quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A SITUAÇÃO ESTÁ BRANCA



“A carne mais barata do mercado é a carne negra”

O IPEA apresentou hoje dados que fazem que os (poucos, espero) que ainda insistem de que não há racismo no Brasil e, no máximo, discriminações por condição social fiquem com menos argumentos ainda.
Alguns dados do Estudo (feito com base nos dados do Censo 2010, PNAD e da Pesquisa Nacional de Vitimização) apontam não só para as mortes, mas para o que os autores chamam de manifestações do “Racismo Institucional” (fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor):

  1. A probabilidade de o negro ser vítima de homicídio é 8 pontos percentuais maior, mesmo quando se compara indivíduos com escolaridade e características socioeconômicas semelhantes.
  2. A cada 3 assassinatos, 2 são de negros.
  3.  O negro é discriminado 2 vezes: pela condição social e por sua cor da pele;
  4. Enquanto o homem negro perde 1,73 ano de expectativa de vida ao nascer, a perda do branco é de 0,71 ano.
  5. Somando-se a população residente nos 226 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, calcula-se que a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos.
  6.  6,5% dos negros que sofreram uma agressão no ano anterior à coleta dos dados pelo IBGE, em 2010, tiveram como agressores policiais ou seguranças privados (que muitas vezes são policiais trabalhando nos horários de folga), contra 3,7% dos brancos.
  7.  + de 60% das vítimas negras não procuraram a polícia porque nela não confiam, contra 39% das vítimas brancas.

“Um dos componentes mais claros do racismo institucional  das polícias é naturalizar a relação entre pobreza e criminalidade, tomando incoerentemente a cor da pele como seu indicador visível. O resultado mais contundente deste tipo de atitude é que a taxa
de homicídios de jovens negros no Brasil, com a qual as próprias polícias contribuem de forma significativa, é bem superior às taxas de mortes de jovens de países em guerra”
As diferenças de escolaridade e renda entre brancos e negros diminuiu sem mostrar melhorias em outras dimensões. A situação segue “Branca”, isto é, sem mudança significativa.

O Estudo, parte do BAP, pode ser encontrado em:




sexta-feira, 11 de outubro de 2013

FELIZ DIA DO NADA


Tem dia de tudo o que precisamos de um dia para lembrar de que se esquece nos outros 364/365. Daí não precisar de "Dia do homem branco hétero de classe média". Todo dia já é dia do hegemônico.

Amanhã é Dia da Crianças (na definição da ONU, 0-17 aa). Hoje, Dia Internacional da Menina. Infelizmente precisamos destes dias.

É bom dar brinquedos no dia das crianças. Pena que a sociedade dá outros presentes de grego no restante do ano:
  • Crianças, nos Brasil,  são ainda 2 vezes mais pobres do que adultos (eram 4 xs há 15 anos). - - São 3,1 vezes mais vítimas da violência doméstica. 4.4 vezes mais vitimizadas a violência armada.
  • Há 6 vezes mais juízes do trabalho (para cuidar de 32% da população  do que de varas dedicadas à infância (41% da pop.). Crianças são condenadas à prisão (ou vc acredita que a Fundação Casa aplica medida sócio-educativa?) por até 3 anos sem direito a advogado e processo legal.
  • crianças recebem proporcionalmente menos da metade do investimento em saúde (41%)do que adultos.
  • de cada R$10,00 de incentivo para a cultura, apenas 0,61 são aplicados para atividades gratuitas dirigidas à crianças.


Eu poderia seguir esta lista até o dia 12/10/2014. Mas, acho que vc já pegou a ideia: a sociedade brasileira, o Estado, você, eu, o cara na mesa ao lado discriminamos as crianças, e as tratamos como semi-cidadãs (se é que existe isto). Em diferentes proporções, esta segregação é verificada em praticamente todos os países do mundo.

Coloque estes dados aí de cima entre parêntesis e multiplique pelo fator MACHISMO. 

