quinta-feira, 27 de março de 2014

CUIDADO: OS GRÁFICOS A SEGUIR PROVOCAM ASSASSINATOS, ESTUPROS, SEGREGAÇÃO, ETC.




Gráficos abomináveis,  que mostram que a violência contra mulheres (e homossexuais) é a manifestação tópica de preconceitos e conceitos dos mais distorcidos, inumanos.
Pesquisa IPEA de Percepçao Social, entrevistou 3810 pessoas, em uma amostragem com menor margem de erro que das principais enquetes de intenção de voto.
É ver, horrorizar-se e pensar: Como mudar isto?

O estudo todo














quarta-feira, 5 de março de 2014

As Notícias da Morte do Movimento Popular são um pouco Exageradas



Ciência é demolidora de consensos. Boa ciência serve para desdizer o que o senso comum, a timeline do facebook e a torcida do flamengo pensam ser verdade. E ciência da boa tem feito o mexicano abrasileirado, Gurza Lavalle (CEM, FFLCH-USP), brilhante herdeiro do tema de participação e movimentos sociais, na minha querida FFLCH.


Nos últimos 30 anos, os movimentos sociais, principalmente os da América Latina, foram muito estudados. Geralmente são identificados como atores essenciais nos processos de democratização. Seu desenvolvimento posterior à volta das eleições no continente, também é visto como uma evidência (causa ou reflexo, dependendo do analista) de uma suposta decadência democrática ou de uma “pós-democratização”, na qual a ação política se tornaria somente instrumental, neo-clientelista ou de "consumismo de bens públicos".

E 5 de cada 4 pesquisadores :-), parece identificar que, a partir dos anos 1990, houve uma mudança da sociedade civil e que ela se deu de forma substitutiva – isto é, com certos tipos de atores tomando o lugar de outros. Isso teria culminado, a partir de meados dos 90, numa preponderância das organizações não governamentais (ONGs), deslocamento que ficou conhecido como “onguização” dos movimentos sociais.

Associados à "Onguização", a maioria dos analistas identifica uma decadência (mais forte neste século) na capacidade de articulação e protagonismo politico dos movimentos. Tornou-se comum um “blues” de quando os movimentos populares eram ativos e fortes. Igual aos rubro-negros saudosos do time de Zico-Júnior :-) A tônica comum nas análises segue o consenso de que os movimentos populares, formados pelos próprios interessados nas demandas de mudança, teriam cedido espaço para organizações que também defendem mudanças, mas em nome de grupos que não são seus membros constituintes (Advocacy, na terminologia das ciências sociais). Essas ações supostamente teriam gerado uma despolitização da sociedade civil.

A pesquisa de Lavalle e equipe desmentem a tese da "Onguização".  Ele não entra no debate do que é ONG (este nome genérico, quase uma ficção linguística que coloca no mesmo saco gatos tão distintos quanto o Hospital Albert Einstein, o Asilo  Kardecista, a Consultoria disfarçada de ONG e a Associação dos Colecionadores de Carrinhos de Rolimã). Porém empresta da literatura tradicional a ideia da evolução dos atores sociais em  ondas distintas.  A 1ª onda seria a das organizações tradicionais, como as entidades assistenciais ou as associações de bairro (criadas em razão de demandas sociais de segmentos amplos da população, maiormente durante a vigência da ditadura). A 2ª onda, na qual as costumam ser agrupadas as organizações denominadas de ONGs e que, por sua vez deram origem às entidades articuladoras, aquelas que trabalham para outras organizações, e não para indivíduos, segmentos da população ou movimentos localizados).

A pesquisa utiliza como aproximação aos “movimentos sociais” são organizações populares, “entidades cuja estratégia de atuação distintiva é a mobilização popular”, como o Movimento de Moradia do Centro, a Unificação de Lutas de Cortiços e, numa escala bem maior, o Movimento dos Sem-Terra. Estas, na rede, estão em pé de igualdade com as ONGs e as articuladoras. Numa posição de “centralidade intermediária” estão as pastorais, os fóruns e as associações assistenciais. Finalmente, em condição periférica, estão organizações de corte tradicional, como as associações de bairro e comunitárias.

Em grande parte, a novidade da pesquisa se deve à aplicação de novas ferramentas, baseadas na análise de redes. A "Network Analysis" uma abordagem usada amplamente em Ecologia, Epidemiologia e Linguística. Ela detecta padrões de difusão, permite identificar estruturas indiretas e conexões. Assim, Lavalle e equipe começaram a superar as visões baseadas em abstrações ou em modelos teóricos mais ortodoxos do que o sistema de defesa de técnico gaúcho..

