terça-feira, 28 de setembro de 2010

Em Primeiro Lugar nas Pesquisas Acadêmicas

Um levantamento na CAPES informa que tivemos 209 trabalhos de pós-graduação (mestrado, doutorado e livre-docência) sobre o Governo Lula. Outra mirada revela que teremos, até o final de 2012 outros quase 600.
Definitivamente Lula liderará as pesquisas acdadêmicas nos próximos 10 anos, ou mais.
Nunca na história deste país, desde Getúlio, um presidente foi tão estudado :-)
Abaixo, na série "Sem dados e com Política", o psicanalista e professor da UNIFESP Tales Ab'Saber faz sua leitura freudiana do nosso guru. Inteligente arrazoado, com o mérito de ir além de uma leitura economicista, é uma leitura proveitosa.
Mas, Sáber escorrega em alguns preconceitos e em um discurso de tom inflado demais para um analista. Parece irritado, Freud Explica :-)


O corpo de Lula e o pacto social

Além de brindar os ‘mais pobres’ no projeto político, presidente tratou de cooptar os ‘muito ricos’

Tales A. M. Ab'Sáber

 
Lula deu início a seu governo declarando de modo desafiador e irônico que surpreenderia fundamentalmente tanto a direita quanto a esquerda. Afora o que há de autocomplacência lépida e demagogia comum na frase, de resto dimensões narcísicas do discurso que o político e seu governo jamais aboliram, há nela, em seu fundo, uma verdade política explícita forte, que acabou por se confirmar historicamente.

O principal da frase não é seu tom paradoxal e triunfante, a célebre tendência falastrona do presidente, da qual ele próprio é autoconsciente, mas a clara referência a fazer uma política que intervenha nos dois polos opostos da vida nacional, o claro desejo de articular os extremos em seu governo, e desde já podemos dizer, em seu corpo, de modo a que as posições políticas limites acabassem por suspender, rever e inverter seus próprios critérios, uma a favor da outra. E de fato este projeto foi desenvolvido, consciente ou inconscientemente, de modo determinado e por golpes do acaso, ao longo de seus dois governos.

Esse foi o paradoxo social e político do governo Lula. Ele foi expresso em duas dimensões: uma, junto à massa de pobres que aderiu pessoalmente ao presidente, como lulismo; outra, como pragmatismo e grande liberdade liberal, tanto para a economia quanto para os velhos e bons negócios da fisiologia e do amplo patrimonialismo brasileiro mais tradicional. O fato de um novo grupo, o do partido do presidente e dos sindicalistas ligados a ele, adentrar o velho condomínio do poder não representava problema suficiente para as velhas estruturas de controle político nacional, ainda mais se isso significasse, como acabou por se confirmar, o fim da tensão classista e contestatória própria à tradição histórica petista.

O fim incondicional da perspectiva de luta de classes do Partido dos Trabalhadores, e sua adesão enquanto partido no poder à tradição política imoral e particularista brasileiras, foi o primeiro e muito importante movimento político realizado pelo governo Lula, em sua busca de consenso em todo o espectro da vida social brasileira. Derrotado o próprio habitus de oposição de seu partido, que chegava ao poder através do corpo transferencial - ou seja, amoroso - de Lula, realizou-se sua primeira grande mágica política: a dissolução de qualquer oposição real ao próprio governo.

Isso por que, de fato, o segundo muito claro e ainda mais fundamental golpe, este de caráter econômico, simplesmente deixou a oposição à direita do governo durante anos sem objeto e sem discurso, para além de sua tradicional e dócil tendência de agregação a todo poder efetivo: Lula entregou inteiramente as grandes balizas macroeconômicas essenciais do país às avaliações e às tensões particulares do mercado interno e global, ao autonomisar na prática o Banco Central, realizando assim uma velha demanda neoliberal e peessedebista, além de colocar em sua direção um verdadeiro banqueiro internacional puro-sangue, Henrique Meirelles, ex-presidente do Bank Boston. Assim ele simplesmente se apropriou sub-repticiamente da árdua herança econômica tucana.

Esse golpe, como não poderia deixar de ser, atingiu profundamente as bases ideológicas e práticas da direita local. Através dele, com um gesto de cordialidade que seria retribuído, Lula simplesmente roubou a verdadeira base social tucana. Além de constelar as classes muito pobres em seu projeto político, o que já foi demonstrado por André Singer, Lula também cooptou amplamente os muito ricos, movimento sem o qual não se pode explicar o grande consenso que se criou ao redor do seu nome. Nas vésperas de sua segunda eleição, grandes banqueiros declaravam explicitamente nos jornais que para eles tanto fazia a vitória de Lula ou de seu rival conservador de então, Geraldo Alckmin. O que, de fato, creio que era uma inverdade. Eles preferiam Lula.

A grande direita econômica se realinhara ao redor de um governo neopopulista de mercado, que buscava realizar seu pacto social, que não foi escrito como o de Moncloa, mas garantido pelo corpo carismático especial de Lula. Era bom um governo a favor de tudo que pacificasse e integrasse as tensões sociais brasileiras tendo como único fiador mágico o corpo transferencial de Lula, a radicalidade de seu carisma.

O terceiro elemento muito poderoso na construção do amplo pacto social lulista foi a tão ampla quanto propagandeada política de bolsas sociais, articulada a uma imensa expansão do crédito popular, que, se não realizou a cidadania plena dos pobres de nenhum modo, lhes deu a importante ilusão de pertença social pela via de algum baixo consumo, o que, dado o estado atual de regressão das coisas humanas, é o único critério suficiente de realização e felicidade. E, também, de realização do próprio mercado e da produção local, que se aquecia, ficando feliz, bem feliz - como foi feliz a própria cultura soft e popzinha cheia de cantoras malemolentes do período. Lula passou a ser um grande agenciador do desejo geral ao ensaiar um mínimo circulo virtuoso na economia, com uma social democracia mínima, fundada de fato sobre o pacto político estranho que realizou. Resultado: certa vez ouvi, no mesmo dia, de um barão banqueiro e da diarista que trabalha em casa a mesma frase: "Lula fez muito bem para o Brasil".

Assim definitivamente, pela desmobilização da tradição crítica, pelos interesses graúdos bem garantidos, com boas perspectivas de negócios, e pelos pobres podendo sentir o gostinho de uma TV de plasma comprada em 30 meses, não havia por que existir, de nenhum modo, oposição política ao governo do então presidente, ex-pau de arara, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-socialista petista. Sua aprovação bateu e se manteve nos 80%, respondendo, de modo desigual, mas combinado, a interesses concretos diversos, articulados em seu corpo garantia, o que, considerando-se as clivagens ainda radicais do País, não deixa de ser uma verdadeira política do absurdo.

Para o desespero dos chiques entre si tupiniquins e paulistanos, Lula também continuou a sinalizar simbolicamente, abertamente, aos pobres com seu antigo habitus de classe, em festas juninas, churrascos com futebol e isopores de cerveja na praia privativa da Presidência, além do famoso futebolês, e assim convencendo-os facilmente e oniricamente, via identificação carismática - seu corpo transferencial - que eles não poderiam esperar nenhum ganho social para além dele, que ele, que era um deles, representava o limite social absoluto dos interesses dos pobres no País.

Ao final do período, um dado fantástico entrou em cena: com a falência adiantada, a partir de 2008, do capitalismo financeiro americano e europeu, o Brasil, com seu governo de esquerda a favor de tudo, se tornou um verdadeiro hype político e econômico global. Pela primeira vez na história deste País, dada a regressão e paralisação geral do sistema internacional, o Brasil, sempre algo avançado e algo regredido nas coisas da civilização, tornou-se "inteiramente contemporâneo" do momento atual do capitalismo global, que, em grande dívida consigo mesmo, não representava mais medida externa para países periféricos como o nosso. Noutras palavras, o capitalismo geral deu um grande passo na direção de sua brasilianização.

Assim, era necessário que surgisse tanto um novo modelo conservador que desse conta da avançada ruína neoliberal quanto uma injeção de esperança econômica para a crise geral, e nada como um bem-comportado mercado emergente como o brasileiro, satisfeito e integralmente convencido pelo sistema das mercadorias, para reanimar a ideologia mais ampla. Tudo isso Lula amarrou em seu amplo pacto, tramado em seu corpo retórico, que também tinha um grande potencial simbólico pop para a indústria cultural global, significante advindo do todo, nada estudado pelos cientistas sociais. Ele virou o cara, para um Obama em busca de alguma referência para o próprio descarrilamento econômico e social de seu mundo.

Enfim, liquidando a oposição, mantendo as práticas políticas fisiológicas tradicionais brasileiras, roubando a base social real da direita, promovendo uma mínima inserção social de massas pela via do consumo, exercitando seu carisma identificatório e pop com os pobres e com a indústria cultural global e servindo como modelo para o momento avançado da crise do capitalismo central, Lula simplesmente rapou a mesa da política nacional. Além, é claro, de sua proverbial estrela: no mesmo período o país descobriu petróleo e foi brindado pelo mercado do fetichismo universal da mercadoria com uma Copa do Mundo e uma Olimpíada! Certamente deve haver algum método, se não muito, em tal ordem fantástica das coisas.

Sua estrela, seu corpo carismático e sua habilidade pragmática, macunaímica para alguns, bras-cubiana para outros, certamente midiática e pós-ética, realizaram, com poucos mortos e feridos - aparentemente, sacrificou-se apenas a perspectiva crítica da esquerda, que é a minha - um verdadeiro pacto social a favor que, enquanto o PT de fato existiu, a direita jamais conseguiu realizar neste país.

TALES A. M. AB’SÁBER É PSICANALISTA E PROFESSOR DE FILOSOFIA DA PSICANÁLISE NO CURSO DE FILOSOFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP). É AUTOR DE O SONHAR RESTAURADO - FORMAS DO SONHAR EM BION, WINNICOTT E FREUD (ED. 34, 2005)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Lula sai do Planalto, mas continuará na Universidade...

Para meus caros economistas, este post é um intervalo nos dados para análise de significados. Abaixo copio o recente artigo do meu compadre André Singer e uma réplica da nossa (minha, de André e de tantos FFLCHentos) Sylvia Carvalho Franco.
André sintetiza seu artigo já clássico e histórico sobre o Lulismo, sua base social e lógica de sustentação, inclusive com  suas semelhanças com Vargas. Sylvia faz fortes seus contrapontos, e coloca uma análise de caráter moral na leitura do movimento. Seu texto é francamente mais quente e opinativo do que o de André, sempre fleumático como quem leria um manual de emergência no meio de um incêndio.
André faz uma análise mais distante, mesmo sendo muito próximo. Sylvia se engaja em um debate.
Minha impressão é que ambos acertam, mesmo quando podemos discordar deles. Acertam até no que discordam. Acertam em Todas comparaçoes históricas são imprecisas.
Talvez só se compreenda melhor o lulismo em algumas décadas. Não há distanciamento para tal análise, agora. O país parece dividido entre 3 torcidas organizadas: Lula FC, Anti-Lula FC e outra parte que trocou de canal e está assistindo a novela:-)
Mesmo assim, é certo que Lula deixará o Planalto para entrar definitivamente na Universidade, como assunto.

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A história e seus ardis



ANDRÉ SINGER


RESUMO

André Singer aplica às eleições de 2010 sua tese do “realinhamento” do eleitorado brasileiro, caracterizado pela adesão das classes baixas ao “lulismo” (por verem em Lula a possibilidade de ascensão social sem confronto) e pelo afastamento da classe média tradicionalmente petista, após o escândalo do mensalão

 
CONTA-SE QUE CERTA VEZ o engenheiro Leonel Brizola teria levado o metalúrgico Lula ao túmulo de Getúlio Vargas em São Borja (RS). Lá chegando, o gaúcho pôs-se a conversar com o ex-presidente. Depois de algumas palavras introdutórias, apresentou o líder do PT ao homem que liderou a Revolução de 1930: “Doutor Getúlio, este é o Lula”, disse, ou algo parecido. Em seguida, pediu que Lula cumprimentasse o morto. Não se sabe a reação do petista.
Será que algum dos personagens do encontro pressentiu que, naquela hora, estavam sendo reatados fios interrompidos da história brasileira? Desconfio que não.
Os tempos eram de furiosa desmontagem neoliberal da herança populista dos anos 1940/50. Mesmo aliados, em 1998 PT e PDT -praticamente tudo o que restava de esquerda eleitoralmente relevante- perderiam para Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno. O consulado tucano parecia destinado a durar pelo menos 20 anos e trazer em definitivo o neoliberalismo para o Brasil.
Foi por uma brecha imprevista, aberta pelo aumento do desemprego no segundo mandato de FHC, que Lula encontrou o caminho para a Presidência da República. Para aproveitá-la, fez substanciais concessões ao capital, pois a ameaça de radicalização teria afastado o eleitorado de baixíssima renda, o qual deseja que as mudanças se deem sem ameaça à ordem.
Apesar da pacificação conquistada com a “Carta ao Povo Brasileiro” ter sido suficiente para vencer, o subproletariado não aderiu em bloco. Havia mais apoio entre os que tinham renda familiar acima de cinco salários mínimos do que entre os que ganhavam menos do que isso, como, aliás, sempre acontecera desde 1989. Ainda que as diferenças pudessem ser pequenas, elas expressavam a persistente desconfiança do “povão” em relação ao radicalismo do PT.
Depois de 2002, tudo iria mudar. A vitória levaria ao poder talvez o mais varguista dos sucessores do dr. Getúlio. Não em aspectos superficiais, pois nestes são expressivas as diferenças entre o latifundiário do Sul e o retirante do Nordeste. Tampouco no sentido de arbitrar, desde o alto, o interesse de inúmeras frações de classe, fazendo um governo que atende do banqueiro ao morador de rua. Dadas as condições, todos os presidentes tentam o mesmo milagre.
O que há de especificamente varguista é a ligação com setores populares antes desarticulados. Ao constituir, desde o alto, o povo em ator político, o lulismo retoma a combinação de autoridade e proteção aos pobres que Getúlio encarnou.
Mas em 1º de janeiro de 2003 ninguém poderia prever o enredo urdido pela história. Para manter em calma a burguesia, o mandato inicial de Lula, como se recorda, foi marcado pela condução conservadora nos três principais itens da macroeconomia: altos superavits primários, juros elevados e câmbio flutuante. Na aparência, o governo seguia o rumo de FHC e seria levado à impopularidade pelas mesmas boas razões.

De fato, 2003 foi um ano recessivo e causou desconforto nos setores progressistas. Ao final, parte da esquerda deixou o PT para formar o PSOL. Mesmo com a retomada econômica no horizonte de 2004, Brizola deve ter morrido em desacordo com Lula, por ter transigido com o adversário.

Ocorre que, de maneira discreta, outro tripé de medidas punha em marcha um aumento do consumo popular, na contramão da ortodoxia. No final de 2003, dois programas, aparentemente marginais, foram lançados sem estardalhaço: o Bolsa Família e o crédito consignado. Um era visto como mera junção das iniciativas de FHC. O segundo, como paliativo para os altíssimos juros praticados pelo Banco Central.

Em 2004, o salário mínimo começa a se recuperar, movimento acelerado em 2005. Comendo o mingau pela borda, os três aportes juntos começaram a surtir um efeito tão poderoso quanto subestimado: o mercado interno de massa se mexia, apesar do conservadorismo macroeconômico.

Nas pequenas localidades do interior nordestino, na vasta região amazônica, nos lugares onde a aposentadoria representava o único meio de vida, havia um verdadeiro espetáculo de crescimento, o qual passava despercebido para os “formadores de opinião”.

Quando sobrevém a tempestade do “mensalão” em 2005 -e, despertado do sono eterno pela reedição do cerco midiático de que fora vítima meio século antes no Catete, o espectro do dr. Getúlio começa a rondar o Planalto-, já estavam dadas as condições para o passo decisivo.

Em 3 de agosto -sempre agosto-, em Garanhuns (PE), perante milhares de camponeses pobres da região em que nascera, Lula desafiou os que lhe moviam a guerra de notícias: “Se eu for [candidato], com ódio ou sem ódio, eles vão ter que me engolir outra vez”.

Até então, a ligação entre Lula e os setores populares era virtual. Chegara ao topo cavalgando uma onda de insatisfação puxada pela classe média. Optou por não confrontar os donos do dinheiro. Perdeu parte da esquerda. Na margem, acionou mecanismos quase invisíveis de ajuda aos mais necessitados, cujo efeito ninguém conhecia bem.

Foi só então que, empurrados pelas circunstâncias, o líder e sua base se encontraram: um presidente que precisava do povo e um povo que identificou nele o propósito de redistribuir a renda sem confronto.

Os setores mais sensíveis da oposição perceberam que fora dada a ignição a uma fagulha de alta potência e decidiram recuar. A hipótese de impedimento foi arquivada, para decepção dos que não haviam entendido que placas tectônicas do Brasil profundo estavam em movimento.

Em 25 de agosto, um dia depois do aniversário do suicídio de Vargas, Lula podia declarar perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social que a página fora virada: “Nem farei o que fez o Getúlio Vargas, nem farei o que fez o Jânio Quadros, nem farei o que fez o João Goulart. O meu comportamento será o comportamento que teve o Juscelino Kubitschek: paciência, paciência e paciência”. Uma onda vinda de baixo sustentava a bonomia presidencial.

O Lula que emerge nos braços do povo, depois da crise, depende menos do beneplácito do capital. Daí a entrada de Dilma Rousseff e Guido Mantega em postos estratégicos, o que mudou aspectos relevantes da política macroeconômica. Os investimentos públicos, contidos por uma execução orçamentária contracionista, foram descongelados no final de 2005. O salário mínimo tem um aumento real de 14% em 2006.

Para o público informado, a constatação do que ocorrera ainda demoraria a chegar. Foi preciso atingir o segundo turno de 2006 para que ficasse claro que o povo tinha tomado partido, ainda que em certos ambientes de classe média “ninguém” votasse em Lula.

A distribuição dos votos por renda mostra a intensa polarização social por ocasião do pleito de 2006. Pela primeira vez, o andar de baixo tinha fechado com o PT, antes forte na classe média, numa inversão que define o realinhamento iniciado quatro anos antes.

Embora, do ponto de vista quantitativo, a mudança relevante tenha se dado em 2002, o que define o período é o duplo movimento de afastamento da classe média e aproximação dos mais pobres. Por isso, o mais correto é pensar que o realinhamento começa em 2002, mas só adquire a feição definitiva em 2006. Como, por sinal, aconteceu com Roosevelt entre 1932 e 1936.

Assentado sobre uma correlação de forças com menor pendência para o capital, o segundo mandato permitirá a Lula maior desenvoltura. Com o lançamento do PAC, fruto de um orçamento menos engessado, aumentam as obras públicas, as quais vão absorver mão de obra, além de induzir ao investimento privado

Em 2007, foi gerado 1,6 milhão de empregos, 30% a mais do que no ano anterior. A recuperação do salário mínimo é acelerada, com aumento real de 31% de 2007 a 2010, contra 19% no primeiro mandato, conforme estimativa de um dos diretores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)2. A geração de emprego e renda explica os 70% de aprovação do governo desde então.

Nem mesmo a derrubada da CPMF, com a qual a burguesia mostrou os dentes no final de 2007, reduziu o ritmo dos projetos governamentais. A transferência de renda continuou a crescer. Foi só ao encontrar a parede do tsunami financeiro, no último trimestre de 2008, que se interrompeu o ciclo ascendente de produção e consumo. Teria chegado, então, segundo alguns, a hora da verdade. Com as exportações em baixa, o lulismo iria definhar.

Mas o lulismo já contava com um mercado interno de massa ativado, capaz de contrabalançar o impacto da crise no comércio exterior. A ideia, difundida pelo presidente, de que a população podia comprar sem medo de quebrar, ajudou a conter o que poderia ser um choque recessivo e a relançar a economia em tempo curto e velocidade alta.

Além da desoneração fiscal estratégica, como a do IPI sobre os automóveis e os eletrodomésticos da linha branca, o papel dos bancos públicos -em particular o do BNDES- na sustentação das empresas aumentou a capacidade do Estado para conduzir a economia. Numa manobra que lembra a de Vargas na Segunda Guerra, Lula utilizou a situação externa para impulsionar a produção local.

