sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

“Em Casa Onde Não tem Pão, Todos Gritam e Ninguém tem Razão”




Alguns vêem somente o “vento da democracia” como motivo para, depois de décadas de acomodação, população de países árabes exigirem o fim de suas ditaduras de estimação. Mas, já nos ensinavam os antigos: toda mudança vem do estômago. E, o vento da democracia tem certamente tido a propulsão do tufão da fome. Este tem varrido países com eleições regulares e gerado distintos tipos de violência. É difícil imaginar que a  com o aumento do poder do tráfico (que ajudou a transformar o corredor centro-americano+México na região mais violenta do mundo) não tenha correlação com a fome na região.

Celso Ming lembrou o ditado: “Em casa onde não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão”. E é com preocupações voltadas para o potencial político explosivo do que está acontecendo que as autoridades do mundo começam a se mexer.

Os preços dos alimentos estão em forte escalada. Saltaram 23,9% em 2010 e, em janeiro, já subiram 3,4%. Os políticos temem a fome, embora não se preocupem com os pobres. O tema está na agenda de inúmeros almoços dos não-famintos, Ben Bernanke (FED-US), do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick e de Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA (quem vem ao Brasil para discutir uma ação conjunta sobre o tema).

As divergências são enormes e começam pelo diagnóstico.

1. Alguns dizem (Sarkozy, em nome do G-20, entre eles) que o principal problema é a ação dos especuladores, que estariam apostando dinheiro grosso na alta das commodities. Se isto é verdade, o FED americano tem sua culpa por ter injetado US$ 1,7 trilhão na economia numa operação conhecida como afrouxamento quantitativo e vai reforçando com mais US$ 600 bilhões. Mas outros BCs fizeram o mesmo, inclusive o brasuca. Esse é o principal motivo pelo qual os mercados estão encharcados de dinheiro.
2. Um segundo diagnóstico é o de que essa disparada de preços tem a ver com adversidades climáticas em grandes países produtores de grãos: seca na Ucrânia, China e Argentina; e inundações na Austrália.

3. Outro grupo de analistas aponta as compras maciças feitas por pessoas, especialmente na China, Tailândia e Bangladesh, que decidiram reforçar os estoques como medida de segurança alimentar.

4. Há, em quarto lugar, a velha acusação de que os países ricos, como os Estados Unidos, toda a União Europeia e também o Brasil, estão canalizando cada vez mais grãos para produzir biocombustíveis.

5. O quinto diagnóstico põe ênfase no crescimento do consumo. Mais de 40 milhões de asiáticos, principalmente na China, ascendem todos os anos ao mercado de consumo. Essa gente começou a se alimentar melhor. E essa é explicação suficiente para que se entenda todo o resto. Como nos acidentes de avião, não dá para excluir nenhum dos fatores. Todos eles concorrem para a produção do mesmo efeito. No entanto, o aumento do consumo global parece ser o mais importante.

Há dados para basear as 4 linhas de explicação. Porque todas são concorrentes. Não se sabe qual delas começa, mas todas contribuem para um quadro triste: Em 2008, quando os preços do arroz triplicaram, calcula-se que mais 100 milhões de pessoas voltaram para abaixo da linha da pobreza. E, de barriga vazia é geradora de conflitos.

O preço dos alimentos sofre as conseqüências de um modelo que transformou a comida em mercadoria e a gere exclusivamente pela regras de mercado. Segundo esta lógica: comida tem preço, mas não valor. Toda especulação, mesmo que gere mortes, é válida e legítima operação.

A lógica da commoditizaçao, até do que não é commodities também reduziu a produção dos produtores de pequena escala. Esta queda deve levar à indústria alimentícia a ser o maior consumidor global de alimentos, ainda em 2012. Isto provoca dois fenômenos: “comida com milhagem” e “vale quanto quero”.

Em todo mundo, a cada ano, a viagem da comida aumenta. Este cálculo curioso mede a dieta básica de uma população versus a distância onde ela é produzida. Em 1980, a comida viajava em média 146 km até o consumidor. Em 2010, esta distância chegou a 309 km. Logo, o arroz que eu quero comer, é também disputado por outros. Principalmente pela indústria.

O segundo reflexo da crescente intermediação da indústria na alimentação faz dela o grande regulador de preços. Compra em quantidades que baixam o preço. Vende em quantidades que o fazem aumentar. Mercados mais integrados competiriam mais eficazmente pelos produtos. mas já nos provavam Nash e Stiglitz que isto só existe em mercados com informação simétricas. Em outras palavras, nunca :-). A lei da oferta e procura até existe, mas seus juízes são parciais.

No Brasil, a discussão sobre o valor do SM tem a influência deste tema. A inflação aumentou e com ela os riscos de redução nos níveis de segurança alimentar. No período de 12 meses terminado em 31 de janeiro, os preços internacionais das commodities alimentares subiram 28,3%. Os da soja acumularam alta de 55%; os do milho, 64%; os do açúcar, 54%; os do café, 80%; e os do trigo, 50%. Essa estocada já está provocando inflação e, mais cedo ou mais tarde, os bancos centrais serão obrigados a atacar com alta dos juros.

Em resumo, inflação e pobreza nunca ficam longe o suficientes para que esqueçamos deles.