quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ADÃO & EVA NO "OCCUPY BRASILÍA"


Desde que Adão e Eva foram inquiridos, a resposta mais comum a qualquer questionamento é: o culpado é o outro, ou a outra. O movimento “Occupy Brasília” não é diferente. Baseado em uma bandeira muito nobre: 10% de investimento do PIB, o dízimo em educação, o movimento acampou na capital federal com o mote que a culpa é dos outros.

Mesmo que particularmente prefira pegar em armas a acampar (na adolescência, tive uma overdose de acampamento mosquitos, odores nauseantes, calor e miojo:), eu apóio a idéia de melhorar a educação. Mas, os bem intencionados acampantes de Brasília estão profundamente equivocados no alvo: tanto no valor, quanto na abordagem.

O erro do valor é que:

1. O Investimento público direto, nos 3 níveis, já é superior a este patamar: 11,8%; se consideramos o PIB que o Estado administra (em torno de 34% do total).

2. No investimento privado, 89% da população brasileira já investe mais do que 10% em educação. As classes C e D chegam a investir quase ¼ de sua renda neste item.

3. 11% da população (renda familiar per capita superior a R$1650,00/mês) investe menos de 10% em educação. O 1% mais rico do Brasil investe menos de 1.5% em educação, contra 6.5% de investimento da mesma elite nos EUA, por exemplo. Em países como EUA, Canadá, UK e França, a classe média faz investimentos complementares na escola pública, até quando não dela se beneficia.

4. Além dos 11,8% de investimento público direto, o Estado também subsidia a educação das classes não-pobres através de:

       a. Renúncia fiscal do Imposto de Renda: 2.1 Bilhões/Ano (estimativa cruzada porque a receita não libera este dado). Enquanto o Estado subsidia até R$1400,00/ano por dependente/contribuinte de classe média, investe R$780,00 em crianças (pobres em sua maioria) do ensino fundamental público.

      b. O investimento direto feito na educação é acrescido de isenção/elisão fiscal para o setor educacional privado, via CNAS e privilégios fiscais (não condicionados a nenhuma contrapartida). Este total chega a R$4,5 Bilhões/ano, segundo estimativas de Linz Perdo (UNICAMP). A indústria da educação paga em média 26% a menos de impostos que outras e 14% menos de impostos do que a Agricultura.

    c. Através de mecanismos de incentivo (como o sistema S, os militares e outros menores), ainda 1,4 Bilhão é destinado à Educação.

O equívoco na abordagem é brigar por um valor do PIB é desprezar um fator ainda mais importante do que o montante: a eficiência e focalização do investimento. O Brasil não investe pouco. Se somarmos os investimentos Investe em poucos e de maneira não eficiente.


1. O investimento no aluno de ensino superior chega a 400% mais do que no de ensino fundamental. A média mundial é de 150% a mais.

2. Quase 6 milhões de crianças de 3-5 anos (educação pré-escolar) divide um investimento total inferior a 20% do realizado para pouco mais de 850mil alunos das universidades públicas.

3. Para cada 3 professores, a educação pública paga um funcionário administrativo. A média dos países desenvolvidos é de 1 administrativo para cada 12 professores.

4. Todo mundo diz que professor ganha pouco. Um dos motivos é que os que estão trabalhando na educação dividem a renda com os que não estão. Só uma correção para parâmetros internacionais já representaria quase 40% de aumento real para os professores.

5. Não há mecanismos efetivos de avaliação e punição a professores ruins. O governo de SP tem um curioso caso, onde não conseguiu demitir um professor, condenado em última estância por espancar um aluno. Não há registro, segundo a Federação Nacional dos Trabalhadores na Educação, de um professor estável sequer que tenha perdido o emprego por não ensinar bem.

6. Das 27 unidades federativas, 19 têm mecanismos de participação popular na gestão educacional. Mas, segundo levantamento do Movimento todos pela Educação, estes mecanismos têm baixíssima participação da população em mais de 80% dos casos. Segundo levantamento, o 2º. principal motivo é desinteresse.


Assim, se eu fosse sugerir uma pauta ao “Occupy Brasilia” quanto à Educação, ela seria:


1. Fiscal:
a. Abolir toda isenção fiscal para educação dada às classes média e alta.
b. Tratar o setor Educacional privado com os mesmos impostos dos demais (isto afetaria as mensalidades privadas, com certeza).
c. Já somaríamos 6.6 Bilhões/ano.


2. Política
a. Redução dos gastos não educacionais na educação.
b. Avaliação pública de escolas e professores com fim da estabilidade para professores ineficientes.
c. Focalização dos investimentos públicos nos pobres.
d. Maior envolvimento e investimento da população nas questões educacionais, através dos conselhos e mecanismos.


Assim, ao invés de “Occupy Brasília”, o movimento terminaria sendo: Occupy Shopping Iguatemi e Occupy Sindicato dos Professores kkk 

Mas, seria difícil isto ser aceito porque em uma coisa Direita e Esquerda; Ricos & Pobres; Adão & Eva concordam: a culpa é do outro.


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Dados: 1)Censo Educacional, IBGE 2010. 2) Participação & Educação: Todos Pela Educação. 2) TD 137, IPEA. 3)Radar Investimento Publico, UNICAMP, 2011.



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terça-feira, 22 de novembro de 2011

A VERDADEIRA CRISE?

Como me revelou e, a cda encontro nosso,  meu sobrinho Pedro me lembra: Sou chato.E chatos, como eu, sempre têm um “porém” a respeito de tudo, respondem até um "como vai?". E, se perguntados: "tudo bem?", saem com um: "Defina tudo". Mas, neste texto do Vladmir conterei minha chatice. Ele, sucintamente, questiona um ponto raro no debate atual: a inconsistência entre a promessa de realização individual (e individualista) X o bem comum. Em um mundo onde todo mundo acha que tem o direito de ser feliz (de preferência da sua maneira, sem dar satisfaçoes ou se limitar); todos (ou a imensa maioria, os 99% ao menos) terminarão infelizes. A idéia de que existe um indivíduo que vem antes do grupo é o tema que nos lembra Vladmir. E pode estar no cerne dos conflitos atuais, pelo menos nos conflitos "ocidentais". Bem isto já é um porém. Chato não se redime:-)






A verdadeira crise (VLADIMIR SAFATLE)

 

E se, para além da crise econômica, política e ambiental que parece atualmente ser um fantasma a assombrar as sociedades capitalistas, outra crise estivesse à espreita?

