quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Fim de Ano, Hora de falar de Avaliações

Mesmo com recursos (pessoas, insituiçoões e tecnologias) que, se não são sufientes, também não são desprezíveis, o Brasil investe insignificantes recursos em avaliação. Pior, não há garantia de que as avalições seja feitas de maneira imparcial e, a pá de cal:  não vincula avaliação como procedimento legal para análise oraçamentária e de continuidade de políticas. Em resumo, mesmo o que se avalia, não há garantia sobre seu processo e "usabilidade".

Romulo Paes, executivo do MDS e especialista no assunto, faz um balanço das atividades na área (positivo, pq nao é da natureza de governantes fazerem auto-crítica rsrs) e aponta um agenda necessária para a avaliação.


 

A hora e a vez da avaliação das políticas públicas

(Do Valor)


 

Rômulo Paes

22/12/2010

A gestão pública tem incorporado recentemente novas funcionalidades no Brasil e no mundo. Uma delas é a necessidade de se monitorar e avaliar as políticas e ações públicas. A experiência brasileira está se tornando uma referência, mas ainda é necessário consolidar essa atividade na administração.

Com um modelo federativo descentralizado e níveis de gestão autônoma nos Estados e municípios, o Brasil é grande e diverso. Além disso, a administração tem um tamanho considerável - o país tem uma das maiores estruturas de gestão pública do mundo.
Isso é devido a dois motivos. Um deles é o tamanho da população - a prévia do Censo 2010 calcula a existência de 190,7 milhões de brasileiros. O outro é a forte presença do Estado, que optou por operar e ofertar bens e serviços públicos, sobretudo na área social, enquanto outros governos preferiram transferir essas tarefas para o setor privado.

Todos os níveis governamentais - federal, estaduais e municipais - estão hoje preocupados com a qualidade dos serviços sociais e, por isso, a boa gestão é essencial. Essa característica da administração pública brasileira fez surgir avaliações e monitoramentos nas duas direções, ou seja, não apenas de cima para baixo mas também de baixo para cima.
A avaliação de cima para baixo trata do esforço que as instâncias de coordenação fazem para que o governo acompanhe ampla e horizontalmente suas ações. É o caso do Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento (Sigplan), do Ministério do Planejamento, e do monitoramento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Casa Civil.
O inverso também ocorre: as áreas setoriais se esforçam em desenvolver sistemas que tenham maior interface com seus temas. Aí encontramos experiências não só no executivo, como no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Ministério da Educação, mas também no próprio Tribunal de Contas da União (TCU).
No MDS, foram mais de 92 pesquisas concluídas, em execução ou em processamento entre 2005 e 2010, sendo 20 delas sobre o programa Bolsa Família. O IBGE também tem contribuído com as PNADs e diversos suplementos requisitados e financiados pelo Ministério. Elaboramos ainda pesquisas longitudinais, como a que avaliou as condições de vida de 11,4 mil domicílios, inscritos ou não no programa Bolsa Família, em 2005, (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Cedeplar), e depois em 2009 (Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares/Datamétrica, IFPRI). São estudos robustos, essenciais para avaliar e monitorar um programa desse porte, que atende a 12,4 milhões de famílias.
Essas pesquisas ajudam a redimensionar a implementação das políticas públicas. Um exemplo de adequação foi incluir jovens de até 17 anos no Bolsa Família, ao constatar que meninos e meninas de 14 anos estavam abandonando as atividades escolares. Os estudos apontaram também que a permanência das crianças na escola - estimulada pela condicionalidade do programa - não garantia um melhor desempenho, até porque as unidades de ensino tinham dificuldades em receber esses alunos antes excluídos. A segunda etapa do estudo do IFPRI (2009), no entanto, mostrou que esse desempenho melhorou porque as escolas estavam mais adaptadas para a demanda e também as famílias compreendiam melhor a exigência do programa. Os estudos de avaliação permitem um redesenho dos programas, direcionando-os para ações mais eficazes e eficientes, o que futuramente gera melhor alocação de recursos e ações de melhor qualidade.
Assim, a necessidade de monitoramento e avaliação aparece nas instâncias de coordenação e também nas unidades executoras, demonstrando uma convergência conceitual e metodológica, demandando compartilhamento de ferramentas, capacitações e desenvolvimento de competências. Isso reflete o esforço dessas áreas para o maior domínio do monitoramento e avaliação, trazendo luz a questões relacionadas à execução de programas.
A experiência brasileira tem aspectos inovadores porque os estudos de implementação das políticas possuem grande relevância. No caso das políticas sociais, são os municípios que as executam e acompanham beneficiários, constroem e administram unidades de segurança alimentar e nutricional, por exemplo. Mas a diversidade das administrações gera uma heterogeneidade muito grande na execução das políticas. Assim, analisar e avaliar a implementação pode explicar e ajudar a compreender a variação encontrada nos resultados dos programas.
A experiência do executivo federal tem se multiplicado em instâncias estaduais - Pernambuco, São Paulo, Ceará e Minas Gerais - e municipais. Há também envolvimento das universidades tanto na execução de estudos específicos como na formação de profissionais. Temos experiências na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), na UFMG, no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, na Fundação Osvaldo Cruz e no IPEA.
Por fim, temos os organismos internacionais buscando disseminar esse tipo de experiência, ao mesmo tempo permitindo que os resultados brasileiros sejam conhecidos e reconhecidos no exterior.



