quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TRACE A LINHA


A presidente Dilma colocou a erradicação da extrema pobreza (miséria, perrengue, fundo do poço, etc...) como sua meta maior de governo. Logo, a segunda maior discussão momento no planalto é: "Quem são estes pobres"."Onde está a linha que os define"?  A primeira é sobre a esposa do vice-presidente, mas isto nao vem ao caso aqui. 

E aqui temos uma questão crucial: como demarcar essa linha de pobreza? Seria o patamar do salário mínimo? O rendimento necessário para o trabalhador cobrir despesas básicas calculado pelo Dieese (R$ 2.227)? O padrão seguido na OCDE (quem recebe menos de 60% da média do rendimento por adulto equivalente de cada país)?

O critério mais usado (dita a lei universal da preguiça: o mais fácil primeiro) é o do Banco Mundial: pobre é quem recebe até US$ 2 por dia (corrigido pelo poder de compra), e miserável é quem recebe US$ 1. Assim, no Brasil, miserável é quem ganha o suficiente para tomar uma lata de coca-cola light por dia, R$2,10 (não seria mais simples, trocar logo o indicador pela coca-light? :-). Este cálculo é per capita. Assim, se uma mulher, a chamemos de Rosa. Se Rosa tem um companheiro desempregado e 3 filhos, sua família estará abaixo da linha de miséria se ela receber menos de R$315,00/mês (10,50/dia0.

Imaginemos que Rosa consiga 240,00 (8,00/dia). Transferindo R$2,51 adicionais, máginca! Rosa não seria mais miserável. A matemática é simples (mesmo que minha filha nao concorde:). Mas a vida não. Nenhuma linha da pobreza medirá de fato todas as dimensões da pobreza. Aumento de renda não vem necessariamente acompanhado de bem-estar. E a mágica estatística de definir uma linha não muda a vida de ninguém. Ou você acha que se Rosa ganhasse R$10,51 ao dia teria uma vida muito distinta se a renda fosse R$10,49?

Como diria Plínio de Arruda Sampaio, as presidências neoliberais de FHC e Lula kkkk trouxeram a matemática para a discussão da política social. Ao invés de um conceito de Direito universal, a linha de FHC e Lula foi de enfocar benefícios em um grupo que mais precisasse. A linha de universalista estabelece parâmetros (altos geralmente) e luta para que todos sejam neles incluídos. A focalista crê que os benefícios devem ser distribuídos proporcionalmente à necessidade. Depois de ter o básico, o restante se resolveria pelo mercado. Focalistas defendem que uma precisa definição de pobreza levaria a mais eficácia. Universalistas dizem que o monto de recursos precisa aumentar junto com a eficácia. Divergência mais profunda do que entre corintianos e palmeirenses.

Uma frase define a importância prática da discussão: “É um jogo de soma zero: se você põe em um lado, tem de tirar de outro. Então, o conceito de pobreza – absoluta e relativa – vai determinar o quanto é preciso transferir o que sempre é uma questão delicada”.

A edição brasileira deste mês da Le Monde Diplomatique ressuscita a visão “tradicional da esquerda” sobre a discussão da definição da pobreza, ausente na grande mídia. A revista discute: “Onde fica a linha da pobreza”, com textos da Aldaíza Sposati, Eduardo Fagnani e Sílvio Caccia Bava.

A linha mais conhecida para definir a pobreza é aquelas que ganham US$ 2 por dia (corrigidos por poder de compra, alias um “detalhe” que Caccia Bava esquece em seu artigo). No Brasil, há 49 milhões de pessoas nessa faixa (dados da Comissão Econômica para a América Latina). No artigo de Caccia Bava, coloca-se que, para erradicar a pobreza, é preciso promover transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres. Como fazê-lo em curto prazo (a educação universal de qualidade é o instrumento com mais comprovada eficácia na geração de igualdade, mas demora muito tempo para gerar impacto).

Fagnani, professor do Instituto de Economia da UNICAMP (aviso: não foi meu aluno:->), afirma “que o mais grave é a implicação de que políticas universais – que beneficiam os “não pobres” – devem ser destruídas e seus recursos realocados para os pobres. “O real objetivo dessa agenda é o ajuste fiscal”. Faganini acerta na descrição histórica e no pressuposto de que o tema é atualmente, antes de social, fiscal. Mas, comete erros de leitura básica de dados, do método de cálculo de custo de vida e da pobreza.

