quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

ANALFABETISMO FUNCIONAL


O IPEA divulgou um importante e sumário estudo sobre o Analfabetismo funcional, no Brasil. (elaborado por Paulo Corbucci, com Eduardo Luiz Zen, Maria Piñon e da equipe de estatísticos da Assessoria Técnica Presidência)

Abaixo, uma síntese pessoal, com trechos retirados do próprio estudo. O estudo mostra que o analfabetismo tem sido reduzido de forma lenta no Brasil, inclusive se comparado a alguns países. Em grande medida, esse ritmo de redução se deve à incipiente inserção nos programas de alfabetização de jovens e adultos, assim como à sua baixa efetividade. O Brasil fez uma opção por deixar os que são analfabetos e prevenir novos. Tal afirmação é corroborada pelo aumento de cerca de 12% no contingente de analfabetos nesta faixa etária, no período analisado.

No contexto latino-americano, o Brasil se encontra em situação desfavorável em relação a quase todos os países. No entanto, deve-se ter cautela ao estabelecer comparações dessa natureza, dada a grande diversidade entre os mesmos, sobretudo no que se refere à formação histórica e dimensão populacional.

A definição de alfabetização que a Unesco propôs em 1958 limitava-se à capacidade de ler compreensivamente ou escrever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. Ainda hoje, esta é praticamente a definição utilizada pelo IBGE: são consideradas analfabetas as pessoas que não conseguem ler e escrever um bilhete simples.

Por sua vez, o conceito de analfabetismo funcional remonta, remonta à década de 1930, quando o exército norte-americano cunhou a expressão alfabetismo funcional como sendo “a capacidade de entender instruções escritas necessárias para a realização de tarefas militares.”

Coube à Unesco, no entanto, a disseminação da expressão a partir de 1978. Sob essa perspectiva, a pessoa que estivesse funcionalmente alfabetizada seria aquela em condições de inserir-se adequadante em seu meio, sendo capaz de desempenhar tarefas em que a leitura, a escrita e o cálculo são demandados para seu próprio desenvolvimento e para o desenvolvimento de sua comunidade.

Como tal definição não é passível de mensuração, o alfabetismo funcional passou a ser definido operacionalmente pela quantidade de anos de estudo. No entanto, dada a diversidade de contextos socioeconômicos e culturais existentes no mundo, não se tem um padrão de referência único. Por exemplo, países latino-americanos, entre os quais o Brasil, têm adotado como parâmetro definidor do analfabetismo funcional o nível de escolaridade inferior a 4 anos de estudo. No entanto, países ricos em geral adotam patamar mais elevado, em torno de 8 anos.

Além de tais padrões serem relativos, sabe-se que o número de anos de estudo nem sempre guarda relação direta com as habilidades de leitura, escrita e, principalmente, com a capacidade de interpretar textos e de raciocinar matematicamente. Evidência disso é que parcela das crianças brasileiras chega à 4ª série do ensino fundamental sem ter sido devidamente alfabetizada e, portanto, não seria um ano a mais de estudo que lhes alçaria à categoria dos funcionalmente alfabetizados.

Por fim, deve-se ter em mente que a desejada redução do analfabetismo gera, no curto e médio prazos, aumento do analfabetismo funcional. Portanto, a elevação deste indicador não significa, necessariamente, o agravamento da situação educacional de um povo, mas, sim, um passo intermediário na efetivação do direito de todos à educação.

Norte: O número de analfabetos diminuiu 5,1%, mas a taxa de analfabetismo teve redução da ordem de 17%, ou seja, acima da média brasileira. Em termos de UF, o destaque ficou para o Amapá, cuja taxa reduziu-se em cerca de 66%. Com isso, a taxa de analfabetismo neste estado passou a ser a mais baixa do Brasil: 2,8%.

Nordeste: O total de analfabetos caiu 8%, enquanto reduziu-se em 16,6% a taxa de analfabetismo. Todos os estados da região tiveram redução em termos absolutos e relativos. No Rio Grande do Norte, a proporção de analfabetos foi reduzida em 18,6% e na Bahia o número absoluto caiu 10%. Em ambos os casos, os índices são superiores à média nacional.

Sudeste: A redução do contingente de analfabetos (6,6%) foi ligeiramente menor que a média nacional. Apenas o Rio de Janeiro registrou índice mais favorável (12,3%). No entanto, a taxa de analfabetismo na região (5,7%) aproxima-se da taxa na região Sul (5,5%), que é a mais baixa do país.

