadas em 13 países, R$ 613,6 milhões. Embora tenha sido criado um Centro para coordenar estes esforços, ainda não há avaliações brasileiras independentes sobre esta eficácia. As que existem são de ONGs estrangeiras e pouco ou nada reverberaram por aqui. Mesmo os EUA que não são nenhum exemplo de Democracia, criaram mecanismos de transparência e avaliação independente destas missões. O Congresso não consegue cumprir sua função neste sentido. E a Comissão de RE de ambas as casas, a despeito de algumas visitas, nunca conseguiu mudar nada na linha destas missões. As poucas ONGs brasileiras que se aproximam das missões, fazem-no mais no caráter de sócios do que de críticos.

2. Quem fiscaliza os organismos internacionais executores? A política brasileira de agir por meio de sócios e em projetos de cooperação triangular reforça o sistema internacional de cooperação e reduz os gastos próprios com gestão de projetos. Lindo. Mas, o país continua sem participar das comissões de avaliação de desempenho destes mesmos organismos. Diferentemente dos grandes doadores, o Brasil: a) não ocupa sua cota de consultores de avaliação nestes órgãos; b) não desenvolve suas próprias plataformas de indicadores para serem medidos; c) nunca rejeitou um relatório de execução (a média de rejeição é de quase 30%) e; d) continua passando recursos a organismos que estão com atraso de mais de 2 anos em prestação de contas.

3. Toda a avaliação brasileira de investimento baseia-se em contabilidade simples de hora-técnico + diárias, mas não tem nenhum vínculo com impactos. Nas palavras de João Bezerra (para minha sorte, eu não fui o único chato convidado): ”É patente a deficiência de indicadores para a avaliação da qualidade das modalidades adotadas na cooperação para o desenvolvimento e uma simultânea adequação dos procedimentos em uso. O levantamento dos recursos investidos não expressa eficiência das ações e não possibilitam aos governos uma maior clareza da situação, permitindo-lhe planejar de forma mais eficaz o direcionamento das políticas públicas a partir de indicadores confiáveis e atualizados”.

Mesmo um chato fica feliz com o avanço do país na área. Isto mostra um despertar para sua responsabilidade, políticas de orientação moral e não apenas econômica, etc. Mas, Cooperação Internacional é investimento. Daí, para estabelecer a Taxa de Retorno é necessário estabelecer e medir os parâmetros. Em outras palavras, melhor passar o pente fino agora do que coçar a cabeça depois. Palavra de chato

quinta-feira, 9 de junho de 2011

DESIGUALDADE NO BRASIL E O BOTAFOGO


Até final da década passada, dois assuntos pareciam imutáveis desde a década de 60: a desigualdade brasileira e o azar do Botafogo (do meu amigo Cesar Calonio, UFRPE).

Olhar então o gráfico de evolução anual da linha de desigualdade (GINI) no Brasil era ideal para pessoas com insônia. Parecia um gráfico de paciente terminal, “flat”. Mas, desde 1999 a linha reviveu. E poucos estudaram tanto este comportamento século XXI da desigualdade brasileira quanto Marcelo Neri. Corre a piada na GV, de que Neri é brilhante, mas tem um defeito grave: ele sabe disto rsrsrs.

Tirando a sessão fofoca, Neri vem demonstrando há anos que a primeira década do século 21 mostra uma redução impressionante nos índices de desigualdade. E neste período se concentra o último estudo de Neri e equipe CPS: Desigualdade de Renda.

A desigualdade de renda “evolui tanto” tanto que chegamos aos mesmos níveis dos anos 70. Sim. O país quase conseguiu apagar da linha de GINI os anos de hiper inflação. Nada foi mais desastroso para a desigualdade brasileira do que a inflação. Ou você achava que o BC sobre juros para alegrar bancos e rentistas? Não. O objetivo é reduzir a desigualdade kkkk. 

As tendências identificadas no estudo apontam para que o Brasil tenha em 2014 o menor nível GINI da série, que começou a ser medida na década de 60. Em outras palavras, você terá algo para comemorar em 2014, já que a seleção...