O Brasil hoje se encontra numa situação ímpar. Mas ainda temos muitos desafios, como a pouca quantidade de especialistas nos órgãos públicos e a necessidade de contratação de pesquisas de longo prazo, que muitas vezes são incompatíveis com os tempos legais da administração pública.



É chegada a hora de termos uma ação mais organizada e coordenada pelas instâncias competentes. É chegada a hora de disseminarmos o conhecimento da avaliação e monitoramento de políticas públicas, não apenas no governo federal mas também nos Estados e municípios. É importante também termos publicações específicas sobre o assunto e fortalecermos as redes disseminadoras desse conhecimento e os eventos voltados exclusivamente para apresentação de resultados, compartilhamento de metodologias e ferramentas. Esse é o passo adiante que devemos tomar.


 
Rômulo Paes é secretário-executivo do MDS, médico, especialista em Avaliação de Políticas Públicas, PhD em Epidemiologia, pela Universidade de Londres.
 

domingo, 12 de dezembro de 2010

Medida de Pobreza



(trechos das entrevistas da Agência Brasil)

Sempre que me perguntam: “quantos pobres há no Brasil”? Eu respondo com outra pergunta: “Segundo qual critério?”

Mas a culpa não é minha. Pelo menos, não neste caso. Também não há fórmula internacional consagrada. O Banco Mundial, por exemplo, utiliza a faixa de US$ 1 dólar por dia por pessoa como linha de indigência e de US$ 2 dólares por dia por pessoa como linha de pobreza. Tudo corrigido pelo poder de compra do dólar em cada país (PPP).

Já a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) utiliza dados sobre os custos da cesta básica por área geográfica.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de três brasileiros a cada grupo de dez não vivem com segurança alimentar (refeições necessárias e ingestão suficiente de nutrientes) e 11,2 milhões de pessoas ainda passam fome.

O IPEA Tb tem sua linha de pobreza, que segue a lógica da CEPAL, com algumas variantes de cálculo que incorporam o salário mínimo.

Para acabar com esta falta de resposta volta à tona uma discussão de 30 anos. O estabelecimento de uma linha de pobreza oficial, no Brasil. Estima-se que a presidente Dilma estabelecerá linhas oficiais de pobreza e de indigência no país para monitorar as políticas sociais do governo e medir a melhoria das condições de vida da população.

Não é uma discussão teórica. Dilma prometeu erradicar a miséria até o final de seu mandato. Para fazer isto, temos que saber quem são os miseráveis e daí, estimar o custo de tal empreitada.

“Se vamos erradicar a miséria, temos que ser capazes de medir a miséria. Tem que ter uma linha de pobreza e uma linha de miséria, o que não tem consenso”, diz o economista Ricardo Paes e Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

PB, como é conhecido, foi o coordenador da área de políticas sociais da campanha de Marina Silva e é um dos maiores especialistas no tema, em todo o mundo. Ainda segundo ele, “Sem chegar no acordo de qual linha a gente está falando vai ser difícil saber se cumpriu ou não o objetivo”, alerta, reconhecendo que “a pobreza está despencando no Brasil para todas linhas de medição”.

Abaixo outros trechos da matéria da Agência Brasil:

O economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri, propôs para a equipe de transição do futuro governo  a linha de pobreza de R$ 108 por pessoa da família. Com estimativas de crescimento, esta linha de pobreza faria a meta de Dilma custar algo em torno  de R$ 13 bilhões.

 A ideia de Neri é que a meta de erradicar a miséria seja tratada como a meta de inflação. “Se tem uma meta de erradicar a pobreza é preciso saber qual o critério. Do mesmo modo que há uma meta de inflação, que escolheu o IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo] como medida”.