Sul: Também nesta região a redução do número de analfabetos ficou abaixo da média nacional, devido ao aumento ocorrido em Santa Catarina (14%). Como, porém, o crescimento populacional neste estado também foi maior do que a média nacional, sua taxa de analfabetismo cresceu apenas 0,1 p.p. e atingiu 4,9% em 2009.

Centro-Oeste: Trata-se da região que apresentou menor queda do número absoluto de analfabetos (1,6%), uma vez que os estados de Mato Grosso do Sul e, principalmente, Mato Grosso tiveram aumento deste contingente. Mesmo assim, houve queda de 1,2 p.p. na taxa de analfabetismo na região, que atingiu 8% em 2009. Goiás e Distrito Federal lideraram essa tendência.



Desigualdades:

Analfabetismo funcional é bastante desigual, segundo as variáveis de destavantagem tradicionais, no Brasil: i) localização do domicílio; ii) raça ou cor; iii) sexo; e iv) renda.

Entre residentes de áreas rurais, a taxa aproximava-se de 23%, em 2009, enquanto a de moradores das cidades situava-se pouco acima de 7%. De todo modo, as maiores desigualdades se aprofundam quando se comparam os índices registrados nas UFs. Por exemplo, a diferença entre Alagoas e Rio Grande do Sul chega a 5 vezes.

Em relação à raça/cor, também são identificadas profundas desigualdades entre os níveis de analfabetismo de brancos e pretos/pardos. Entre os brancos, o índice caiu de 7,2% para 5,9%. Por sua vez, a taxa registrada por pretos e pardos declinou de 16,3% para 13,4%. Apesar de, entre estes, a taxa ter sido reduzida em quase 3 p.p., no período 2004-2009, não houve diminuição relativa da distância que separa esses dois grupos. No âmbito de cada região, porém, houve redução dessa diferença no Centro-Oeste, Norte e Sul, tendo o inverso ocorrido nas demais regiões. No entanto, deve-se ressaltar que pretos e pardos no Sudeste estão em situação bem mais vantajosa que os do Nordeste. Se entre aqueles a taxa de analfabetismo é de 8%, entre estes, ultrapassa 20%. Portanto, a desigualdade entre pretos e pardos que habitam essas duas regiões é maior que aquela entre brancos e pretos/pardos em nível nacional. Em alguma medida, a situação educacional segundo o recorte étnico é afetada pela variável socioeconômica.

Ainda que não fosse significativa a diferença da alfabetização entre homens e mulheres, como se observa em diversos países em desenvolvimento, houve sensível aproximação entre eles no período 2004-2009. Se, naquele ano inicial, o diferencial em favor das mulheres correspondia a 3,7%, em 2009 foi reduzido a 2,5%. Com isso, as taxas de analfabetismo de ambos os grupos ficaram, respectivamente, 0,1 p.p. abaixo e 0,1 p.p. acima da média nacional. Cabe ainda ressaltar que as diferenças entre os sexos são substancialmente maiores no âmbito de cada região. Enquanto em nível nacional a taxa entre homens é 2,5% maior que a das mulheres, nas regiões essa diferença oscila entre 8,5% e 21,5%.

É em renda que se evidenciam as maiores disparidades entre as taxas de analfabetismo no Brasil. Considerando-se os estratos de renda adotados pelo IBGE, verifica-se que o analfabetismo entre pessoas que se situam na faixa de renda familiar per capita maior que três e menor que cinco salários mínimos (SMs) é cerca de 20 vezes menor que as pertencentes à faixa de até um quarto de SM. Entre pessoas com renda familiar per capita superior a dois SM, a taxa de analfabetismo é de apenas 1,4%. No entanto, este segmento populacional é minoritário, pois corresponde a menos de 20% dos que declararam rendimentos. Desse modo, a faixa de até dois SM. concentra 93% dos analfabetos que declararam rendimentos.

Quando se agrega a variável regional, verifica-se aumento dessas disparidades. Por exemplo, o analfabetismo atinge 24,4% dos que se enquadram na primeira faixa de renda na região Nordeste, enquanto no Sudeste o índice é de 10,5%. Portanto, apesar de a variável renda evidenciar estreita relação com a incidência do analfabetismo, seu efeito é diferenciado quando se agregam variáveis que interferem, por exemplo, na oferta de educação de jovens e adultos.