Antes de você estourar a champagne, se compararmos o Brasil com seus “pares de PIB”, ele continua o país com maior concentração de renda. Por sinal, um tipo de indicador que deve ser comparado somente entre países industrializados porque o GINI calculado por consumo (aplicado em 3 de cada 4 países de baixo IDH) é de outra natureza.

Da sopa de letrinhas do IBGE, poucos entendem de PME e PNAD como Neri (como homem não resiste à fofoca: o nome do Centro de Políticas Sociais, da FGV, foi escolhido por ele para ter a sigla CPS, a “PNAD” americana). O estudo propõe uma “espécie de metodologia Lego”, ao pegar peças distintas  (todas da PME+PNAD) e encaixá-las.

Ao revisar os dados destas duas pesquisas, e trabalhar fortemente com os n;umeros de 2008 e 2009, o estudo reforça duas conclusões importantes:

1. A Pobreza, medida pela combinação PNAD/PME caiu:

- 31,9% da “Era FHC”: incorporando o Real e descontando o imposto inflacionário.

- 50,64% na “Era Lula”: 2003-2010.

- 16.3% somente entre Dez 2009-Dez 2010.

- 67.3% desde o Real até Dez 2010. O que falta reduzir é o “terço” mais difícil, o núcleo duro da pobreza, aquele que não cede com as atuais políticas.


2. A redução da desigualdade no Brasil foi considerável e continua:

A. Causas da Redução:
- Maiormente, ao avanço no emprego (na pesquisa, “esforço trabalho” = jornada,  taxas de participação e ocupação).
- Há outros 3 determinantes na redução da desigualdade de renda: Programas Sociais (~1/3 do impacto); Bônus Educacional (+ estudo, + renda); e Educação.

B. A redução da desigualdade mostra uma intensificação nos últimos anos da década (impacto residual positivo) o que melhora as perspectivas até 2014 (mesmo com a seleção de volantes rsrsrs).

Como todo lego, há outras maneiras de montar os dados que Neri usa. Pode-se argumentar que ele está muito enfocado no todo e não percebe os problemas “dentro” do grupo de pobres que revela, por exemplo, estagnação de um grupo de quase 15% da população. Mas, isto não tira a precisão da macro-visão da pesquisa.

Dos temas sem esperança, a desigualdade parece que tem jeito, já o azar do Botafogo... rsrsrs

Vá ao site do CPS e veja a pesquisa toda:


quarta-feira, 1 de junho de 2011

QUANTO VALE A AMAZÔNIA?


Quando se trata da Amazônia Legal, o tema cobertura vegetal aparece, via de regra, como a principal preocupação. Mas o patrimônio ambiental dessa extensa parcela do território brasileiro vai além da floresta e outros tipos de vegetação. Inclui, por exemplo, um subsolo formado por rochas com alto potencial de armazenamento e transferência de água potável e um solo com um estoque considerável de carbono, que, se liberado para a atmosfera, pode alterar o balanço dos gases de efeito estufa.

E quanto vale este patrimônio? Pergunta difícil. De diversas respostas “corretas”. Mas, necessária. O IBGE publicou o estudo: “Geoestatísticas de Recursos Naturais da Amazônia Legal” (IBGE. 2011), com informações sobre os recursos naturais da região - vegetação e cobertura da terra; relevo; solos; e rochas e recursos minerais que pode ajudar a responder a esta pergunta.

A Amazônia Legal ocupa 5.016.136,3 km2 (quase 59% do território brasileiro). Nela vivem em torno de 24 milhões de pessoas, em 775 municípios (AC, AP, AM, MT, PA,RD, RR, 98% de TO, 79% do MA, 0,8% de GO). Além de conter 20% do bioma cerrado, a região abriga todo o bioma Amazônia, o mais extenso dos biomas brasileiros, que corresponde a 1/3 das florestas tropicais úmidas do planeta, detém a mais elevada biodiversidade, o maior banco genético e 1/5 da disponibilidade mundial de água potável.