Aldaíza dá uma aula-show em seu artigo, onde propõe una superação da briga focalismo-universalismo. Para ela a chave é estender os benefícios atuais (focais) para a categoria de direitos (universal) a ponto dos pobres poder “contar com” e “ter certeza” do acesso. Aldaíza lembra que erradicação da miséria, mesmo que conte com a ajuda dos programas de transferência de renda, fundamenta-se no acesso a serviços públicos igualitários. Acerta na receita, só não diz como pagar a conta do remédio.

Como diria nosso guru “Nunca antes na história deste país” uma linha imaginária foi tão importante.

 
Para acessar a Le Monde Diplomatique
 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Quer Entender a Crise Financeira? Freud Explica.


A cada crise financeira, surge uma pergunta. Por que não fomos capazes de prever (e evitar) isto? É lógico que sempre aparece um para repetir a frase daquela motinho de um desenho de minha infância: “Mas, eu não te disse?” Mas, quem era pago para dizer, não disse.

Mesmo com falhas enormes nos modelos evidenciadas pela própria crise, os Economistas continuarão seres de profunda fé. Não superados nem pelos torcedores do Botafogo. Seguirão como se tivessem conhecimento do funcionamento da realidade, criando conjecturas com as quais constroem um futuro imaginário, minimizando a intrínseca incerteza na qual está ele imerso.

Foi assim desde as crises econômicas do final do séc XIX. Mas, desta vez há algo distinto na discussão: Elementos complexos, antes marginais ou até ignorados ganham destaque nas sisudas escolas de economia. E, até entre os homens de ternos escuros, os banqueiros, novas teorias ganham espaço. Economia Entrópica, Eco-Economia e a mais assanhada das novas teorias: a Pisco-Economia.

Sabe a máxima de que o mercado é coisa de louco? A Psico-Economia leva isto bem a sério. E criou o conceito de "finança emocional”. Estes estudiosos, a maioria formada por psicanalistas, defende que “a compra, a posse e a venda de ativos financeiros, em condições de intrínsecas instabilidade e ambiguidade, necessariamente levam os envolvidos nessas transações a desenvolverem, frente a elas, uma forte ambivalência emocional, bem como inúmeras fantasias inconscientes. A hipótese aqui é que são justamente as fantasias inconscientes dos gestores, as oscilações em seu estado mental e o funcionamento da psicologia de grupo o que pode explicar a formação das bolhas financeiras, um grave problema para o qual as teorias econômicas convencionais não oferecem explicações satisfatórias. Supõe que no processo de tomada de decisão financeira ocorre o mecanismo inconsciente de cisão, em função do qual ficam separados e expulsos da consciência os pensamentos que provocam emoções dolorosas, como a dúvida, a angústia e o medo. Isso faz com que fique impedida uma avaliação mais realística da situação, aumentando o risco de futuras instabilidades financeiras, com funestas e globalizadas conseqüências” (Sérgio Telles).

Os psicoeconomistas dizem ser fundamental reconhecer e aceitar esta incerteza que vem dos ativos financeiros serem abstratos e oscilantes o que contribuiriam para fobias, paranóias, psicoses de todos os tipos no estado mental dos gestores que lidam com eles.

Neste campo de trazer a bolsa para o divã, a estrela do momento David Tuckett, membro
do Instituto de Psicanálise de Londres e professor visitante de Psicanálise no University College London. Tuckett afirma que, “por mais sofisticadas que possam parecer, as teorias econômicas sobre os mercados financeiros são bastante fantasiosas quando vistas a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Afinal, é humanamente impossível saber quanto valerão no futuro os ativos manipulados pelo mercado financeiro”. Ele, atualmente com as bênçãos e o dinheiro de George Soros, trabalha em um estudo que pretende mostrar que as tomadas de decisão no mercado financeiro são baseadas em estados emocionais dos gestores e em histórias fantasiosas criadas por eles mesmos.


Caso a hipótese de Tuckett se comprove, talvez os próximos comentaristas econômicos da TV ao invés de Keynes e Marx, vão citar Freud. E você, da próxima vez que for ao banco falar sobre investimentos e o gerente perguntar: “Agressivo ou Moderado?”, Você pode responder com outra pergunta: “Fale-me sobre sua mãe, ela era agressiva ou moderada?” :-)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE "........."