Surge uma camada de empresários -Eike Batista parece ser figura emblemática, como notava dias atrás um economista-, dispostos a seguir as orientações do governo. A principal delas é puxar o crescimento por meio de grandes obras, como as de Itaboraí -o novel polo petroquímico no Estado do Rio-, as de Suape (PE) e de Belo Monte, na Amazônia. Cada uma delas alavancará regiões inteiras.

Por fim, a aliança entre a burguesia e o povo, relíquia de tempos passados que ninguém mais achava que pudesse funcionar, se materializa diante dos olhos. Que o estádio do Corinthians em Itaquera não nos deixe mentir.

A candidatura Dilma representa o arco que o lulismo construiu. A ex-ministra, por sua biografia, é talhada para levar adiante um projeto nacional pluriclassista. O fato de ter sido do PDT até pouco tempo atrás não é casual. A mãe do PAC tem uma visão dos setores estratégicos em que a burguesia terá que investir, com o BNDES.

O povo lulista, que deseja distribuição da renda sem radicalização política, já dá sinais de que o alinhamento fechado em 2006 está em vigor. Em duas semanas de propaganda eleitoral na TV, Dilma subiu 9 pontos percentuais e Serra caiu 5. À medida que os mais pobres adquirem a informação de que ela é a candidata de Lula, o perfil do seu eleitorado se aproxima do que foi o de Lula em 2006. Ou seja, o voto em Dilma cresce conforme cai a renda, a escolaridade e a prosperidade regional.

A classe média tradicional, em que pese aprovar o governo, continuará a votar na oposição, como demonstram a dianteira de Serra em Curitiba e o virtual empate em São Paulo, municípios em que o peso numérico das camadas intermediárias é significativo.

Parte delas, sobretudo entre os jovens universitários, deverá optar por Marina Silva. Isso explica por que os que têm renda familiar mensal acima de cinco salários mínimos dão 12 pontos percentuais de vantagem para a soma de Serra e Marina sobre Dilma na pesquisa Datafolha concluída em 3/9.

O problema da oposição é que esse segmento reúne apenas 14% do eleitorado, de acordo com a amostra utilizada pelo Datafolha, enquanto os mais pobres (até dois salários mínimos de renda familiar mensal) são 48% do eleitorado. Nesse segmento, Dilma possui uma diferença de 22 pontos percentuais sobre Serra e Marina somados! Se vier a ganhar no primeiro turno, será graças ao apoio, sobretudo, dos eleitores de baixíssima renda, como ocorreu com Lula na eleição passada.

A feição popular da provável vitória de Dilma confirma, assim, a hipótese que sugerimos no ano passado a respeito da novidade que emergiu em 2006. Se estivermos certos, por um bom tempo o PSDB precisará aprender a falar a linguagem do lulismo para ter chances eleitorais. Não se trata de mexicanização, mas de realinhamento, o qual significa menos a vitória reiterada de um mesmo grupo e mais a definição de uma agenda que decorre do vínculo entre certas camadas e partidos ou candidatos.

Quando um governo põe em marcha mecanismos de ascensão social como os que se deram no New Deal, e como estamos a assistir hoje no Brasil, determina o andamento da política por um longo período. Num primeiro momento, trata-se da adesão dos setores beneficiados aos partidos envolvidos na mudança -o Partido Democrata nos EUA, o PT no Brasil.

Com o passar do tempo e as oscilações da conjuntura, os aderentes menos entusiastas podem votar em outro partido, mesmo sem romper o alinhamento inicial. Foi o que aconteceu com as vitórias do republicano Eisenhower (1952 e 1956) e dos democratas Kennedy (1960) e Johnson (1964).

Mas para isso a oposição não pode ser extremada, como bem o percebeu a hábil Marina Silva. Até certa altura da sua campanha, José Serra igualmente trilhou esse caminho. Foi a fase em que propôs cortar juros e duplicar a abrangência do Bolsa Família.

Depois, tragado pela lógica do escândalo, retornou ao caminho udenista da denúncia moral, que só garante os votos de classe média -o que, no Brasil, não ganha eleição. Convém lembrar que no ciclo dominado pelo alinhamento varguista, a UDN só conseguiu vencer com um candidato: Jânio Quadros, que falava a linguagem populista. Fora disso, resta o golpe, sombra da qual estamos livres.

Qual será a duração do ciclo aberto em 2002, completado em 2006, e, aparentemente, a ser confirmado em 2010? O realinhamento abrange, por definição, um período longo. O último que vivemos, dominado pelo oposicionismo do MDB/PMDB, durou 12 anos (1974-86) e foi sepultado, quem sabe antes do tempo, pelo fracasso em controlar a inflação. A resposta para o atual momento também deve contemplar a economia.

Por isso, as condições de manter, pelo menos, o ritmo de crescimento médio alcançado no segundo mandato de Lula, algo como 4,5% de elevação anual do PIB, estarão no centro das preocupações do novo presidente. Sem ele, as premissas do lulismo ficam ameaçadas. Recados criptografados sobre a necessidade de reduzir a rapidez do crescimento e de fazer um ajuste fiscal duro já apareceram na imprensa, dirigidos a Dilma, provável vencedora.

O capital financeiro -apelidado na mídia de “os mercados”- vai lhe cobrar o tradicional pedágio de quem ainda não “provou” ser confiável. Caso os reclamos de pisar no freio não sejam atendidos, sempre haverá o recurso de o BC -cuja direção deverá continuar com alguém como Henrique Meirelles, senão o próprio- aumentar os juros. O aumento real do salário mínimo no primeiro ano de governo, que dependerá da presidente, pois o PIB ficou estagnado em 2009, será outro teste relevante.

Convém notar que, no segundo mandato de Lula, ainda que de modo relutante, o BC foi obrigado a trabalhar com juros mais baixos. Mas o cabo de guerra será reiniciado no dia 3 de janeiro de 2011. Com os jogadores em posse de um estoque de fichas renovados pela eleição, uns apostarão em uma recuperação do espaço perdido, outros numa aceleração do caminho trilhado no segundo mandato.

O PMDB, elevado à posição de sócio importante da vitória, atribuiu-se, na campanha, o papel de interlocutor com o empresariado. O PT, possivelmente fortalecido por uma bancada maior, deverá, pela lógica, fazer-lhe o contraponto do ângulo popular. A escolha dos presidentes da Câmara e do Senado, em fevereiro, servirá de termômetro para o balanço das respectivas forças.

O futuro do lulismo dependerá de continuar incorporando, com salários melhores, os pobres ao mundo do trabalho formal. Em torno desse ponto é que se darão os principais conflitos e se definirá a extensão do ciclo. Alguns analistas da oposição alertam para a proximidade de um índice de emprego que começará a encarecer a mão de obra e gerar inflação. Como mostra Stiglitz,3 é a conversa habitual dos conservadores para brecar a expansão econômica.

Por fim, não se deve esquecer que uma palavra decisiva sobre esses embates virá de São Bernardo, onde residirá o ex-presidente, bem mais perto da capital do que foi, no passado, São Borja.