Uma crise ainda mais brutal, dotada da força de abalar os fundamentos da normatividade existente. Lembremos como Max Weber mostrou que o advento do capitalismo trazia, necessariamente, a constituição de uma forma de vida marcada por um modo específico de relação aos desejos e ao trabalho.

Tal forma de vida, cuja face mais visível era a ética protestante do trabalho, baseava-se em um modo de articular autonomia como autogoverno, unidade coerente das condutas e da liberdade como capacidade de afastar-se dos impulsos naturais. Ou seja, ela trazia no seu bojo a criação da noção moderna de indivíduo.


Mas, e se estivéssemos hoje às voltas com uma profunda crise psicológica advinda do colapso dessa noção tão central para as sociedades capitalistas modernas?


Uma crise psicológica significa aumento insuportável do sofrimento psíquico devido à desestruturação de nossas categorias de ação e de orientação do desejo.


O sociólogo Alain Ehrenberg havia cunhado uma articulação consistente entre a atual epidemia de depressão e um certo "cansaço de ser si mesmo".


Por sua vez, boa parte dos transtornos psíquicos mais comuns (como os transtornos de personalidade narcísica e de personalidade borderline) são, na verdade, as marcas da impossibilidade dos limites da personalidade individual darem conta de nossas expectativas de experiência.


É possível que, longe de serem meros desvios patológicos, estes sejam alguns exemplos de uma crise em nossos modelos de conduta que crescerá cada vez mais.

Conhecemos um momento histórico no qual uma crise psicológica dessa natureza ocorreu. Momento marcado pela retomada do ceticismo e de um desespero tão bem retratado nos quadros do pintor Hieronymus Bosch.

Ele só foi superado por processos históricos, fundamentais para o aparecimento da individualidade moderna, nomeados, não por acaso, de Renascimento e de Reforma.

Tais palavras nos lembram que algo estava irremediavelmente morto e desgastado. Algo precisava renascer e ser reformado.

Talvez estejamos entrando em uma outra longa era de crise psicológica onde veremos nossos ideais de individualidade e de identidade morrerem ou, ao menos, algo fundamental de tais ideais morrer.

O problema é que, algumas vezes, a morte dura muito tempo. Algumas vezes, precisamos de acontecimentos que ocorrem duas vezes para, enfim, terminarmos de morrer

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

PALMEIRENSES, CORINTIANOS E O FALSO CONSENSO DA EDUCAÇÃO


Há consensos que unem até palmeirenses e corintianos. Um deles é: “A educação gera o desenvolvimento”. Todo mundo parece concordar com isto. Quem já não ouviu de um companheiro involuntário de uma fila, do tio na festa da família, de um taxista, a célebre frase: “este país precisa é de educação”.

Mas, estariam palmeirenses, corintianos e seu tio certos?

É fato que alguns dos países que mais cresceram nas últimas décadas (Coréia do Sul, Malásia e Cingapura) aparecem regularmente no topo das avaliações internacionais do nível de aprendizagem dos estudantes.

Além de palmeirenses e corintianos, as pesquisas apontaram que há três mecanismos principais, que ligam educação ao crescimento:
1) elevação do nível de qualificação da população e, em função disso, da produtividade do trabalho;
2) Aumento da capacidade de inovação;
3) Facilitação da adoção de tecnologias existentes e inovadoras.

Mesmo que repetido, desde antes do Sarney chegar ao poder (sim, muito longinquamente) somente na final do século passado, a relação empírica entre educação e crescimento foi claramente estabelecida. Porém é comum na ciência social aplicada (Economia incluso) que se faz é muito útil para entender o passado. E, quando o entende, talvez ele já tenha mudado.

Em um conhecido estudo publicado dez anos atrás, "Where Has All the Education Gone?", Lant Pritchett mostrou que, apesar de vários indicadores educacionais terem melhorado significativamente nas últimas décadas em vários países da África e da América Latina, o crescimento desses países foi nulo ou mesmo negativo se analisado durante o mesmo período.

Indicadores como taxas de matrícula e número de anos de estudo da população, usualmente identificados como “Educação”, não se refletiam mais nas taxas de crescimento econômico.

As evidências empíricas encontradas por Pritchett foram alçadas à categoria de "paradoxo da educação" por William Easterly em seu livro "The Elusive Quest for Growth", o que motivou uma série de estudos.

O que fazem os cientistas quando uma teoria parece não explicar mais a realidade? O mesmo que os palmeirenses e corintianos. Mudam a realidade, porque deu muito trabalho para elaborar a teoria, já tem uma série de aulas prontas baseadas nelas, além de uns gráficos maneiros animados em PowerPoint.

Assim, a maioria dos que tentam salvar a correlação Educação-Crescimento, isto é, dizer que a mesma lei que governou o período 30-90, ainda se aplica, recorre à explicação da qualidade. Assim, não é a educação, mas sua qualidade que tem um grande impacto no crescimento econômico. Alteram-se os elementos, mas se mantêm a correlação. Este é o argumento fundamental de um recente estudo de Eric Hanushek (Universidade de Stanford: Economic Growth and Performance in Education, Comparative Studies, Oct-11).

Fiz um “test-drive” na teoria do Prof. Hanushek*. Para ele e seus seguidores, qualidade na educação (entendida como êxito nos testes padronizados de matemática e ciências) é responsável por desenvolvimento econômico (medido como crescimento de PIB). Nem vou entrar na discussão se os parâmetros para Qualidade Educacional (êxito em testes) e Desenvolvimento (crescimento econômico) são válidos. Brinquei com as regras colocadas pelo estudo. Apliquei um modelo regressivo de parâmetros móveis (Albuquerque & Rochmann Progressive Variable Proxy; Econometrics Applied Development ,Yale Press; 2006) a todos os países da OECDE+ China-India+ Africa do Sul + Brasil+America Latina (sem Brasil e México já incluídos nas listas anteriores). Coloquei o crescimento econômico, atribuído por Hanushek à qualidade da educação em teste com outras variáveis (taxas de juros, ganho cambial, crescimento econômico na Zona do Euro + EUA; Evolução do índice GINI). Utilize-me do mesmo período de “delay” entre educação e crescimento que Hanushek, isto é, que as taxas de educação demorariam de 5-10 anos para “fazer efeito” na economia.

Algumas conclusões:

1. Com exceção da Coréia do Sul, em NENHUM PAÍS PODEMOS ATRIBUIR O CRESCIMENTO AOS RESULTADOS EDUCACIONAIS.

2.  E mesmo na única exceção, a Coréia do Sul, o ciclo parece ter estagnado. O ganho educacional perdeu força desde 2007, isto é, a melhoria nas taxas dos testes influencia pouco as taxas de crescimento.

3. De todos os indicadores pesquisados os que parecem ter mais correlação com crescimento econômico são: taxas de juros e balança comercial. Noutras palavras, juros influenciam mais o crescimento econômico do que o desempenho educacional.

4. Uma correlação existente, mas fraca, mostra que o desempenho educacional melhora depois (média de 3 anos) do crescimento econômico e não o contrário.

As conclusões poderiam estimular a troca da teoria porque não há mais consistência de correlação entre Educação (seja qualidade) e Crescimento Econômico. Isto tinha sido apontado em alguns estudos ignorados que mostram que: A Educação (seja medida como acesso ou mesmo como qualidade) impactou fortemente o crescimento econômico em sistemas econômicos internacionais mais desiguais, fechados, com baixo compartilhamento e mobilidade de tecnologia; e propriedade intelectual tradicional.

Mas, como já disse Dorothy a Totó, “We are not in Kansas, anymore”. Dois tipos de mudança quebraram a correlação clara (que suponhamos tenha existido) entre Educação e Crescimento econômico: Perfil e Modo de Produção.

Perfil Escolar: O aumento no estoque educacional gerou o paradoxo da escolaridade. Na América Latina, por exemplo, o impacto econômico de um ano adicional de escolaridade na década de 80, corresponde ao mesmo impacto que hoje há para 2.1 anos. Educação vale mais na inversa medida em que é disseminada. Quanto mais gente estuda, mais eu preciso estudar para que a educação me traga vantagens. Não é a educação em si que me faz gerar mais renda, é a educação a mais do que meu competidor. Isto vale também parece se aplicar entre os países. Como no campeonato brasileiro, não precisa ser bom, precisa ser melhor do que seu adversário.

Modo de Produção: Passamos por mudanças profundas na maneira como educação gera tecnologia e por sua vez esta é aplicada. O aumento da automação e do tele-trabalho, a expansão da mobilidade da aplicação tecnológica e a propriedade intelectual difusa (hoje, 72% dos recursos oriundos de patentes mundiais são registradas por empresas de capital aberto, contra menos de 30%, em 1960). Tecnologia, educação são apropriados e aplicados transnacionalmente. Noutras palavras, com base em um estoque educacional mínimo, é possível transferir tecnologia. E a indústria de alta tecnologia? Esta sim dependente de altos níveis educacionais e gera riqueza. Mas, emprega contingentes populações pequenas e colabora para a concentração de riquezas. Um estudo recente** em 3 pólos deste tipo de indústria mostra um alto internacionalismo (atraem os melhores de todos os lados) e aumentaram a concentração de riqueza nas áreas onde se instalaram.

Há correlação entre desempenho nos testes e violência, mas eu não ousaria afirmar que quanto melhor nos testes, mais violenta é uma sociedade.

Infelizmente, há fatores socioeconômicos que compõe uma “tecnologia da exploração” que permite a um país crescer muito e até consistentemente e ainda assim excluir grandes parcelas de sua população de educação de qualidade. A China cresce muito com base em investimentos públicos e de produção massiva escorada tecnologias não produzidas lá. Os resultados chineses mostram que é possível crescer muito educando bem menos de 10% da população.

Eu tive que passar muito tempo na escola e agora não teria mais motivos para ser contrário a ela. Mas, os dados mostram que a Educação necessariamente não gera riqueza (algo que eu sei quando olho meu saldo bancário), mas parece ter impacto em algo muito mais importante do que crescimento econômico.

O que os dados mostram e passam ao largo da análise do Professor Hanushek é que o que ele considera Educação de qualidade tem uma correlação, mas não com o crescimento econômico e sim com desigualdade, em TODOS os países pesquisados.

Noutras palavras, é possível crescer e gerar renda sem educação de qualidade para a maioria. Porém, não parece ser possível reduzir sensivelmente a desigualdade interna sem que acesso e qualidade na educação sejam endereçados.

Uma educação de qualidade, olhada da ótica da agregação pura e simples de PIB não compensa. Mas, o investimento em Educação certamente tem alto retorno, se visto como ferramenta essencial para reduzir o privilégio dos quem têm acesso a uma escola melhor sobre os que não têm.

O que nem o Prof. Hanushek, Palmeirenses ou Corintianos parecem dispostos a fazer é mudar a teoria para ajustá-la a realidade. Se fizessem isto, torceriam pelo Fluminense kkk.

(* a versão completa e bem mais chata, com todas as notinhas e fórmulas, deste meu artigo pode ser lida em: Éducation et Développement : Notes pour la révision de une théorie macroéconomique orthodoxe . Diffuseur. l'Institut d'Étude du Développement Économique et Social, Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne )

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

COMO REDUZIR OS HOMICÍDIOS COM EXCEL


O que um governo estadual faz para reduzir o número de homicídios? Melhora a polícia? Aperfeiçoa a Justiça? Não! Contrata um estatístico esperto. Mas, para nossa sorte, nem todo mundo acredita em gnomos, na imprensa, na chance do Botafogo ser campeão nacional e em nas estatísticas oficiais de segurança pública.

Segundo os dados oficiais do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, o número de óbitos ocasionados por agressões de terceiros (homicídios) no Estado do Rio de Janeiro diminuiu nos últimos anos, de 7.099, em 2006, para 5.064, em 2009, o que implica em um decréscimo de 28,7%, no período.

Vivas e loas ao governo carioca, certo? Não. Pelo menos, conforme defende o corajoso aluno deste semestre, Daniel Cerqueira (IPEA). Ele vê fortes indícios de que esse resultado tenha se dado por consequência de má classificação proposital. Noutras palavras, manipulação dos dados.

Daniel conclui que o RJ está passando mortes por homicídios para a “mortes por causa não esclarecida”. De repente o povo parou de morrer de homicídio e passou a morrer de "causas não esclarecidas". Daniel ainda percebe que são os jovens, pobres e pretos os que mais passaram, de uma hora para outra a morrer por causas desconhecidas. Curioso, não?

Daniel vai além e “reclassifica” os números oficiais para concluir que no RJ. Daniel estima (através de um modelo multinomial logit bonitinho) que além dos 5.064 homicídios registrados em 2009, teria havido outros 3.165 homicídios ocultos, totalizando um número de agressões letais no Estado de 8.229. Noutras palavras, houve foi aumento de  número de homicídios no RJ.

"O próprio SIM, somente no RJ, a partir de 2007, há um aumento substancial de óbitos violentos cuja causa não foi esclarecida. Isto destoa do padrão nacional e do que acontecia no mesmo Rio, até 2006. O número de “homicídios ocultos” aumentou acentuadamente nesse período, passando a corresponder em 2009 a 62,5% dos casos registrados ou, em números absolutos a 3.165 homicídios não registrados"

Algumas conclusões de Daniel (nas palavras do próprio artigo dele):

1. Enquanto a taxa de mortes por intenção indeterminada diminuiu no Brasil de seis para cinco por cem mil habitantes, entre 2000 e 2009, esse indicador para o Rio de Janeiro que já era alto, mas diminuía gradativamente para um patamar em torno de 10, em 2006, dobrou para cerca de 20 em2007 e continuou aumentando nos anos seguintes.

2. No Rio de Janeiro, apenas em 2009, enquanto foram registrados 5.064 homicídios, 3.587 mortes aconteceram sem que se conseguisse esclarecer a intenção. Em 2.797 desses óbitos não se sabe sequer o instrumento ou o meio que precipitou o desfecho fatal.

3. Enquanto o Estado de São Paulo registrou, em 2009, 145 mortes com intenção indeterminada causada por armas de fogo, no Rio de Janeiro esse número foi de 538. O Rio de Janeiro com cerca de 8% da população nacional, é responsável por registrar 27% do total das mortes violentas cuja intenção não foi determinada no Brasil.

4. Quanto ao padrão de vitimização, observamos que os tipos de óbitos possuem características distintas bastante perceptíveis. Os homicídios são geralmente perpetrados com o uso da arma de fogo, contra homens jovens (20 anos), pretos ou pardos, com nível ginasial de escolaridade, onde os eventos ocorrem na rua. Os suicídios acometem caracteristicamente homens brancos, de meia idade (45 anos), com maior grau de escolaridade, em que tais incidentes ocorrem por meio de enforcamento e dentro de casa.

5. Já os acidentes (excluindo acidentes de trânsito) incidem mais em relação aos homens brancos, na terceira idade (70/80 anos), com menores níveis educacionais e onde,

6. Geralmente o óbito se dá por quedas ou impactos em local desconhecido pelo legista. A análise das distribuições de óbitos indeterminados até e após 2006, mostrou intrigantes diferenças estatisticamente significativas. Aparentemente, as distribuições dos óbitos indeterminados após 2006 ficaram mais parecidas com as distribuições associadas ao homicídio, no que se refere à idade, à escolaridade e à raça da vítima.

7. Os histogramas relativos aos instrumentos e aos locais do incidente sofreram substancial redução de frequência relativa no que se refere às mortes por arma de fogo e na rua, respectivamente, sendo que a categoria que teve aumento relativo foi a de “ignorados”. Supondo que o processo gerador de dados das distribuições dos óbitos indeterminados não tivesse sofrido mudanças, não haveria razão plausível para essas diferenças.

8. Portanto, tais comparações reforçam as evidências de ter havido alteração substancial no modus operandi da produção de informações sobre mortes violentas no Estado do Rio de Janeiro, e que tais mudanças não se deram de forma aleatória em relação aos tipos de eventos.

O estudo pode ser encontrado na íntegra em.

http://www2.forumseguranca.org.br/files/MortesViolentasNaoEsclarecidaseImpunidadenoRiodeJaneiro.pdf

















segunda-feira, 31 de outubro de 2011

PORQUE NÃO SOMOS 7 BILHÕES. MAS, ISTO NÃO IMPORTA TANTO...


Hoje, fim de mês, a ONU fecha a conta do mundo em 7 bilhões. Isto não é uma estatística, é uma marca:).

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) tem uma tradição de exagero. 7 Bilhões é uma estimativa par cima, baseada em projeções . Os motivos principais para a superestimativa:

1. Defasagem: As estimativas se baseiam em dados primários que estão muito defasados para mais de 30% da população mundial.

2. Urbanização: O UNFPA continua estimando taxas de crescimento baseadas nos mesmos perfis rural/urbano, de quando os dados primários foram tomados. Mas, pesquisas amostrais mostram que a urbanização é maior do que a estimada, portanto a taxa de crescimento deveria ser corrigida.

3. Imprecisão: Outro ponto é da natureza dos governos sempre colocar os números para cima (coisa de homem isto kkk). O ILDES fez uma validação e dados de Censo no Chade, Nigéria e Bangladesh e verificou que a população estaria superestimada em 14%, em média. Populações tribais, por exemplo, estão sendo contadas na vila de origem e na cidade onde realmente vivem.

4. Mas metade da população mundial já mora em países em que as pessoas têm menos filhos do que precisariam para repor as gerações (abaixo de 1,8 filhos)

Assim, os dois outros centros de estudos populacionais (ILDES-Paris I e BPPT-Standford) e mesmo alguns demógrafos do próprio UNFPA estimam que estejamos entre 6.4 e 6.7 bilhões.

Seja 6.4B ou seja 7B, toda vez que estes números são divulgados, o Reverendo Metodista Thomas Malthus volta a povoar os pesadelos de muitos. A imagem que se tem é que o planeta virará uma imensa Estação da Sé às 18h00min. A imagem de ficção cientifica é completada com fome, sede, doenças e governos totalitários. O fantasma da Superpopulação.

Se você é do tipo que gosta deste fantasma, pare de ler por aqui e vá estocar água, comprar um sítio em Alto Paraíso ou coisa assim. Se quiser trocar seus pesadelos por alguns dados da realidade, siga:

1. O que mais ameaça o equilíbrio população X recursos não é a quantidade, é a desigualdade associada à insustentabilidade do modo atual de produzir/consumir.

a. A ameaça de escassez de recursos não está diretamente relacionada ao número total de população, mas aos modos de produção e consumo. Bastariam 2 bilhões de pessoas no mundo, com o consumo médio de água dos ingleses para que houvesse sede. Ou se Índia e China (~35% da pop mundial) repetissem o consumo de gasolina americano, não haveria petróleo para mais ninguém. Se os africanos usassem na sua agricultura e pecuária a media de consumo hídrico usado nas mesmas atividades, no Brasil, teriam que importar água para beber.

b. O Mundo produz hoje, somente em grãos o suficiente para que cada habitante coma 800g/dia. A produção atual já seria suficiente para que não houvesse fome. Mas, há. Quase 15% da população mundial tem menos acesso à comida do que precisava. No popular, passa fome.

c. Somente da água desperdiçada pela falta de esgotos (menos de 30% da população mundial tem acesso a esgoto com tratamento completo) e contaminação industrial seria suficiente atender às demandas da agricultura e de mais uma população de mais de 10 Bilhões de pessoas.

2. O padrão de ocupação da população traz mais desafios do que o seu tamanho. A urbanização crescente reduz a população, mas traz problemas ambientais sérios.

a. Outro dado que os catastróficos demógrafos do UNFPA não consideram é a concentração. O mundo está mais vazio do que há 50 anos. Não me refiro à Estação da Sé, mas à concentração média. Temos muito mais gente ocupando menos espaços e muitos espaços tornando-se mais vazios. Modo de produção agrícola mecanizada, esgotamento ecológico e/ou econômico de regiões inteiras, etc.

b. Outra agência da ONU, a UNSRID estima que em 2050, +de 60% da população mundial viverá em torno de menos de 100 aglomerados. Algo como 100 imensas estações da Sé. Logo, o desafio não é a quantidade, é o padrão ocupacional.

c. A urbanização reduz a população em quase todos os países pesquisados na mesma taxa prevista pelo Axioma de Caldwell (nas sociedades tradicionais, principalmente as rurais, o fluxo de riqueza entre gerações é predominantemente dos filhos para os pais, ou seja, os pais precisam investir pouco nos filhos em termos de educação, capital humano, mas existe um fluxo de riqueza dos filhos porque eles começam a trabalhar desde cedo, contribuem para a renda da família e sustentam os pais na velhice. Então, numa sociedade tradicional rural, é bom negócio ter muitos filhos. Já a economia urbana se baseia muito na educação como instrumento de ascensão social. Também existe menos necessidade de se procriar para ter segurança na velhice na medida em que existe maior cobertura do sistema de aposentadorias. Na economia urbana moderna, portanto, o fluxo de riqueza é mais de pais para filhos.

d. A África é o continente que terá o maior ritmo de urbanização nas próximas décadas. Isso impactará o crescimento das populações. Elas vão depender de mais atividades econômicas urbanas e as mulheres terão mais oportunidades de trabalho. A urbanização, ocupação e a educação das mulheres têm mais forte influência na redução na taxa de fertilidade do que a religião. Países mulçumanos como Irã, Malásia e Filipinas provam isto.

3. O perfil populacional é mais importante do que seu número total.

a. Mais idosos. O crescimento dos idosos e a redução na taxa de fertilidade fazem com que sociedades hoje despreparadas para esta situação tenham que enfrentá-la. Além das óbvias questões econômicas (previdência); isto impacta no sistema de valores, na estrutura familiar, etc.

b. Mais jovens: O aumento na proporção de jovens seguirá ainda por 30 anos. Isto traz o desafio de geração de empregos, inclusão política e social de um enorme contingente. Os jovens representam o grupo que mais emigra, quando não encontra condições de desenvolvimento, o que aumenta a tendência à mobilidade populacional.

4. No plano político, não há nenhuma correlação demonstrada entre regimes e demografia. Ao contrário, países maiores tendem a ganhar mais contornos democráticos.

Olhar o número da população total mundial é procurar informação no dado errado. O problema é o padrão de ocupação, de produção, consumo e fluxo de pessoas.

O UNFPA acha que chegamos a 11B em 2100, mais ou menos na mesma época em que o Corinthians chegar à final da Libertadores. Mas, a maioria dos demógrafos (inclusive alguns do próprio UNFPA, como Ralph Hakkert) crê que a população não passa dos 9.2B, e que 2050 será nosso ponto culminante.

Logo, há poucas esperanças do Corinthians chegar à final ganhar de uma Libertadores ou que a Estação da Sé fique mais vazia, antes que o mundo atinja seu pico :-)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DON'T WORRY BE HAPPY


Correlações são uma obcessão na pesquisa. E a busca de vínculos entre dinheiro e felicidade um dos temas mais comuns na pequisas econômicas que ganham espaço na mídia. Embora, felicidade certamente é não ter que pensar em Economia. O problema é que estas pesquisas que medem felicidades são altamente imprecisas. Baseiam-se na resposta de uma pessoa a um conceito extremamente vago: felicidade. E a resposta varia de dia para dia. Por exemplo, hoje os Botafoguenses estão felizes. No final do campeonato, não estarão :-)

Chegou-se a criar um Índice de Felicidade Bruta, que  além de ajudarem a que você saiba  que existe um país chamado Butão (o campeão do Índice) só serve  para inspirar senador a propor o direito à felicidade.

Baseado nestes dados frágeis tem sido possível fazer uma correlação entre felicidade e renda, tanto no nível individual quanto no nacional. E para os que insistem em explorar mais o tema, a OECD (em seu recente relatório anual) publicou uma enquete feita pelo Instituto Gallup, que pediu para 4000 pessoas em 18 países darem notas de 1 a 10 para sua satisfação. O resultado mostrou que o mais infeliz dinamarquês é mais feliz do que o mais feliz dos chineses. O governo da China já pensa em começar a falsificar comediantes de stand-up.

Alguns (dentre eles a "the Economist") com uma constataçao acerca da “brecha de felicidade”(isto é termo que se use? Economista consegue transformar qualquer assunto em algo chato kkk). Eles perceberam que a brecha da felicidade, isto é, a diferença entre os mais felizes (torcedores do Fluminense, independentemente da tabela, por exemplo) para os mais infelizes parece não ter relação nenhuma com a desigualdade (baseada no GINI). Um país mais desigual não tem mais desigualdade de felicidade e vice-versa. Esta dado em si já leva a questionar a relaçao renda-felicidade aparentemente demonstrada na pesquisa. Mas, o povo nao vai desistir de seguir buscando o graal do "felicitômetro".

O que isto significa? Que o Gallup está feliz porque os governos/organizações seguem comprando este tipo de pesquisa kkk


terça-feira, 11 de outubro de 2011

DIA DAS CRIANÇAS: SUGESTÃO DE PRESENTE



Amanhã, mais de 5.000.000 de crianças brasileiras passarão do seu dia vivendo em condições de miséria (http://sociometricas.blogspot.com/2011/05/muitos-numeros-um-desafio.html), de extrema pobreza, de situação vulnerável. Chame do que quiser. Não importa o nome. Importa o fato de serem crianças. Responsabilidade de toda a sociedade, segundo está escrito na lei.


É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição Federal de 1988, o Brasil, o Art. 227)

Um grande presente para elas, seria o cumprimento da lei. Mas, um estudo recente (O BENEFÍCIO INFANTIL UNIVERSAL: UMA PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DO APOIO MONETÁRIO À INFÂNCIA) do Pedro Herculano e do Sergei Soares (IPEA) é mais uma evidência de que esse artigo da Constituição vale menos do que outros.

O estudo, que passo a resumir/editar a seguir, examina o atual arranjo de benefícios monetários para crianças com 15 anos ou menos. No Brasil, estes benefícios são compostos pelo:

1. Benefício variável do Programa Bolsa Família,

2. Salário-família e

3. Dedução para dependente menor de 16 anos no pagamento do Imposto de Renda Pessoa Física.

Os autores analisaram cada um deles sob o ponto de vista do valor, sua cobertura, sua focalização e seu custo fiscal.

A conclusão do estudo é: O sistema atual de benefícios para as crianças é fragmentado, sem coordenação entre benefícios que são parcialmente superpostos, exclui quase um terço das crianças e transfere valores maiores para crianças mais ricas.

Isto é um escândalo, mas a oposição não vai pedir uma CPI, a imprensa não vai noticiar. Porque parece que os problemas mais sérios são o Aeroporto Internacional, o trânsito ou o estádio do Corinthians.

A vulnerabilidade vai além da pobreza (definida como insuficiência de renda). Inclui tudo o que é necessário para o desenvolvimento dos indivíduos (acesso a cuidados e serviços, o respeito aos direitos humanos, a participação cultural, possibilidade de sociabilidade, etc.). Mas, como a renda está correlacionada em algum grau com as outras dimensões e porque é mais fácil de medir, os indicadores de pobreza servem como um espelho (uma Proxy) razoável da vulnerabilidade das crianças em comparação com outras faixas etárias. E, no quesito renda, tanto crianças quanto idosos são os mais vulneráveis porque não possuem (ou não deveriam possuir) renda própria do trabalho e ainda representam um custo adicional ao domicílio (portanto, diluem a renda domiciliar). Mas, no Brasil as políticas sociais até hoje foram muito mais efetivas para os idosos do que para as crianças.

No Brasil, os percentuais de pobreza e extrema pobreza caíram (para qualquer método que for utilizado) para todas as faixas etárias, desde a primeira metade dos anos 2000. Mas, como os gráficos abaixo mostram, apesar dos grandes avanços recentes, a pobreza infantil ainda é consideravelmente mais alta do que a dos demais.





• Em 1995, cerca de 30% das crianças estavam entre os 20% mais pobres. Em 2009, esse percentual já era de 34%.

• Por outro lado, a concentração de crianças no topo da distribuição de renda diminuiu: em 1995, 13% das crianças estavam entre os 20% mais ricos, mas em 2009 eram apenas 10%.

• As crianças representam quase metade (46%) dos extremamente pobres, um grupo cuja renda tende a ser pouco sensível ao crescimento econômico.

Ou seja, não só as crianças estão, desde sempre, mais concentradas entre os mais pobres (que é esperado pelos diferenciais da taxa de fecundidade, pelos arranjos familiares e pelo próprio fato de que a presença de crianças dilui a renda domiciliar), esta concentração tem aumentado ao longo do tempo. O bom momento do mercado de trabalho e o grande sucesso da proteção social brasileira no combate à pobreza entre idosos melhoram significativamente a vida dos adultos. Mas, as crianças foram esquecidas. A POBREZA INFANTIL AUMENTOU!

O estudo ainda lembra um importante fator: a grande volatilidade. Isso significa que um número considerável de famílias entra e sai da pobreza. Como as crianças estão mais concentradas entre os mais pobres, mesmo aquelas que não são pobres ou extremamente pobres correm um risco considerável de se tornar pobres em algum momento ao longo do tempo. Usando os dados do estudo, podemos estimar que quase 1.5 milhão de crianças estejam neste limiar. Noutras palavras, são pobres também.

Benefícios direcionados para crianças seriam essenciais para diminuir a vulnerabilidade deste grupo. Mas, os que existem hoje não cumprem seu papel:

1. Deduções do Imposto de Renda: Têm direito ao benefício, todos que declaram IRPF e têm dependentes menores de 21 anos (ou 24 em caso de estudantes). Mesmo que os dados que a Receita Federal divulgue sejam parciais e desatualizados (sim, o governo não informa ao governo kkk), sabe-se que as deduções com menores de 16 anos devem passar dos R$ 15 Bilhões por ano. Um detalhe, uma estimativa própria aponta que aproximadamente R$ 12 Bilhões por ano são destinados a crianças que vivem entre os 30% das famílias mais ricas.

2. Salário-família (SF): Têm direito ao benefício os trabalhadores formais (exceto os domésticos), alguns trabalhadores avulsos e até aposentados (várias categorias de funcionários públicos recebem um salário-família cujos valores e limites são diferentes daqueles para o setor privado, que não foram analisados no estudo). No setor privado, baseado nos precários dados disponíveis, as empresas declararam um gasto de R$ 1,89 bilhão com o pagamento do SF (em 2007). Mesmo que recentemente tenham sido estabelecidas algumas condicionalidades (vacinação e matrícula na escola), não há sistema que a verifique. Situação curiosa porque existe um sistema nacional de acompanhamento de freqüência à escola para o Bolsa Família, que acompanha quase metade dos alunos do fundamental no Brasil, mas não acompanha as contrapartidas idênticas do SF. Do montante aplicado no SF, além de nenhuma verificação quanto a sua aplicação para as crianças, uma estimativa aponta que apenas 27% estejam em famílias extremamente pobres (lembrando, que o SF é pago aquém tem emprego, registro, etc.).

3. Bolsa-Família: O BF (2003) consolidou, unificou e expandiu a cobertura de diversos programas. Dos 3 benefícios que apóiam as crianças, o BF é o único focado, isto é, é direcionado somente a famílias mais pobres.

    a. O BF conta com dois componentes: um benefício fixo e sem condicionalidades, direcionado para as famílias extremamente pobres, e um benefício variável e com condicionalidades, direcionado para famílias pobres ou extremamente pobres com filhos de ate 15 anos. O benefício variável e pago por criança ate um limite de três benefícios por família.

    b. Em 2007, um novo benefício foi criado, o benefício variável vinculado ao adolescente, pago a famílias pobres ou extremamente pobres com adolescentes de 16 ou 17 anos (até o limite de 2 por família.

    c. A média paga por criança, no Benefício Variável, é de menos do que R$22,00/ mês. Logo, menor do que a dedução máxima efetiva por dependente no IRPF e até mesmo do que o benefício mais elevado do SF.

    d. Vale lembrar, contudo, que há um máximo de três benefícios por família, o que não ocorre nem com o SF nem com a dedução do IRPF com crianças de 16 anos ou menos. Noutras palavras a lei limita os benefícios dos mais pobres e não o faz do restante da população (vide tabela)

Além de deixar um grande número de crianças (inclusive mais pobres) fora do alcance de qualquer benefício e dos valores desiguais, dentre os 3 benefícios, o único focado nas crianças pobres e acompanhado é o BF.




Algumas deduções, que podemos tirar do estudo, todas preocupantes acerca dos benefícios direcionados à Infância:

1. Representam um baixo investimento por criança.

2. Representam um investimento muito inferior ao feito para adultos e idosos.

3. Não são direcionados (em sua maioria) prioritariamente às crianças mais pobres.

Por isto, neste dia da Criança daríamos um grande presente às mais de 5milhoes de crianças brasileiras expostas à extrema pobreza se substituíssemos o atual sistema por um único Benefício Infantil (mesmo universal). Tirar todas estas crianças da extrema pobreza, dar de rpesente o cumprimento do Art.227 custaria o equivalente adicional de 0,2% do PIB (2009). Presente barato.


 






segunda-feira, 10 de outubro de 2011

PODER x PERDER: Carlinhos, o Nobel da Paz e Escola de Frankfurt


Nestes tempos, ando recorrentemente me lembrando do que aprendi (ou do que ouvi e ainda tento aprender) com grande Carlos Pinheiro Queiroz. O caminho não é o poder é o perder. Só ganha quem perde. O medo de perder faz com que sejamos possuídos por aquilo que julgamos possuir. Tomados pelo esforço vão de evitar toda perda. Assolados pela ansiedade.

Carlinhos diz que, quando entendemos o perder e vivemos o luto pela perda (mesmo daquilo que julguemos ter), desfrutamos a vida como graça. Do outro lado, quando uma pessoa/grupo/organização/sociedade vive na prática de que o poder (entendido como a capacidade de impor sua vontade através do uso hegemônico de todos os tipos de força) é o único caminho para a mudança, estabelece relações que desperdiçam energia no aumento de tensões, e através das ações preventivas e/ou ofensivas reduzem a capacidade criativa e de superação. Noutras palavras, o poder reduz a eficiência. Carlinhos encontra Jonh Nash, Stiglitz e a teoria dos Mercados Imperfeitos

Nestes dias, acho que o liquidificador da mente misturou:  
1) da outorga do Prêmio Nobel da Paz deste ano para mulheres que desafiaram e mudaram situações injustas usando de instrumentos anti-poder,
2) os ensinamentos de Carlinhos sobre poder e perder,
3) os lutos e os conflitos para saber quem manda mais,

E acabou por me lembrei de um livro que li há uns anos, provocado pela resenha do grande Joachim Hirsch. Um livro Carliano, com certeza. Que agora sai, gratuita e integralmente na versão online da tradução em Espanhol (em Português, por hora, só em papel), conforme me compartilhou um amigo, Harold Segura.

“Cambiar el mundo sin tomar el poder” (Puebla/Buenos Aires: Universidad Autônoma de Puebla/Editorial Herramienta, 2006) de Jonh Holloway é um livro deslocado entre os manuais de auto-ajuda ou da mitologia da liderança. Também quem espera um conselho prático de como fazer para mudar de uma vez por todas o mundo, ficará desapontado. Antes de tudo, afirma que, se os objetivos são a emancipação e a libertação, a maneira como seguramente não se poderá mudar, é mediante a tomada do poder (estatal). O livro busca demonstrar que o desafio está em desenvolver o anti-poder, o poder criativo; que mudar o mundo deve ser entendido como negação do que comumente se chama política e que se esgota na reprodução permanente de relações de poder e submissão. “Uma sociedade sem relações de poder” e ao mesmo tempo que estrutre sua vontade é a meta a alcançar.

Três eixos conceituais sustentam a argumentação: o grito (fúria frente ao status quo) ; o poder instrumental versus o poder criativo; e a fetichização. É a fúria, não a razão, que impulsiona a idéia. Num retorno à subjetividade imediata que tem algo de existencialista, “a resistência a aceitar o inaceitável” e a consciência da possibilidade de um “ser radical diferente” se constitui no ponto de partida do pensamento e da ação. Nas condições sociais existentes, o poder genuíno, criativo dos seres humanos, sua capacidade de configurar autonomamente a vida social, negada pela “interrupção do fluxo social da ação. Daí surge o poder instrumental, que interrompe o fluxo da ação. A reprodução da dominação e exploração pelo próprio pensamento e a própria ação, a penetração do poder instrumental em todos os sujeitos, organizações e relações constitui o problema central de uma teoria da revolução.

A partir daí, as tentativas comunistas – fracassadas – e social-democratas de transformar o mundo mediante a conquista do poder estatal, devem ser, no geral, criticadas. O jogo do poder e anti-poder termina reproduzindo as relações instrumentais de poder de formas distintas. Ao ficar preso no conceito instrumental de poder: a libertação se transforma em ação de vanguardas, não através, mas “para” o oprimido, como espetáculo de um partido que leva o rótulo de “revolucionário”, sem merecê-lo minimamente.

“Qué se vayan todos!”, lema dos rebeldes argentinos, soa radical. Porém, a experiência demonstrou que só isso não implica uma transformação social, se não se alcançar o desenvolvimento de concepções sociais alternativas que superem as lutas fragmentadas. Talvez o mais certo seja “Que se vayan nosotros todos” :-). Holloway lembra que toda hegemonia oprime e instrumentaliza. O livro se liga muito ao debate da crise ecológica, no qual muitos defendem de que não se pode combater a exclusão (a um sistema que não funciona) incluindo mais. Deve-se excluir os incluídos. Noutras palavras, precisaríamos de um CTR-ALT-DEL.

Meus colegas cientistas políticos encontrarão muito que criticar em Holloway, devido a suas próprias incoerências conceituais e jeitinhos que dá na “dialética do esclarecimento”da dupla nada sertaneja de Horkheimer e Adorno. Porém, ler este livro é altamente recomendável porque ele recupera elementos esquecidos no cotidiano social (governos, grupos, organizações, famílias, etc.) de desenvolvimento por conflito, de crescimento por poder, de evolução por hegemonia.

Resumindo, resumindo, Carlinhos está certo.

Versão do Livro



















quarta-feira, 21 de setembro de 2011

RÉGUA MASCULINA: RELATÓRIO DESENVOLVIMENTO 2012


Com mais eventos do que lançamento de novela, o Banco Mundial prepara a divulgação do seu Relatório de Desenvolvimento 2012””. A maratona iniciou-se nesta semana com seminários on-line, conferências de imprensa com especialistas de todo o mundo e uma reunião na sede da ONU, que contou com participação do "animado" Ban-Kin-Moon (receita para os insones, gravem o secretário geral da ONU falando. Ninguém resiste 5 minutos acordado), de atrizes (inclusive Angelina Jolie, que deve ter aproveitado para encomendar ao 1º Ministro cambojano uma dúzia mais de órfãos kkk) e de chefes de governo (Dilma não foi porque teve que se reunir com o Obama e recusar a sua oferta para comprar o Texas. Não seria uma má idéia, comparmos o Texas e trocamos com a Família Sarney, pelo Maranhão kkk)

“Ficando Quites” (Getting to Equal) seria uma tradução apropriada, para a edição deste ano, focada em um dos temas que mais tem desafiado à eficácia das políticas sociais: Gênero.

O relatório, que será liberado somente na próxima semana, traz inovações ao mesclar dados estatísticos (que só meia dúzia de chatos com eu, lê até o final) com uma extensa pesquisa de opinião que perguntou a mais de 20000 mulheres em 108 países: O que é ser igual?

Curioso é que a coleta tradicional de dados sobre gênero não segue no mesmo sentido das respostas. Os dados que tradicionalmente usamos para definir igualdade entre os gêneros são oriundos de uma visão simplista, masculina para usar um termo provocativo. A visão das mulheres sobre igualdade não se foca (embora inclua) na equiparação de renda, matrículas escolares ou posição em postos públicos/privados. A pesquisa mostra que igualdade é mais definida mais como “liberdade para ser diferente”.

Com os dados que temos, podemos afirmar que a última década assistiu em todo o mundo uma redução (em alguns casos até superação) da brecha de gênero na escolaridade, renda e poder (singelamente definido aqui como ocupação de postos de mando). O Relatório 2012, por exemplo, mostra que a África já entrou na tendência mundial de redução da brecha, que a Ásia reduz a brecha de renda em ritmo acelerado e que a América Latina, depois de um período tímido (1960-1980) caminha para encontrar os patamares médios dos países desenvolvidos, em 2030. O relatório também mostra que nos países desenvolvidos a brecha (menor) reduz mais lentamente, e até estagnou-se em alguns países. Sinal claro de que a equidade de gênero, definida com base renda/escolaridade/poder encontrou um “núcleo duro”. Aquele conjunto de fatores causais complexos e que as políticas sociais tradicionais não altera.

A despeito do avanço, as entrevistas revelam que as mulheres percebem sua situação de maneira menos otimista do que os dados. Relatos de violências de todos os tipos e origens, opressão social, preconceito no acesso a serviços públicos, cargas horárias excessivas, desprezo pela especificidade, etc. Surpresa para alguns será perceber que a visão das mulheres dos países considerados mais iguais não difere tanto de outras. Um sinal evidente de que quanto mais igualdade formal, mais conflituosa e explícita se revela a desigualdade social.

Para ir além da medição tradicional da equidade é necessário tomar a palavra das mulheres como norte. Indicador de gênero não é sinônimo de desagregar dados pela categoria “feminino/masculino”. Como medir a equidade em termos de possibilidades de escolha? Este é o desafio dos novos indicadores de gênero.

Como em toda a discussão de desigualdade, o problema não reside no grupo ao qual chamamos de desigual, mas no que consideramos incluídos. Não se trata de estender uma igualdade masculina às mulheres. Para perceber a desigualdade é necessário assumir a diferença.

Não se trata de medir a igualdade nos termos de condições de oprimir. A visão atual de medição é baseada na pressuposição de que existe um só parâmetro de desenvolvimento, uma régua (masculina) somente e a tarefa seria medir em que posição dela determinado grupo está.


O Relatório de Desenvolvimento Mundial 2012 é mais um indício de que torta é a régua.