Já pensou se você fosse a presidente? Dezenas de auxiliares. Mordomias e poder. Muito Poder. Poder para decretar que o vice-presidente precisa sorrir, proibir o Sarney de usar bigode, tornar crime inafiançável a execução dos CDs da Vanessa Camargo. Proibir locutor de Super-mercado e decretar a coca-light tradicional patrimônio nacional.

Poder de mudar o salário mínimo, inclusive. E você, um ser socialmente sensível e preocupado com pobre, nem ficaria entre a disputa 540, 560. Assinaria logo uns 600. Não! 600 até o Serra daria. Você iria logo para 2500,00, o salário mínimo segundo o DIEESE. Correto?

Aumentar o salário mínimo é muito legítimo. Querer que uma família viva com menos de R$600,00/mês é desumano.

Mas, a escolha da presidente não é tão simples assim. Alguns argumentam que, quem se preocupa mesmo com pobre, deveria defender um aumento menor para o salário mínimo.

Por quê? Estudos do IPEA mostram que o impacto do reajuste do SM na redução da pobreza já foi maior. Hoje é reduzido. Explico-me, somente 62% dos beneficiados pelo aumento do SM são pobres. Dentre os 38% restantes há inclusive um grupo significativo, 11% que tem renda acima de 10 SMs.

Para cada real aumentado no mínimo, Dilma gerará um custo estimado de quase R$200 milhões para o orçamento público nos 3 níveis federativos. Para cada bilhão gasto com aumento do mínimo, a pobreza reduziria 0.8 pp. O estudo do IPEA mostra que o mesmo bilhão aplicado nos programas sociais mais bem avaliados do governo reduziria a pobreza em cerca 1.9 pp. Mais do dobro do impacto.

Nenhum gasto público social contribui tanto para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) quanto os que são feitos em educação e saúde. Cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. O mesmo valor gasto na saúde gera R$ 1,70.

Para a redução da desigualdade social, os gastos que apresentam maior retorno são aqueles feitos com o Bolsa Família, que geram R$ 2,25 de renda familiar para cada R$ 1 gasto com o benefício, e os benefícios de prestação continuada - destinados a idosos e portadores de deficiência cuja renda familiar per capita seja inferior a 25% do salário mínimo -, que geram R$ 2,20 para cada R$ 1 gasto.

Além disso, 56% desses gastos retornam ao caixa do Tesouro na forma de tributos.

Já cada real aumentado no SM impacta o PIB em cerca de R$1,20 e trazem R$1,46 de aumento de renda familiar.

Só o Bolsa-Família tem uma necessidade de expansão que demandaria quase 1,3 bilhão extra por ano. O plano de erradicação da miséria extrema que está em preparação no governo federal estima um custo adicional de quase 5 bilhões/ano. No orçamento deste ano, há somente um aumento de 180 milhões para expansão. E ainda assim, a expectativa é que mais de 50 milhões sejam contingenciados.

Logo, a escolha de Dilma, e sua se fosse presidente, é: aumentar o mínimo (reivindicação justa) ou investir mais para reduzir a pobreza?

Diga-me EXMO. Presidente Você, qual é sua decisão?
























sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

“Em Casa Onde Não tem Pão, Todos Gritam e Ninguém tem Razão”




Alguns vêem somente o “vento da democracia” como motivo para, depois de décadas de acomodação, população de países árabes exigirem o fim de suas ditaduras de estimação. Mas, já nos ensinavam os antigos: toda mudança vem do estômago. E, o vento da democracia tem certamente tido a propulsão do tufão da fome. Este tem varrido países com eleições regulares e gerado distintos tipos de violência. É difícil imaginar que a  com o aumento do poder do tráfico (que ajudou a transformar o corredor centro-americano+México na região mais violenta do mundo) não tenha correlação com a fome na região.

Celso Ming lembrou o ditado: “Em casa onde não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão”. E é com preocupações voltadas para o potencial político explosivo do que está acontecendo que as autoridades do mundo começam a se mexer.