Aguardam-se os conselhos de Vargas e Brizola, dos quais poderemos tomar conhecimento naquelas mensagens psicografadas por Elio Gaspari.
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Notas
1. Ver André Singer. “Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo”, “Novos Estudos”, 85, nov 2009. Link para o artigo em folha.com/ilustríssima
2. Ver João Sicsú. “Dois Projetos em Disputa”. “Teoria e Debate”, 88, mai/jun 2010.
3. Ver Joseph Stiglitz, “Os Exuberantes Anos 90″, Companhia das Letras, 2003.

Ao constituir, desde o alto, o povo em ator político, o lulismo retoma a combinação de autoridade e proteção aos pobres que Getúlio encarnou. Empurrados pelas circunstâncias, o líder e sua base se encontraram: um presidente que precisava do povo e um povo que identificou nele o propósito de redistribuir a renda sem confronto
Em 2006, pela primeira vez, o andar de baixo tinha fechado com o PT, antes forte na classe média, numa inversão que define o realinhamento iniciado quatro anos antes
A aliança entre a burguesia e o povo, que ninguém mais achava que pudesse funcionar, se materializa diante dos olhos. Que o estádio do Corinthians em Itaquera não nos deixe mentir

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Razões e desrazões do lulismo
O lulismo seria um continuador do varguismo? Sim, mas pelo que Getúlio tinha de pior, segundo Maria Sylvia Carvalho Franco e Sergio Fausto, que fazem um contraponto ao artigo de André Singer "A história e seus ardis", publicado na Ilustríssima, em 19/9



De casas, pastores e lobos


RESUMO Lula valeu-se da herança varguista do paternalismo para constituir seu governo e sua popularidade, calçada na cultura da carência dos brasileiros, em violações de direitos e no marketing político. O alardeado êxito comercial leva a escolhas eleitorais sem racionalidade, que ignoram fragilidades econômicas e valores cívicos.


MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
ENTRE AS IMAGENS ARCAICAS do poder político estão as do pastor e do pai. Esta última figura, o presidente Lula reclamou explicitamente para si. Não bastasse a evocação do paternalismo, as mazelas que o acompanham fazem-se mais e mais visíveis. O cerne dessa ordem está, justamente, em transpor a casa -moradia da família grande, com pais, filhos, parentes, clientela, compadres, afilhados e companheiros- para o palácio, com seus membros convertidos em ministros, deputados e senadores, agregados, sindicalistas e executivos de empresas oficiais.
Emblemáticos desse regime são os acontecimentos na Casa Civil deste governo, tornada gabinete pessoal de José Dirceu e da ministra demissionária. Ambos convenientemente descartados. Lula de nada sabia, esteve cego, surdo, calado; Dilma resguarda-se dos eventuais dolos de seu factótum, simples "assessora".
A gratidão aos acólitos, nula nesses protagonistas, é virtude privada e pouco interessa em política: importantes são os princípios que fundam o Estado e o espírito da magistratura, como a prudência e o respeito à legalidade. Nesse campo ético, o governante obriga-se a responder por seus próprios atos e os de seus adjuntos. O avesso dessa máxima orienta nossos dirigentes. Em atos e palavras, a disciplina necessária aos negócios públicos é subvertida com farsas tramadas para eludir responsabilidades.
Daí é um passo converter a economia doméstica em economia política, o interesse privado em fins coletivos, a dominação pessoal em benefício para os pobres, a pura mentira em razão de Estado. O crime de violação de sigilos constitucionalmente garantidos, como as declarações de rendimentos, transforma-se em ato banal para o ministro da Fazenda. As vítimas desse atentado convertem-se em réus, a imprensa que divulga os feitos transforma-se em golpista que os maquina.
A esse quadro de condutas e valores invertidos Dilma pertence: escolheu integrá-lo ao sagrar-se "mãe", como seu padrinho diz-se "pai" dos brasileiros. À sombra do arcaico paternalismo, acomodou-se um esmaecido perfil de mulher moderna, da jovem ex-resistente contra a ditadura, da universitária e profissional habilitada.
É confrangedor ver a espinha humana vergar às técnicas de controle político: a curvatura vai da aparência física à indumentária, ao discurso, à identidade, perdida na aliança com personagens cujo estigma a candidata quer afastar de si. José Dirceu faz sua campanha Brasil afora, Antonio Palocci -derrubado no episódio da violação, sem mais, de um preceito constitucional- a avaliza junto aos empresários, temerosos da "guerrilheira", mas desatentos à ameaça que representa, a eles como a toda a cidadania, a possível devassa, sem ordem judicial, na vida econômica de qualquer pessoa. Palocci é enaltecido em jantar, com direito a fotografia risonha e cordial, impressa em jornais, comemorando a "classe média" alardeada na propaganda e erguida ao paraíso mercantil. 
 Há quem afirme que essa "classe média, pela primeira vez neste país, compra e vota com racionalidade". A associação é significativa: compra e vota. Racionalidade, nesse exíguo espaço de pensamento, inexiste: se a minguada Bolsa Família -suposto arcano da prosperidade- permite ao pobre comer, a racionalidade vai da mão para a boca (dizia o velho Marx).
Esse critério de voto realça outro arquétipo do mando político, o pastoreio, reativado por Lula e Dilma ao prometerem "cuidar" dos brasileiros. Filhos são singulares, não compõem um rebanho de animais dóceis, tangidos pelo pastor. Este "trata" de sua manada: a alimenta, supervisiona e preside seus cruzamentos, reproduzindo-a e engordando-a para o corte. Se o pastor e seus ajudantes fornecem comida, dia virá em que, por sua vez, comerão o redil, convertendo-se em lobos, saciando-se com o poder garantido pelos votos encurralados.
É esse viés obsoleto que Lula soube expandir, distorcendo o regime democrático. Não raro, o pastor comunga, com sua confraria, a mesma origem e formação, o que o torna conhecedor das almas que visa aliciar e bom juiz das palavras que as atingirão. Mas, neste caso, Lula não é só um ex-partícipe do rebanho e do sertão que abandonou, ao passar para a classe dominante com suas benesses: ele é simbólico dessa cultura de carência e sabe explorá-la, apoiado em suas falanges de marqueteiros.
A clássica técnica de dominação -medo e esperança-, entranhada na crença em entidades salvadoras, é a energia que nutre o fantástico aplauso ao governo: o temor de perder o recebido, conjugado à expectativa de conservá-lo e à gratidão pela dádiva concedida, não deixa nada contido "sub ordine rationis", tudo é carreado para a superstição.
O amálgama -fé e graça- impulsiona o calamitoso circuito inverso, rumo ao retrocesso, de nossas instituições políticas. Em entrevista à Folha, Maria Celina D'Araujo cotejou o presente "pai do povo" com Getúlio Vargas, destacando decisiva diferença entre ambos: Vargas formou uma força de trabalho industrial, urbana, organizada. Interferiu, portanto -muitas vezes para o mal, com implacável ditadura-, nas diretrizes da organização econômica e social do país. Sua outorga de direitos ao trabalhador não gerou uma consciência autônoma, mas não explorou o puro assistencialismo.
Lula projetou a cultura política para atrás de Vargas, revertendo-a no mínimo à República Velha (1889-1930), com a sua tralha de favores, hoje reforçada pela ampliação capitalista e pelas técnicas de controle sociocultural, monitorando as eleições desde as imagens dos candidatos até o mais recôndito sufrágio. De Vargas, retomou o domínio do sindicato e transfez o peleguismo em arma para o aparelhamento do Estado.
 Voltando ao pastor: se o rebanho prospera, alimentado pelos milhões aspergidos na economia, o milagre alimenta o comércio especializado em vender para pobres, para a "classe média" que teria alterado, reza a propaganda, a estrutura social do país. Mas, de fato, os pobres continuam pobres, não raro adquirindo produtos inferiores e precários (por isto mesmo reiterativos das compras), "made in China" ou aqui produzidos por imigrantes ilegais na situação de escravos.
Enquanto isto, o comércio de altíssimo luxo multiplica-se nos centros ricos. A pletora de importações -da quinquilharia aos carros preciosos, todos produtos acabados- anuncia a desindustrialização e compromete as reservas cambiais (lembremos de Dutra). Insistindo no plano comercial -a grande arma publicitária-, indaga-se: que é da menor desigualdade social? Até quando se afastará a inadimplência (Serasa, agosto 2010)?
E o setor produtivo, com a perda bilionária da exportação de bens industrializados, face à de matérias-primas, com a pauta de exportações regredindo ao nível de l978, resultando em queda no saldo comercial, rombo nas contas externas e maior dependência de capitais a curto prazo?
Enfim, menos empregos e menos riqueza, somadas a outras consequências, como a falta de infraestrutura e a evasão empresarial (Associação do Comércio Exterior do Brasil). A economia vai bem? O ministro da Fazenda inverte sua tendência funesta e afirma que a exportação majoritária de commodities não é problema.
Impossível ser contra mitigar a pobreza material, mas a vida do espírito não deve continuar miserável. Que livre-arbítrio pode emergir nesse mundo avesso à consciência crítica? Esta é outra arma brandida pela sofística própria à propaganda. Quanto menos informados os eleitores (a não ser no interesse da facção que sustenta a catequese, como o merchandising de seus prosélitos), melhor para os marqueteiros, exímios em desvirtuar os valores democráticos para alavancar seus mecenas. Essa inversão ética bloqueia compreensões racionais: há quem fique perplexo diante da sobrevivência de Lula através dos escândalos que o atingem, razões sobejas para sua rejeição. Mas a solércia o leva a abandonar os náufragos, convertendo a ingratidão pessoal em decoro cívico, punitivo da prevaricação. Os subterfúgios que implementou fornecem-lhe a escapatória: nada acontece porque o chamado "cenário" onde ele habita funda-se na desrazão instalada ao longo das camadas sociais, tornando-as crédulas em maravilhas. Todas as aparências servem à prestidigitação publicitária: o mundo efetivo é escondido, as deformações de seus aspectos são meticulosamente produzidas, mitos fabricam os candidatos, engrandecendo suas proporções.
O perigo, nessa engrenagem de seres vivos, é que estes podem escapar ao planejado: a irracionalidade que a sustenta pode ameaçá-la, pelo açodamento e por certezas impensadas, como em suas crises periódicas.
De todo modo, enquanto a falange de marqueteiros a serviço de Lula, infantaria pesada, faz razia no território político e colhe seu butim, a desordenada oposição custou a perceber que caíra, distraída, em um campo de batalha.
"Lula não é só um ex-partícipe do sertão que abandonou, ao passar para a classe dominante: ele é simbólico dessa cultura de carência e sabe explorá-la"
"Impossível ser contra mitigar a pobreza, mas a vida do espírito não deve continuar miserável. Que livre-arbítrio pode emergir nesse mundo avesso à consciência crítica?"