Meninas sofrem ainda mais do que os meninos.

Mesmo que no Brasil não haja a terrível brecha de escolarização básica de outros países (320 milhões de meninas são proibidas de irem à escola, em todo mundo!), nem a institucionalização do casamento forçado, a dívida com as meninas existe por aqui tb. Ela se revela em proporções várias:
  • a precariedade do atendimento especializado em saúde.Alias, as políticas públicas raramente são desenhadas para as atender as condições específicas das meninas.
  • com exceção da violência armada, meninas são as maiores vítimas de Todos os demais tipos de violência,inclusive as mais sofisticadas e de difícil registro.
  • 47 em cada 100 vítimas de crimes de natureza sexuais são meninas (4 são homens adultos).
  • mesmo tendo mais escolarização do que os meninos, No futuro, esperam pelas meninas Salários mais baixos para as mesmas funções. E Proporção menor de acesso às carreiras mais valorizadas.

Mas estas não são as única vulnerabilidade  a qual estão expostas às meninas. É que os piores crimes de uma sociedade são os mais escondidos e portanto  mais difíceis de colocar em um gráfico de pizza. Quando chegam às estatísticas, já é tarde. É "desde menino que entortamos o pepino" do sexismo e suas manifestações socioeconômicas culturais, religiosas e diversos eticéteras.

" Pelos seus números vos conhecereis". E os números brasileiros (os mundiais tb) mostram que crianças e, em proporção cumulativa, ainda mais as meninas sofrem de um não oficializado apartheid.

E de tão banal a discriminação, acabamos por acha-la natural. Não é.

De tão beneficiados como grupo dominante que somos, nós adultos racionalizamos. Relativizamos. Fugimos da realidade. Poderia dizer que negar a realidade é um comportamento "infantil". Mas, seria injusto com as crianças. Infantil é algo que nossa sociedade deveria ser e não é.

Pensamos que "a infância passa". Mas, não passa, fica nas estruturas. Uma sociedade que trata desigualmente às suas crianças, perpetua a injustiça, embrenha a desigualdade, reduz suas possibilidades de transformação positiva. Tratar desigualmente as crianças (e ainda mais desigualmente as meninas) é cavar, com seus próprios pés, o abismo social.

Ao invés de nos transformarmos pelas crianças (sermos "como crianças"), transformamos as  crianças em grupo explorado, garantimos a perpetuação do ciclo de injustiça.

Leis para beneficiar idosos todo mundo acha bonitinho. Beneficiar Criança para que? Se elas sobreviverem e chegarem a ser idosos, a gente protege.  O discurso fácil diz que é possível incluir sem mexer nos seus privilégios, sem dividir a conta. Não é. 

Tratar as crianças (e as meninas) com justiça representará quebrar os privilégios adultos/machistas. Mas, quem abre mão de privilégios? O conceito de Direito Adquirido (principal argumento dos proprietários de escravos no Brasil  quando criticavam a proposta de Abolição) nos faz ignorar que não há Direito na Injustiça. 

"Mudar tudo o que está por aí" não se fará por compartilhamento nem curtidas de Facebook. Nem por passeata pós-modernas. A única subversão capaz desta tarefa  é Tratar com justiça as crianças. 

Justiça para Crianças, inclusive TODAS as meninas, implica em aplicar prioritariamente o orçamento público a elas. Criar e fazer cumprir leis que as protejam e respeitem a especificidade. Valorizar, privilegiar, sobrepor o interesse da criança ao nosso. Tornar-se intolerante com a desigualdade e o preconceito. Ouvir as crianças e dialogar com elas. 

Parafraseando o slogan de minha presidenta: "Sociedade desenvolvida é Sociedade que não  precisa de Dia das crianças nem de Dia das Meninas"

Como o texto ficou sombrio demais, melhor terminar com algo tipo:

Por um Feliz Dia das Crianças...

Melhor, por um dia em que a gente possa desejar FELIZ DIA DO NADA