Para Marcio Pochmann, presidente do Ipea, o Brasil está na direção correta, mas é preciso uma sofisticação nas políticas. “Por isso, se pensa ser necessário estabelecer uma linha administrativa da pobreza extrema”, disse.

O Ipea está fornecendo dados e análises para a definição dessas políticas e para fixar as linhas de miséria e de pobreza. Pochmann não quis adiantar os valores, mas assinalou que não é apenas uma “decisão monetária” ou “administrativa e política”, mas também uma escolha “técnica com base na realidade”.

Marcelo Neri sugere que a verificação da renda das famílias seja mais criteriosa e não se baseie apenas na informação da renda reportada, mas também em dados sobre todos “ativos” das pessoas do domicílio (tipo de trabalho, condições de moradia, acesso a serviços públicos, como saúde e educação) e “carências” (crianças lactantes, pessoas com deficiência e idosos na família).

Segundo ele, a referência ao salário mínimo não deve ser utilizada porque há diferenças no valor real com o passar do tempo. O poder aquisitivo de um quarto de salário mínimo hoje é maior do que no começo da década, explica.

A escolha da linha de pobreza e dos valores que deverão ser repassados para que as famílias mais pobres alcancem um patamar de subsistência considerado mínimo pelo futuro governo depende também do cenário macroeconômico, como geração de emprego e renda e aumento de impostos arrecadados pelo Estado para custear gastos sociais, além da microeconomia entre os mais pobres.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

ANALFABETISMO FUNCIONAL


O IPEA divulgou um importante e sumário estudo sobre o Analfabetismo funcional, no Brasil. (elaborado por Paulo Corbucci, com Eduardo Luiz Zen, Maria Piñon e da equipe de estatísticos da Assessoria Técnica Presidência)

Abaixo, uma síntese pessoal, com trechos retirados do próprio estudo. O estudo mostra que o analfabetismo tem sido reduzido de forma lenta no Brasil, inclusive se comparado a alguns países. Em grande medida, esse ritmo de redução se deve à incipiente inserção nos programas de alfabetização de jovens e adultos, assim como à sua baixa efetividade. O Brasil fez uma opção por deixar os que são analfabetos e prevenir novos. Tal afirmação é corroborada pelo aumento de cerca de 12% no contingente de analfabetos nesta faixa etária, no período analisado.

No contexto latino-americano, o Brasil se encontra em situação desfavorável em relação a quase todos os países. No entanto, deve-se ter cautela ao estabelecer comparações dessa natureza, dada a grande diversidade entre os mesmos, sobretudo no que se refere à formação histórica e dimensão populacional.

A definição de alfabetização que a Unesco propôs em 1958 limitava-se à capacidade de ler compreensivamente ou escrever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. Ainda hoje, esta é praticamente a definição utilizada pelo IBGE: são consideradas analfabetas as pessoas que não conseguem ler e escrever um bilhete simples.

Por sua vez, o conceito de analfabetismo funcional remonta, remonta à década de 1930, quando o exército norte-americano cunhou a expressão alfabetismo funcional como sendo “a capacidade de entender instruções escritas necessárias para a realização de tarefas militares.”

Coube à Unesco, no entanto, a disseminação da expressão a partir de 1978. Sob essa perspectiva, a pessoa que estivesse funcionalmente alfabetizada seria aquela em condições de inserir-se adequadante em seu meio, sendo capaz de desempenhar tarefas em que a leitura, a escrita e o cálculo são demandados para seu próprio desenvolvimento e para o desenvolvimento de sua comunidade.

Como tal definição não é passível de mensuração, o alfabetismo funcional passou a ser definido operacionalmente pela quantidade de anos de estudo. No entanto, dada a diversidade de contextos socioeconômicos e culturais existentes no mundo, não se tem um padrão de referência único. Por exemplo, países latino-americanos, entre os quais o Brasil, têm adotado como parâmetro definidor do analfabetismo funcional o nível de escolaridade inferior a 4 anos de estudo. No entanto, países ricos em geral adotam patamar mais elevado, em torno de 8 anos.

Além de tais padrões serem relativos, sabe-se que o número de anos de estudo nem sempre guarda relação direta com as habilidades de leitura, escrita e, principalmente, com a capacidade de interpretar textos e de raciocinar matematicamente. Evidência disso é que parcela das crianças brasileiras chega à 4ª série do ensino fundamental sem ter sido devidamente alfabetizada e, portanto, não seria um ano a mais de estudo que lhes alçaria à categoria dos funcionalmente alfabetizados.

