quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Fatura do Microcrédito

Problemas em microfinanceiras privadas. Fechamento de áreas de microcédito na Ásia. Esgotamento de modelo? Mudança de paradigma? A onda do microcrédito não é uma marola:-)
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Sinal amarelo no microcrédito
MAC MARGOLIS

O pedido de socorro das instituições de microcrédito indianas na semana passada reverberou.
A agonia do SKS Microfinance, com quase US$ 2 bilhões de empréstimos atrasados, varreu Wall Street, onde as ações do banco e de seus investidores oscilaram violentamente. Na dúvida, o grupo rival Share MicroFin, do bilionário neozelandês Christopher Chandler, adiou sua oferta pública de ações de US$ 221 milhões e adiou a fusão com outra microbanco. Enquanto a poeira voava, analistas internacionais se apressaram em rever suas apostas de crescimento vitaminado para esse setor que ganha clientes, operadores e devotos da África à América do Sul.
Será o prenúncio da próxima bolha, o colapso global das microfinanças?
Para os aficionados do setor, a crise da Índia é um alerta geral sobre um desvio fatal do microcrédito. O problema, segundo essa versão, não é estender crédito aos pobres - historicamente excluídos do crédito bancário -, mas sim lucrar com eles. Pois a taxa de juros exigida pelos microbancos privados seria escorchante, até criminosa: 27% ao ano no caso de SKS, ainda mais em outros bancos. Assim, os emprestadores anjos estariam traindo sua implícita missão social, induzindo o pobre a tomar dinheiro em termos que jamais conseguiria honrar.

Seria nada mais que a velha agiotagem de roupa nova. A solução? Intervenção do governo no mercado, tabelamento de juros e carência e anistia para os vulneráveis. Senão, será a crise subprime em reprise, agora com países pobres no papel da bola da vez.

Proteger os últimos na fila e obrigar os bancos a emprestar com mais responsabilidade faz parte do evangelho pós-crise global. Mas a crise no "nanocapitalismo" indiano suscita outra dúvida menos visível. O microcrédito funciona? Ajuda mesmo os pobres a se converter em empresários, e assim se elevar da miséria?

As perguntas parecem um despropósito. Afinal, emprestar centavos a centenas de milhões virou cânone da política de desenvolvimento esclarecido. Rendeu o Prêmio Nobel a Muhammad Yunus, economista e fundador do Grameen Bank, de Bangladesh, e se espraiou pelo planeta. A iniciativa privada abraçou a causa, e o setor hoje conta com quase 1.100 operadores que ostentam 78 milhões de pequenos tomadores, das palafitas de Daca aos cortiços do Harlem, com uma carteira global de US$38 bilhões.

Gente que jamais passaria pela catraca de um banco tem hoje acesso a pequenas, mas importantes somas (US$ 10, US$ 20 ou US$ 100 de uma vez), que, segundo Yunus, alçam da pobreza 5% dos clientes do Grameen Bank todo ano. É só ver o programa Credi-Amigo, do Banco do Nordeste. No seu livro sobre o programa, Microcredito, o mistério nordestino e o Grameen brasileiro, o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio, mostra que os clientes do Credi-Amigo pagam piamente seus credores e boa parte deles encontra um atalho para uma vida melhor. Sem subsídios.
Socorro. Mas, apesar dos bons exemplos, não há nenhum consenso sobre a meta principal do microcrédito: a de reduzir a pobreza. Um recente seminário em Nova York reuniu alguns dos maiores estudiosos do tema. Houve muito Power Point, mas sobraram dúvidas.

O professor Abhijit Banerjee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, descobriu que apenas 5% dos 7.400 clientes da microfinanceira Spandana, em Hyderabad, na Índia, fundaram empresas e quase ninguém aumentou os gastos com bens de consumo ou a educação formal. Idem para as Filipinas e Bangladesh, enquanto no Marrocos, dos 5 mil beneficiários da Al-Amana Microfinance, uma fração apenas consolidou suas empresas, melhorou a vida das mulheres, ou conquistou "grandes melhoras no seu bem estar".

Oferta. Sim, microcrédito pode ser crucial em momentos de crise ou desastre. Foi o caso do Haiti, após o terremoto, quando a financeira Fonkoze rapidamente levou dinheiro vivo a milhares de sobreviventes enquanto o sistema bancário estava paralisado. Mas passar do assistencialismo ainda é um desafio, já que levar dinheiro aos mais pobres custa dinheiro que os puristas não admitem que seja cobrado.

É o caso do banco mexicano Compartamos, maior operador privado de microcrédito da América Latina (1,3 milhão de clientes) que vive bombardeado por acusações de ganância. E, mesmo assim, nem o próprio banco sabe se seus empréstimos fazem muita diferença para os mais pobres. "Essa é uma indústria nascida de oferta e não de demanda", explicou ao seminário o fundador da instituição, Carlos Danel, que encomendou um estudo da Universidade Yale sobre o banco. "Ainda não sabemos como melhorar a vida dos clientes."

Alguns dos melhores resultados acontecem quando os microempréstimos se direcionam não aos mais pobres, mas sim às pessoas que já mostram vocação e visão empreendedora. Se não, tomar dinheiro, mesmo em doses mínimas, pode acabar complicando a vida de quem já vive na berlinda, afogando-o em obrigações e dívidas impagáveis - uma micro-tragédia com grandes consequências.