O método usado pela equipe para verificar a estrutura de vínculos entre as organizações foi o "bola de neve". Neste, cada entidade foi chamada a citar cinco outras organizações importantes no andamento do trabalho da entidade entrevistada. Adicionou-se a esta lista declaratória, as relações institucionais e financeiras.  Na cidade de São Paulo foram ouvidos representantes de 202 associações civis (as do tipo da primeira onda, excluindo portanto as "ONG's"), que geraram um total de 827 atores diferentes, 1.368 vínculos e 549.081 relações potenciais.

Quando analisadas as conexões, foi possível avaliar a influência das associações, tanto na sociedade civil quanto em relação a outros atores sociais e políticos. Esse resultado foi obtido por um conjunto de medidas que computam os vínculos no interior da rede, não só aqueles diretos ou de vizinhança, mas, sobretudo, aqueles indiretos ou entre uma organização e os vínculos de outra organização com a qual a primeira interage e aos quais não tem acesso direto. Assim, foi possível investigar as posições objetivas dos atores dentro das redes, assim como as estruturas de vínculos que condensam e condicionam as lógicas de sua atuação.

Essa rede permitiu identificar  as conexões políticas das associações. A sociedade civil se modernizou, diversificou-se e se especializou funcionalmente, tornando as ecologias organizacionais da região mais complexas, sem que essa complexidade implique a substituição de um tipo de ator por outro.  Em uma análise comparativa as Associações civis são mais conectadas do que as chamadas "ONG's".  vitalidade dos movimentos sociais, semelhante à das ONGs. As associações civis, formadas pelos próprios interessados, mostram conexões ativas tanto com atores públicos-governamentais/não-governamentais e privados. 

Assim, os estudos de Lavalle  contradizem a tese senso comum da “onguização”. Parafraseando Mark Twain, ao escrever a um jornal que havia noticiado sua morte: As Notícias da Morte do Movimento Popular são um pouco Exageradas :-) Todos os dados obtidos contrariam diagnósticos dos "viúvos dos anos 80", que insistiam de que a sociedade civil atual seria formada de organizações orientadas principalmente para a prestação de serviços e a trabalhar com assuntos públicos de modo desenraizado ou pouco voltado para a população de baixa renda.

Lavalle conclui que “as organizações civis passaram a desempenhar novas funções de intermediação, ora em instituições participativas como representantes de determinados grupos, ora gerindo uma parte da política, ora como receptoras de recursos públicos para a execução de projetos”. Absorver novos papeis não representou a perda dos anteriores, mas a sua transmutação. Assim, “as redes de organizações civis examinadas são produto de bolas de neve iniciadas em áreas populares da cidade e por isso nos informam a respeito da capacidade de intermediação das organizações civis em relação a esses grupos sociais..”

Outros estudos confirmam as conclusões deste trabalho, como os de Paulo Velho (UFES) e Lígia Lüchmann (UFSC) para quem “a sociedade civil é hoje funcionalmente mais diversificada do que costumava ser, com atores tradicionais coexistindo com os novos”. Assim, estudos como o de Lavalle vêm corroborar a ideia de que tendências mais visíveis não podem ser tomadas como hegemônicas e de que a sociedade tende a ser muitas coisas ao mesmo tempo. As classificações lineares ou evolucionistas servem para dar tranquilidade intelectual, ideia de controle e entendimento; mas não se verificam no tecido social. Para fora das portas da Universidade, o mundo segue extrapolando a teoria. 

Ao assumir a heterogeneidade e complexidade das organizações civis, há implicações não só para a análise, mas para a ação política e pública. Por exemplo, em relação à regulação sobre o terceiro setor. A heterogeneidade demanda um marco de análise menos engessado e, em tempos de definição do Marco Civil, pede leis menos restritivas, que não pretendam uniformizar; mas se concentrem em oferecer segurança jurídica.

Afinal,  já está cientificamente provado que a torcida do Flamengo está errada :-); logo a realidade não segue a opinião da maioria. Não concorda? Consulte sua timeline... :-)


Para ir além
  1. GURZA LAVALLE, A. e Bueno, N. S. Waves of change within civil society in Latin America: Mexico City and Sao Paulo. Politics & Society. v. 39, p. 415-50, 2011
  2. Mobilidade dos Movimentos Sociais, FAPESP, Fev 2014. MFerrari