Por fim, deve-se ter em mente que a desejada redução do analfabetismo gera, no curto e médio prazos, aumento do analfabetismo funcional. Portanto, a elevação deste indicador não significa, necessariamente, o agravamento da situação educacional de um povo, mas, sim, um passo intermediário na efetivação do direito de todos à educação.

Norte: O número de analfabetos diminuiu 5,1%, mas a taxa de analfabetismo teve redução da ordem de 17%, ou seja, acima da média brasileira. Em termos de UF, o destaque ficou para o Amapá, cuja taxa reduziu-se em cerca de 66%. Com isso, a taxa de analfabetismo neste estado passou a ser a mais baixa do Brasil: 2,8%.

Nordeste: O total de analfabetos caiu 8%, enquanto reduziu-se em 16,6% a taxa de analfabetismo. Todos os estados da região tiveram redução em termos absolutos e relativos. No Rio Grande do Norte, a proporção de analfabetos foi reduzida em 18,6% e na Bahia o número absoluto caiu 10%. Em ambos os casos, os índices são superiores à média nacional.

Sudeste: A redução do contingente de analfabetos (6,6%) foi ligeiramente menor que a média nacional. Apenas o Rio de Janeiro registrou índice mais favorável (12,3%). No entanto, a taxa de analfabetismo na região (5,7%) aproxima-se da taxa na região Sul (5,5%), que é a mais baixa do país.

Sul: Também nesta região a redução do número de analfabetos ficou abaixo da média nacional, devido ao aumento ocorrido em Santa Catarina (14%). Como, porém, o crescimento populacional neste estado também foi maior do que a média nacional, sua taxa de analfabetismo cresceu apenas 0,1 p.p. e atingiu 4,9% em 2009.

Centro-Oeste: Trata-se da região que apresentou menor queda do número absoluto de analfabetos (1,6%), uma vez que os estados de Mato Grosso do Sul e, principalmente, Mato Grosso tiveram aumento deste contingente. Mesmo assim, houve queda de 1,2 p.p. na taxa de analfabetismo na região, que atingiu 8% em 2009. Goiás e Distrito Federal lideraram essa tendência.



Desigualdades:

Analfabetismo funcional é bastante desigual, segundo as variáveis de destavantagem tradicionais, no Brasil: i) localização do domicílio; ii) raça ou cor; iii) sexo; e iv) renda.

Entre residentes de áreas rurais, a taxa aproximava-se de 23%, em 2009, enquanto a de moradores das cidades situava-se pouco acima de 7%. De todo modo, as maiores desigualdades se aprofundam quando se comparam os índices registrados nas UFs. Por exemplo, a diferença entre Alagoas e Rio Grande do Sul chega a 5 vezes.

Em relação à raça/cor, também são identificadas profundas desigualdades entre os níveis de analfabetismo de brancos e pretos/pardos. Entre os brancos, o índice caiu de 7,2% para 5,9%. Por sua vez, a taxa registrada por pretos e pardos declinou de 16,3% para 13,4%. Apesar de, entre estes, a taxa ter sido reduzida em quase 3 p.p., no período 2004-2009, não houve diminuição relativa da distância que separa esses dois grupos. No âmbito de cada região, porém, houve redução dessa diferença no Centro-Oeste, Norte e Sul, tendo o inverso ocorrido nas demais regiões. No entanto, deve-se ressaltar que pretos e pardos no Sudeste estão em situação bem mais vantajosa que os do Nordeste. Se entre aqueles a taxa de analfabetismo é de 8%, entre estes, ultrapassa 20%. Portanto, a desigualdade entre pretos e pardos que habitam essas duas regiões é maior que aquela entre brancos e pretos/pardos em nível nacional. Em alguma medida, a situação educacional segundo o recorte étnico é afetada pela variável socioeconômica.

Ainda que não fosse significativa a diferença da alfabetização entre homens e mulheres, como se observa em diversos países em desenvolvimento, houve sensível aproximação entre eles no período 2004-2009. Se, naquele ano inicial, o diferencial em favor das mulheres correspondia a 3,7%, em 2009 foi reduzido a 2,5%. Com isso, as taxas de analfabetismo de ambos os grupos ficaram, respectivamente, 0,1 p.p. abaixo e 0,1 p.p. acima da média nacional. Cabe ainda ressaltar que as diferenças entre os sexos são substancialmente maiores no âmbito de cada região. Enquanto em nível nacional a taxa entre homens é 2,5% maior que a das mulheres, nas regiões essa diferença oscila entre 8,5% e 21,5%.