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DAQUELE PAÍS...


A Assembléia Geral da ONU neste ano tem as Metas do Milênio como tema. OS EUA não cumpriram suas metas de aumento no investimento em Desenvolvimento (AID). Ao contrário,reduziram em 0.2% nos últimos 10 anos. Hoje o Tio Sam percentualmente falando está em 11o. no ranking de ajuda. Mas ainda é o primeiro em volume.

Obama, no discurso da ONU, entre uma catástrofe ecológica e um atoleiro militar, tentou  lembrar em alguma coisa o mesmo presidente da sua campanha.

Para isto, lançou nesta semana, a primeira política para o Desenvolvimento. Sim, os EUA nunca tiveram uma política nacional para isto. Por aqui, temos política para tudo. A maioria delas avançadíssima. Tão avançada que nem as alcançamos.
Por lá é diferente. As políticas são mais realistas. E levam muito a sério as poucas políticas que fazem. Tanto que estas mesmas políticas dão apoio a muitas barbaridades.
Assim, a tal nova e inédita política do companheiro Obama, não faz dele “o cara”, mas é um avanço que deve refletir na prática dos EUA e na maioria das ONGs de desenvolvimento mundial.
A nova política aponta para uma ênfase em tecnologia sobre quantidade como fator de resposta. Quer posicionar os EUA nas áreas mais “soft” da ajuda de desenvolvimento e não apenas em distribuição de alimentos.

A estratégia para o desenvolvimento terá 3 pilares:


1. Desenvolvimento sustentável com uma base em: desenvolvimento econômico, governança democrática, inovações “que modem o jogo” e sistemas sustentáveis para responder às necessidades básicas.


2. Um modelo operacional novo (baseado em parcerias de alta excelência técnica) que posicione os EUA em um papel mais efetivo e de liderança na área.


3. Uma arquitetura que promova o desenvolvimento e as capacidades para promovê-lo em todos os setores do governo em apoio a objetivos comuns.






O texto todo, ainda em inglês, ....


http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2010/09/22/fact-sheet-us-global-development-policy

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Desigualdade e Pobreza: Nem Canadá, Nem Paraguai...

Desculpe-me o "colega" sociólogo FHC :-), que em entrevista neste final de semana disse que "desigualdade não é tudo". Pode não ser tudo, mas é fundamental.

América Latina teve um crescimento econômico forte nos últimos 6 anos, só comparável à década de 70. Mas, como uma diferença marcante. A desigualdade caiu em todo o continente.

Os reflexos nos indicadores sociais de todo o continente são visíveis em redução da pobreza e melhoria de indicadores de saúde e bem-estar. Mas, a desigualdade ainda é muito grande e isto reduz significativamente o impacto positivo do crescimento.

Para entender. Se o Brasil tivesse o mesmo índice de desigualdade do Canadá, o mesmo crescimento econômico experimentado teria reduzido a pobreza a menos de 5% da população, contra os quase % atuais.

