segunda-feira, 7 de novembro de 2011

COMO REDUZIR OS HOMICÍDIOS COM EXCEL


O que um governo estadual faz para reduzir o número de homicídios? Melhora a polícia? Aperfeiçoa a Justiça? Não! Contrata um estatístico esperto. Mas, para nossa sorte, nem todo mundo acredita em gnomos, na imprensa, na chance do Botafogo ser campeão nacional e em nas estatísticas oficiais de segurança pública.

Segundo os dados oficiais do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, o número de óbitos ocasionados por agressões de terceiros (homicídios) no Estado do Rio de Janeiro diminuiu nos últimos anos, de 7.099, em 2006, para 5.064, em 2009, o que implica em um decréscimo de 28,7%, no período.

Vivas e loas ao governo carioca, certo? Não. Pelo menos, conforme defende o corajoso aluno deste semestre, Daniel Cerqueira (IPEA). Ele vê fortes indícios de que esse resultado tenha se dado por consequência de má classificação proposital. Noutras palavras, manipulação dos dados.

Daniel conclui que o RJ está passando mortes por homicídios para a “mortes por causa não esclarecida”. De repente o povo parou de morrer de homicídio e passou a morrer de "causas não esclarecidas". Daniel ainda percebe que são os jovens, pobres e pretos os que mais passaram, de uma hora para outra a morrer por causas desconhecidas. Curioso, não?

Daniel vai além e “reclassifica” os números oficiais para concluir que no RJ. Daniel estima (através de um modelo multinomial logit bonitinho) que além dos 5.064 homicídios registrados em 2009, teria havido outros 3.165 homicídios ocultos, totalizando um número de agressões letais no Estado de 8.229. Noutras palavras, houve foi aumento de  número de homicídios no RJ.

"O próprio SIM, somente no RJ, a partir de 2007, há um aumento substancial de óbitos violentos cuja causa não foi esclarecida. Isto destoa do padrão nacional e do que acontecia no mesmo Rio, até 2006. O número de “homicídios ocultos” aumentou acentuadamente nesse período, passando a corresponder em 2009 a 62,5% dos casos registrados ou, em números absolutos a 3.165 homicídios não registrados"

Algumas conclusões de Daniel (nas palavras do próprio artigo dele):

1. Enquanto a taxa de mortes por intenção indeterminada diminuiu no Brasil de seis para cinco por cem mil habitantes, entre 2000 e 2009, esse indicador para o Rio de Janeiro que já era alto, mas diminuía gradativamente para um patamar em torno de 10, em 2006, dobrou para cerca de 20 em2007 e continuou aumentando nos anos seguintes.

2. No Rio de Janeiro, apenas em 2009, enquanto foram registrados 5.064 homicídios, 3.587 mortes aconteceram sem que se conseguisse esclarecer a intenção. Em 2.797 desses óbitos não se sabe sequer o instrumento ou o meio que precipitou o desfecho fatal.

3. Enquanto o Estado de São Paulo registrou, em 2009, 145 mortes com intenção indeterminada causada por armas de fogo, no Rio de Janeiro esse número foi de 538. O Rio de Janeiro com cerca de 8% da população nacional, é responsável por registrar 27% do total das mortes violentas cuja intenção não foi determinada no Brasil.

4. Quanto ao padrão de vitimização, observamos que os tipos de óbitos possuem características distintas bastante perceptíveis. Os homicídios são geralmente perpetrados com o uso da arma de fogo, contra homens jovens (20 anos), pretos ou pardos, com nível ginasial de escolaridade, onde os eventos ocorrem na rua. Os suicídios acometem caracteristicamente homens brancos, de meia idade (45 anos), com maior grau de escolaridade, em que tais incidentes ocorrem por meio de enforcamento e dentro de casa.

5. Já os acidentes (excluindo acidentes de trânsito) incidem mais em relação aos homens brancos, na terceira idade (70/80 anos), com menores níveis educacionais e onde,

6. Geralmente o óbito se dá por quedas ou impactos em local desconhecido pelo legista. A análise das distribuições de óbitos indeterminados até e após 2006, mostrou intrigantes diferenças estatisticamente significativas. Aparentemente, as distribuições dos óbitos indeterminados após 2006 ficaram mais parecidas com as distribuições associadas ao homicídio, no que se refere à idade, à escolaridade e à raça da vítima.

7. Os histogramas relativos aos instrumentos e aos locais do incidente sofreram substancial redução de frequência relativa no que se refere às mortes por arma de fogo e na rua, respectivamente, sendo que a categoria que teve aumento relativo foi a de “ignorados”. Supondo que o processo gerador de dados das distribuições dos óbitos indeterminados não tivesse sofrido mudanças, não haveria razão plausível para essas diferenças.

8. Portanto, tais comparações reforçam as evidências de ter havido alteração substancial no modus operandi da produção de informações sobre mortes violentas no Estado do Rio de Janeiro, e que tais mudanças não se deram de forma aleatória em relação aos tipos de eventos.

O estudo pode ser encontrado na íntegra em.

http://www2.forumseguranca.org.br/files/MortesViolentasNaoEsclarecidaseImpunidadenoRiodeJaneiro.pdf