É em renda que se evidenciam as maiores disparidades entre as taxas de analfabetismo no Brasil. Considerando-se os estratos de renda adotados pelo IBGE, verifica-se que o analfabetismo entre pessoas que se situam na faixa de renda familiar per capita maior que três e menor que cinco salários mínimos (SMs) é cerca de 20 vezes menor que as pertencentes à faixa de até um quarto de SM. Entre pessoas com renda familiar per capita superior a dois SM, a taxa de analfabetismo é de apenas 1,4%. No entanto, este segmento populacional é minoritário, pois corresponde a menos de 20% dos que declararam rendimentos. Desse modo, a faixa de até dois SM. concentra 93% dos analfabetos que declararam rendimentos.

Quando se agrega a variável regional, verifica-se aumento dessas disparidades. Por exemplo, o analfabetismo atinge 24,4% dos que se enquadram na primeira faixa de renda na região Nordeste, enquanto no Sudeste o índice é de 10,5%. Portanto, apesar de a variável renda evidenciar estreita relação com a incidência do analfabetismo, seu efeito é diferenciado quando se agregam variáveis que interferem, por exemplo, na oferta de educação de jovens e adultos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

SURPRESAS ESPERADAS


Um sistema de bom monitoramento diminui as surpresas da vida. Isto se aplica ao nosso sistema estatístico. Excelentes pesquisas anuais e setoriais aliados a modelos competentes de projeção fazem com que o Censo 2010 tenha baixa capacidade de surpreender.

Mas, a vida é surpresa. Até para os estatísticos. E o Censo já revela algumas. Ainda em seus resultados brutos, e só com a contagem divulgados já é possível antever alguns resultados que contradizem as projeções.

Mesmo que nada tenha surgido que mostre que a direção das estimativas estava errada, o Censo 2010 promete algumas surpresas quanto ao ritmo.

Certa vez li que a coisa mais perigosa para um navio não é o mar, é a terra. Os modelos projecionais temem a realidade.

Vamos ao que já revelam os dados:

1. Cidades pequenas (<100mil hab.) seguem seu processo de esvaziamento, mas ele se intensificou. Exceção são as cidades pequenas dependentes de outras médias, as chamadas cidades-região.

2. Regiões metropolitanas não são mais fortemente atratoras de população, talvez porque sejam as regiões que menos se desenvolveram (reduziram menos a pobreza e desigualdade do que as demais).

3. As cidades que mais cresceram no decênio (consolidando, mas superando ainda mais as estimativas) são as cidades médias e grandes (não-metropolitanas).

4. O crescimento urbano parece ter chegado próximo ao seu limite. Muito dificilmente passe dos 84%.

5. Os dados demográficos mostram que na média o Brasil atingiu o limite mínimo considerado ideal de fecundidade. Se as taxas seguirem caindo, teremos problemas de reposição populacional a partir de 2040.

6. O envelhecimento da população se mostra forte, mas menos do que esperado. Parte disto talvez possa ser explicada pelas análises das tabuas de mortalidade anuais. Segundo estas, o aumento da expectativa de vida ainda é refreado por causas externas e decorrentes de mudanças insalubres em estilo de vida.

7. Todos os pontos acima continuam desiguais, ie, são distintos quando enfocados pro uma análise por decis. Os últimos decis de renda seguem com comportamentos demográficos mais próximos aos anos 70.

Quando forem divulgados os dados, no próximo ano, certamente outras surgirão. Só não se surpreende quem substitui a realidade por seus modelos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Fatura do Microcrédito

Problemas em microfinanceiras privadas. Fechamento de áreas de microcédito na Ásia. Esgotamento de modelo? Mudança de paradigma? A onda do microcrédito não é uma marola:-)
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Sinal amarelo no microcrédito
MAC MARGOLIS