É covardia comparar com o Canadá? OK. Se fôssemos tão desiguais quanto o Paraguai, teríamos menos da metade de população abaixo da linha da pobreza. Crecer sem reduzir desigualdades para níveis menos indecentes é enxugar gelo e perder a oportunidade histórica do ciclo de crescimento. Ninguém acha que este ciclo durará para sempre.

Estes e outros dados mostram que crescimento econômico sozinho não resolve (porque resolve pouco e lentamente). São necessárias políticas fortes para redução da desigualdade, que ataquem as brechas, no longo-prazo (educação pública de alta qualidade) e no curto (transferência de renda, créditos subsidiados, políticas afirmativas, etc...).

Sem redução significativa da brecha, melhor se mudar para o Paraguai.

Estes e outros dados no excelente relatório da CEPAL sobre Metas do Milênio e Desigualdade na ALyC.





quinta-feira, 16 de setembro de 2010

4 MILHOES E MEIO DE CRIANÇAS SEM CRECHE

O Brasil tem um total 13,6 milhões de crianças de 0 a 4 anos. Estudo da Fundação Abrinq (com dados da PNAD2209) aponta que 80% delas estão fora das creches. Como há uma estimativa de crianças que, mesmo sem estar na creche, vive em famílias que podem prover estimulação, cuidado e nutrição adequadas, o Plano Nacional de Educação prevê que 50% das crianças deveriam ter acesso aos cuidados complementares de uma creche.

Conclusão: QUASE 4 MILHOES E MEIO DE CRIANÇAS BRASILEIRAS QUE PRECISAM, NÃO TÊM ACESSO A UMA CRECHE.


O levantamento mostra ainda que, em relação a 2008, houve um aumento no número de crianças atendidas muito pequeno em relação ao ano anterior - 81,9% das crianças nessa faixa etária não frequentavam creches.
Só na cidade de São Paulo, onde os chamadas de Centros de Educação Infantil (CEI), funcionam em período integral e atendem o público de 0 a 3 anos há uma lista de espera de 94.974 crianças. Mas, as crianças não podem esperar. Estudos comprovam relação direta entre a primeira infância e o futuro desempenho escolar, o desenvolvimento emocional e outros. Uma pesquisa pela Universidade de Sussex, divulgada em 2008 (www.sussex.ac.uk) acompanhou crianças britânicas por 20 anos. Mesmo descontado todos os demais fatores socioeconômicos, crianças não atendidas apropriadamente até os 4 anos, demonstraram menos chances de sucesso financeiro, maior taxas de envolvimento em eventos violentos e relatavam mais problemas de relacionamento.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação responsabiliza os municípios pela oferta da educação infantil, mas, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, governo tem de atender a demanda. Neste jogo de empurra, o Brasil deixa descoberto um período chave para todo o desenvolvimento futuro da criança.
A brecha de investimento necessária para cumprir as metas do Plano Nacional de Educação é estimada em apenas R$ 4 Bilhões anuais o que corresponde a menos de 10% do superávit primário ou ¼ do orçamento previsto para a Copa-2014.
O estudo será divulgado no Seminário Nacional, realizado hoje e amanhã, em São Paulo.

http://www.fundabrinq.org.br/portal/noticias/ano/2010/setembro-/seminario-nacional-creche-para-todas-as-criancas.aspx

(c/ trechos de Mariana Mandelli)



quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Nordeste ajuda o desenvolvimento do Sudeste, Novamente.


Por caminhos indiretos, o Nordeste está contribuindo para o aumento da renda no Sudeste.

A melhoria econômica vivida na região Nordeste (aumento do emprego, melhoria do SM + programas sociais) reduziu o fluxo migratório em direção ao Sudeste. Esta redução, aliada ao aquecimento de áreas como construção civil e serviços, aumentou a escassez de mão-de-obra no Sudeste. Com menos disponibilidade, os salários começaram a subir, assim como, as exigências (escolaridade , idade e experiência) diminuiram.

Os Estados do NE  mais de 1/3 das vagas criadas pelo setor da construção (12 meses). 
Também o varejo, de todos os tamanhos, aumentaram a tendência de crescimento. Um dos fatores é o incremento do consumo das classes C e D, impactos mais fortemente pelo aumento do SM e pelo Bolsa-Família. Aproximadamente 350 mil das vagas formais criadas, em um ano, e 1/3dos postos foram geradas nos Estados nordestinos. A expansão nacional média foi de + de 16%, a do NE, quase o dobro.
Em sistemas assimétricos com grande desigualdade, todo crescimento do mais pobre gera riqueza também para o mais rico. É o Nordeste, com seu desenvolvimento, contribuindo novamente para o enriquecimento do Sudeste.

(com dados da LPC, IBGE e OESP)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Mistério das Suecas e o Rebate de Indicadores

Curioso artigo da HBR sobre os livros de Stieg Larsoon e a análise sobre causas de brecha entre gêneros. Mesmo em sociedades onde a brecha é muito baixa, ela continua lá. Mas, a provocação que o artigo faz é que é possível ser sexista ao tratar da brecha e assim, contribuir para que ela nunca seja tapada.
Será?
Pode ser que o exemplo trazido no artigo seja furado. Mas, existe rebate de indicadores. Entendê-los é uma  tarefa complexa, mas necessária. Indicadores começam a influenciar a maneira das pessoas analisarem uma situaçao, expressarem opiniões e, por fim, os próprios indicadores.
Não são só as pesquisas que influeciam as próprias pesquisas. A visão (como definimos e medimos) da realidade influencia a forma como reagimos a esta. Isolando o rebate será possível perceber discrepância e o momento quando indicadores os indicadores ficam obsoletos.
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Women and the Swedish Mystery

Men and women of the world, grab the Swedish "Girl" trilogy! That is, if you are not among the millions who have already read The Girl with the Dragon Tattoo, The Girl Who Played with Fire, and The Girl Who Kicked the Hornet's Nest. Stieg Larsson's gripping mystery series provides fictional food for thought about the possibilities for closing the gender gap in business and society.

The trilogy takes for granted the ability of women to do anything they wish. After all, Sweden is among the Nordic countries with the smallest gender gap in the world, according to World Economic Forum (WEF) studies. Women appear in the three novels as lawyers, police, government officials, IT geniuses, media executives, and business CEOs. They out-smart adversaries and defeat much larger men in hand-to-hand combat. And just in case you missed this latter physical strength point, the third book drives it home with an intermezzo series providing a history of women warriors.

At the same time, the "Girl" series points to some painful limitations. It argues that women can be readily victimized just because they are women, starting with violations against Larsson's frustrating anti-hero heroine, Lisbeth Salander. Sometimes the victimization is casual, perpetrated by malicious men who justify it by demonizing their female victims. In other cases, it takes an organized form such as prostitution or sex trafficking, as Nicholas Kristof noted in his New York Times column about a message he hopes readers take from the novels. The very fact of being female seems to invite attacks, Larsson indicates, regardless of the woman's competence or status. And being young as well as female can de facto mean deserving to be victimized.