Os preços dos alimentos estão em forte escalada. Saltaram 23,9% em 2010 e, em janeiro, já subiram 3,4%. Os políticos temem a fome, embora não se preocupem com os pobres. O tema está na agenda de inúmeros almoços dos não-famintos, Ben Bernanke (FED-US), do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick e de Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA (quem vem ao Brasil para discutir uma ação conjunta sobre o tema).

As divergências são enormes e começam pelo diagnóstico.

1. Alguns dizem (Sarkozy, em nome do G-20, entre eles) que o principal problema é a ação dos especuladores, que estariam apostando dinheiro grosso na alta das commodities. Se isto é verdade, o FED americano tem sua culpa por ter injetado US$ 1,7 trilhão na economia numa operação conhecida como afrouxamento quantitativo e vai reforçando com mais US$ 600 bilhões. Mas outros BCs fizeram o mesmo, inclusive o brasuca. Esse é o principal motivo pelo qual os mercados estão encharcados de dinheiro.
2. Um segundo diagnóstico é o de que essa disparada de preços tem a ver com adversidades climáticas em grandes países produtores de grãos: seca na Ucrânia, China e Argentina; e inundações na Austrália.

3. Outro grupo de analistas aponta as compras maciças feitas por pessoas, especialmente na China, Tailândia e Bangladesh, que decidiram reforçar os estoques como medida de segurança alimentar.

4. Há, em quarto lugar, a velha acusação de que os países ricos, como os Estados Unidos, toda a União Europeia e também o Brasil, estão canalizando cada vez mais grãos para produzir biocombustíveis.

5. O quinto diagnóstico põe ênfase no crescimento do consumo. Mais de 40 milhões de asiáticos, principalmente na China, ascendem todos os anos ao mercado de consumo. Essa gente começou a se alimentar melhor. E essa é explicação suficiente para que se entenda todo o resto. Como nos acidentes de avião, não dá para excluir nenhum dos fatores. Todos eles concorrem para a produção do mesmo efeito. No entanto, o aumento do consumo global parece ser o mais importante.

Há dados para basear as 4 linhas de explicação. Porque todas são concorrentes. Não se sabe qual delas começa, mas todas contribuem para um quadro triste: Em 2008, quando os preços do arroz triplicaram, calcula-se que mais 100 milhões de pessoas voltaram para abaixo da linha da pobreza. E, de barriga vazia é geradora de conflitos.

O preço dos alimentos sofre as conseqüências de um modelo que transformou a comida em mercadoria e a gere exclusivamente pela regras de mercado. Segundo esta lógica: comida tem preço, mas não valor. Toda especulação, mesmo que gere mortes, é válida e legítima operação.

A lógica da commoditizaçao, até do que não é commodities também reduziu a produção dos produtores de pequena escala. Esta queda deve levar à indústria alimentícia a ser o maior consumidor global de alimentos, ainda em 2012. Isto provoca dois fenômenos: “comida com milhagem” e “vale quanto quero”.

Em todo mundo, a cada ano, a viagem da comida aumenta. Este cálculo curioso mede a dieta básica de uma população versus a distância onde ela é produzida. Em 1980, a comida viajava em média 146 km até o consumidor. Em 2010, esta distância chegou a 309 km. Logo, o arroz que eu quero comer, é também disputado por outros. Principalmente pela indústria.

O segundo reflexo da crescente intermediação da indústria na alimentação faz dela o grande regulador de preços. Compra em quantidades que baixam o preço. Vende em quantidades que o fazem aumentar. Mercados mais integrados competiriam mais eficazmente pelos produtos. mas já nos provavam Nash e Stiglitz que isto só existe em mercados com informação simétricas. Em outras palavras, nunca :-). A lei da oferta e procura até existe, mas seus juízes são parciais.

No Brasil, a discussão sobre o valor do SM tem a influência deste tema. A inflação aumentou e com ela os riscos de redução nos níveis de segurança alimentar. No período de 12 meses terminado em 31 de janeiro, os preços internacionais das commodities alimentares subiram 28,3%. Os da soja acumularam alta de 55%; os do milho, 64%; os do açúcar, 54%; os do café, 80%; e os do trigo, 50%. Essa estocada já está provocando inflação e, mais cedo ou mais tarde, os bancos centrais serão obrigados a atacar com alta dos juros.

Em resumo, inflação e pobreza nunca ficam longe o suficientes para que esqueçamos deles.