O pedido de socorro das instituições de microcrédito indianas na semana passada reverberou.
A agonia do SKS Microfinance, com quase US$ 2 bilhões de empréstimos atrasados, varreu Wall Street, onde as ações do banco e de seus investidores oscilaram violentamente. Na dúvida, o grupo rival Share MicroFin, do bilionário neozelandês Christopher Chandler, adiou sua oferta pública de ações de US$ 221 milhões e adiou a fusão com outra microbanco. Enquanto a poeira voava, analistas internacionais se apressaram em rever suas apostas de crescimento vitaminado para esse setor que ganha clientes, operadores e devotos da África à América do Sul.
Será o prenúncio da próxima bolha, o colapso global das microfinanças?
Para os aficionados do setor, a crise da Índia é um alerta geral sobre um desvio fatal do microcrédito. O problema, segundo essa versão, não é estender crédito aos pobres - historicamente excluídos do crédito bancário -, mas sim lucrar com eles. Pois a taxa de juros exigida pelos microbancos privados seria escorchante, até criminosa: 27% ao ano no caso de SKS, ainda mais em outros bancos. Assim, os emprestadores anjos estariam traindo sua implícita missão social, induzindo o pobre a tomar dinheiro em termos que jamais conseguiria honrar.

Seria nada mais que a velha agiotagem de roupa nova. A solução? Intervenção do governo no mercado, tabelamento de juros e carência e anistia para os vulneráveis. Senão, será a crise subprime em reprise, agora com países pobres no papel da bola da vez.

Proteger os últimos na fila e obrigar os bancos a emprestar com mais responsabilidade faz parte do evangelho pós-crise global. Mas a crise no "nanocapitalismo" indiano suscita outra dúvida menos visível. O microcrédito funciona? Ajuda mesmo os pobres a se converter em empresários, e assim se elevar da miséria?

As perguntas parecem um despropósito. Afinal, emprestar centavos a centenas de milhões virou cânone da política de desenvolvimento esclarecido. Rendeu o Prêmio Nobel a Muhammad Yunus, economista e fundador do Grameen Bank, de Bangladesh, e se espraiou pelo planeta. A iniciativa privada abraçou a causa, e o setor hoje conta com quase 1.100 operadores que ostentam 78 milhões de pequenos tomadores, das palafitas de Daca aos cortiços do Harlem, com uma carteira global de US$38 bilhões.

Gente que jamais passaria pela catraca de um banco tem hoje acesso a pequenas, mas importantes somas (US$ 10, US$ 20 ou US$ 100 de uma vez), que, segundo Yunus, alçam da pobreza 5% dos clientes do Grameen Bank todo ano. É só ver o programa Credi-Amigo, do Banco do Nordeste. No seu livro sobre o programa, Microcredito, o mistério nordestino e o Grameen brasileiro, o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio, mostra que os clientes do Credi-Amigo pagam piamente seus credores e boa parte deles encontra um atalho para uma vida melhor. Sem subsídios.
Socorro. Mas, apesar dos bons exemplos, não há nenhum consenso sobre a meta principal do microcrédito: a de reduzir a pobreza. Um recente seminário em Nova York reuniu alguns dos maiores estudiosos do tema. Houve muito Power Point, mas sobraram dúvidas.

O professor Abhijit Banerjee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, descobriu que apenas 5% dos 7.400 clientes da microfinanceira Spandana, em Hyderabad, na Índia, fundaram empresas e quase ninguém aumentou os gastos com bens de consumo ou a educação formal. Idem para as Filipinas e Bangladesh, enquanto no Marrocos, dos 5 mil beneficiários da Al-Amana Microfinance, uma fração apenas consolidou suas empresas, melhorou a vida das mulheres, ou conquistou "grandes melhoras no seu bem estar".

Oferta. Sim, microcrédito pode ser crucial em momentos de crise ou desastre. Foi o caso do Haiti, após o terremoto, quando a financeira Fonkoze rapidamente levou dinheiro vivo a milhares de sobreviventes enquanto o sistema bancário estava paralisado. Mas passar do assistencialismo ainda é um desafio, já que levar dinheiro aos mais pobres custa dinheiro que os puristas não admitem que seja cobrado.

É o caso do banco mexicano Compartamos, maior operador privado de microcrédito da América Latina (1,3 milhão de clientes) que vive bombardeado por acusações de ganância. E, mesmo assim, nem o próprio banco sabe se seus empréstimos fazem muita diferença para os mais pobres. "Essa é uma indústria nascida de oferta e não de demanda", explicou ao seminário o fundador da instituição, Carlos Danel, que encomendou um estudo da Universidade Yale sobre o banco. "Ainda não sabemos como melhorar a vida dos clientes."

Alguns dos melhores resultados acontecem quando os microempréstimos se direcionam não aos mais pobres, mas sim às pessoas que já mostram vocação e visão empreendedora. Se não, tomar dinheiro, mesmo em doses mínimas, pode acabar complicando a vida de quem já vive na berlinda, afogando-o em obrigações e dívidas impagáveis - uma micro-tragédia com grandes consequências.