If this work of fiction rings true, it means that authorities can believe the worst about women — for example, in the case of rape, that she "asked for it." This echoes the Presumption of Guilt that Harvard Law School Professor Charles Ogletree argues against in his decidedly non-fiction book by that title about the treatment of African-Americans. Ogletree describes in depth the arrest of Harvard Professor Henry Louis Gates, Jr., in 2009 after a white policeman apparently refused to believe that a break-in was merely an attempt to get into his own home after returning from a trip without his keys. Then Ogletree offers numerous other compelling examples of distinguished professionals of color, including lawyers and judges, being falsely suspected of crimes. He recounts the widespread phenomena of blacks being stopped by police for what turns out to be merely DWB — "driving while black." Success by itself does not remove false assumptions, whether about race or gender.

To be aware of both sides of the gender situation does not mean making gender the first or only thing one talks about. Nor does it mean having to lead with one's gender (or color) first. At the 2010 WEF meeting in Davos, Switzerland, a European business school dean decried the fact that women CEOs did not show up for sessions on women, as though they did not want to be identified with their gender. I disagreed with him, arguing that it is unfair to expect any one aspect of a person to dominate her or his identity, or to make that the basis for determining how to use one's time. I similarly disagreed with a black intellectual who complained at a recent forum that President Obama is not black enough, because he does not talk about his race — a complaint Gwen Ifill also reports and refutes in her insightful book, The Breakthrough: Race and Politics in the Age of Obama. Obama is a President who happens to be black, not a black President, just as Arianna Huffington is a successful media company founder who happens to be female.

But like it or not, there are those moments when one aspect of a person seems to blot out all the accomplishments and transcend all the credentials. That is why those people from groups that are "different" from what Traditional Establishments view as the mainstream model must always be aware of carrying an extra burden of proving themselves — or proving they did not intend to be a victim of abuse. They should be presumed innocent, not presumed guilty. The real Swedish mystery is why this situation still persists in the twenty-first century in sophisticated societies, and what enlightened people (of any gender or color) can do about it.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

100% das crianças que trabalham nos semáforos revelam uma cidade Injusta

O orçamento do carnaval em SP é quase 3 vezes superior ao destinado a crianças em situação de risco extremo.

3000 crianças nos semáforos da cidade mais rica da América Latina e tem gente que ainda acha que o maior problema da cidade é o trânsito.

Estudo sobre traumas emocionais em crianças que trabalham em semáforos em SP expõe o que se sabe, mas é preferível ignorar.

O Trabalho da UNIFESP é importante, mas não precisamos de um estudo para saber que lugar de criança não é no Semáforo.

(Texto do Estadão)

Estudo da Unifesp mostra que 124 das 185 crianças que ficam em faróis dos Jardins e Pinheiros sofrem com problemas emocionais
Além de sofrerem violência física em casa, 67% das crianças que trabalham nos semáforos das ruas de Pinheiros, na zona oeste, e dos Jardins, zona sul, apresentam transtornos emocionais. De 185 que trabalham nessas áreas, 124 têm problemas como hiperatividade, fobias e depressão. Entre as crianças analisadas, todas tinham nível de estresse superior aos limites normais.
O diagnóstico resulta de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), finalizada na semana passada. Entre as crianças emocionalmente abaladas, 27% têm diagnóstico fechado para distúrbios graves, como déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de conduta (personalidade antissocial), depressão, fobias, enurese (urina durante o sono, ligada a questões emocionais) e transtorno de oposição e desafio (agressividade).
Nos depoimentos, as crianças falam em abusos sexuais (15,5% afirmaram terem sido molestadas nos semáforos), situações de violência (32,8% disseram ter sofrido espancamento) e abusos emocionais (31,6% sofrem xingamentos constantes de motoristas - o que traumatiza principalmente as mais novas).
Em alguns casos, o nível de estresse das crianças, de idade entre 7 e 14 anos, era idêntico ao de adultos diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático, mal ligado ao sentimento de desespero, comum em sobreviventes de tragédias. O estudo foi realizado com famílias do Capão Redondo, na zona sul, que vivem com renda abaixo da linha de pobreza (média de R$ 377 mensais).
Segundo a estimativa mais recente da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), ao menos 3 mil crianças trabalham nas ruas de São Paulo. Menos da metade, porém, recebe algum apoio - atualmente, 1.379 crianças são beneficiadas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil da Prefeitura. Ainda assim, o apoio específico é só financeiro. Não há trabalho coordenado específico entre Smads e Secretaria Municipal da Saúde para atendimento das crianças que trabalham nas ruas.
A alta incidência de transtornos mentais surpreendeu os pesquisadores. "Na população em geral, o problema atinge cerca de 25%. No máximo, chega a 40% em comunidades extremamente pobres", disse Andrea. Em estudos realizados em Embu, Barretos e Campos do Jordão, a incidência também não ultrapassou 25%. "Como as famílias são extremamente desestruturadas, a rua acaba sendo uma fuga, preferível para a criança. Ao voltar para casa, acaba replicando novamente a violência que sofrem nos semáforos. É um círculo vicioso que só pode ser quebrado com acompanhamento."
Espancamentos. Outra descoberta do estudo é que, ao chegarem em casa, ainda é provável que as crianças sofram novos abusos, dos próprios pais - 68,4% das crianças que trabalham nas ruas sofrem punições físicas severas (definidas conforme os padrões da Organização das Nações Unidas).
De 63 irmãos dessas crianças, geralmente novos demais para irem trabalhar nas ruas, 50,8% também sofrem punições físicas em casa - uma diferença "significativa", que colabora com a permanência dessas crianças nos cruzamentos, segundo os pesquisadores.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A Única Novidade da PNAD2009 é a Eleição 2010


A única grande novidade da Síntese de Indicadores da PNAD 2009 é sua divulgação com 3 semanas da eleição:-) E , em uma guerra (principalmente eleitoral), a primeira vítima é a verdade.
Os informes de Imprensa do IBGE (e o pessoal que gosta do grande guru) destacaram uma leitura “nunca antes na história deste país”. A imprensa anti-Lula aponta os pontos “absurdos do Brasil”.
Se lida como um todo, a síntese não traz justificativas consistentes para nenhuma das visões. O documento confirma as tendências verificadas em 2008. No caso da maioria dos indicadores sociais, “boas” tendências, mas ao mesmo tempo: desanimadoras. A situação dos principais indicadores sociais tem tendência de melhora, mas em ritmo menor do que no triênio 2005-2008. E, mesmo com a melhora, a situação dos mais pobres está muito distante dos padrões mínimos.
No caso dos indicadores demográficos, poucas surpresas também. A taxa de fecundidade recuperou-se levemente (já não tinha mais como cair), os casamentos e divórcios estabilizaram nos novos padrões dos anos 2000.
As poucas surpresas da PNAD2009 podem apontar uma exaustão no modelo da pesquisa. Se não há surpresas, talvez seja necessário procurar melhor.