O estudo investigou 14 indicadores (potencial hídrico, ~ 45% de toda a água subterrânea do país está na região; combustíveis fósseis; e da formação de concentrações de minérios e outros). O conjunto de informações é pertinente não só pelo que informa, mas pelo que ignora. Em épocas de grandes projetos de impacto ambiental amplo, mudanças em modelos de produção agrícolas, marcos legais, etc. O estudo ajuda a conhecer um pouco mais de um sistema pouco conhecido. De tão pouco conhecido, o risco de grandes intervenções torna-se maior. Quando não entendemos, temos que ser cautelosos. Algo que os homens já deveriam ter aprendido com a experiência com as mulheres rsrsrs.

O custo do Patrimônio Natural amazônico pode ser calculado sob várias perspectivas, que podemos simplificar em 3:

1. Valor dos bens naturais aplicados imediatamente no mercado. O tipo de cálculo que fazem os madeireiros e mineradores na região. Se vale, venda. Neste critério, as estimativas de valor vão de USD 82 trilhões a 400 trilhões Como eles calculam isto? preços de mercado dos bens disponíveis.

2. Valor de manter reservas de recursos finitos que tem potencial exponencial de aumento de valor. Guardar para vender, mais caro, depois. Neste critério, a Amazônia poderia gerar até USD 2 Quatrilhões em vendas mitigadas pelos próximos 50 anos.

Estas duas perspectivas tratam do valor como referenciado ao potencial de compra/venda, ie, pelo mercado. Outra perspectivas seria:
3. Valor de manter recursos, utilizando-os em níveis bem baixos, para não gerar impactos negativos em clima e nos demais ecossistemas. Guardar para não vender. Neste caso, o valor da Amazônia está em sua capacidade de mitigar efeitos negativos das mudanças climáticas. O PNUMA calcula que neste caso, a preservação da maior parte deste bioma evitaria perdas de estimadas em USD 50 trilhões, fora o custo em vidas.

 
Não só a opção #3, toda escolha de uso de recursos da Amazônia passa pelo custo de oportunidade. Não utilizar recursos da região (por exemplo, seu potencial hídrico para geração de energia) representaria ter que usar de outras fontes (petróleo, por exemplo), não ampliar a oferta de energia para a região, ter menos empregos na área, etc. Por outro lado, utilizar dos mesmos recursos significa reduzir a capacidade futura de exploração, impactar (possivelmente) o clima, etc. Cada ação, ou falta de ação tem um custo que precisa ser combinado com o preço do estoque natural.

Por último, mas primeiramente também há 24 milhões de pessoas que vivem na região e em condições dentre as piores do país. A região apresenta alguns dos piores índices nacionais de: Mortalidade infantil, desnutrição, subregistro civil, escolaridade, igualdade entre gêneros, etc. O custo de um modelo de exploração de riquezas precisa tomar em conta o preço social para o desenvolvimento desta população.

Muito se fala de uso sustentável. No powerpoint é tudo muito bonito. É possível produzir sem agredir a natureza, etc... No mundo real, não existe exploração não-subdisiada, em escala suficiente para manter a população local, sem impacto no estoque ambiental. É possível minimizar, adminstrar este impacto. Mas, ele é inevitável. Não se trata de uma equação E/OU, é OU/OU mesmo.  Não explorar a região agora, tem um custo de subsídio (para manutenção das condições sócio-economicas das populações da área) que deve ser pago pelo restante da sociedade. Explorar tem o custo da redução de estoques e no impacto (danoso) no restante das condições de sustentabilidade. O complexo politicamente é que alguns custos são presentes e facilmente identificados, outros são potenciais e difusos. As decisões tendem a se basear na análise dos custos imediatos e óbvios.



Em resumo, os dados do IBGE ajudam a perceber que há uma conta a ser feita, antes de ligar ou mesmo desligar os motosserras.

O Estudo todo está em: