segunda-feira, 31 de outubro de 2011

PORQUE NÃO SOMOS 7 BILHÕES. MAS, ISTO NÃO IMPORTA TANTO...


Hoje, fim de mês, a ONU fecha a conta do mundo em 7 bilhões. Isto não é uma estatística, é uma marca:).

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) tem uma tradição de exagero. 7 Bilhões é uma estimativa par cima, baseada em projeções . Os motivos principais para a superestimativa:

1. Defasagem: As estimativas se baseiam em dados primários que estão muito defasados para mais de 30% da população mundial.

2. Urbanização: O UNFPA continua estimando taxas de crescimento baseadas nos mesmos perfis rural/urbano, de quando os dados primários foram tomados. Mas, pesquisas amostrais mostram que a urbanização é maior do que a estimada, portanto a taxa de crescimento deveria ser corrigida.

3. Imprecisão: Outro ponto é da natureza dos governos sempre colocar os números para cima (coisa de homem isto kkk). O ILDES fez uma validação e dados de Censo no Chade, Nigéria e Bangladesh e verificou que a população estaria superestimada em 14%, em média. Populações tribais, por exemplo, estão sendo contadas na vila de origem e na cidade onde realmente vivem.

4. Mas metade da população mundial já mora em países em que as pessoas têm menos filhos do que precisariam para repor as gerações (abaixo de 1,8 filhos)

Assim, os dois outros centros de estudos populacionais (ILDES-Paris I e BPPT-Standford) e mesmo alguns demógrafos do próprio UNFPA estimam que estejamos entre 6.4 e 6.7 bilhões.

Seja 6.4B ou seja 7B, toda vez que estes números são divulgados, o Reverendo Metodista Thomas Malthus volta a povoar os pesadelos de muitos. A imagem que se tem é que o planeta virará uma imensa Estação da Sé às 18h00min. A imagem de ficção cientifica é completada com fome, sede, doenças e governos totalitários. O fantasma da Superpopulação.

Se você é do tipo que gosta deste fantasma, pare de ler por aqui e vá estocar água, comprar um sítio em Alto Paraíso ou coisa assim. Se quiser trocar seus pesadelos por alguns dados da realidade, siga:

1. O que mais ameaça o equilíbrio população X recursos não é a quantidade, é a desigualdade associada à insustentabilidade do modo atual de produzir/consumir.

a. A ameaça de escassez de recursos não está diretamente relacionada ao número total de população, mas aos modos de produção e consumo. Bastariam 2 bilhões de pessoas no mundo, com o consumo médio de água dos ingleses para que houvesse sede. Ou se Índia e China (~35% da pop mundial) repetissem o consumo de gasolina americano, não haveria petróleo para mais ninguém. Se os africanos usassem na sua agricultura e pecuária a media de consumo hídrico usado nas mesmas atividades, no Brasil, teriam que importar água para beber.

b. O Mundo produz hoje, somente em grãos o suficiente para que cada habitante coma 800g/dia. A produção atual já seria suficiente para que não houvesse fome. Mas, há. Quase 15% da população mundial tem menos acesso à comida do que precisava. No popular, passa fome.

c. Somente da água desperdiçada pela falta de esgotos (menos de 30% da população mundial tem acesso a esgoto com tratamento completo) e contaminação industrial seria suficiente atender às demandas da agricultura e de mais uma população de mais de 10 Bilhões de pessoas.

2. O padrão de ocupação da população traz mais desafios do que o seu tamanho. A urbanização crescente reduz a população, mas traz problemas ambientais sérios.

a. Outro dado que os catastróficos demógrafos do UNFPA não consideram é a concentração. O mundo está mais vazio do que há 50 anos. Não me refiro à Estação da Sé, mas à concentração média. Temos muito mais gente ocupando menos espaços e muitos espaços tornando-se mais vazios. Modo de produção agrícola mecanizada, esgotamento ecológico e/ou econômico de regiões inteiras, etc.

b. Outra agência da ONU, a UNSRID estima que em 2050, +de 60% da população mundial viverá em torno de menos de 100 aglomerados. Algo como 100 imensas estações da Sé. Logo, o desafio não é a quantidade, é o padrão ocupacional.

c. A urbanização reduz a população em quase todos os países pesquisados na mesma taxa prevista pelo Axioma de Caldwell (nas sociedades tradicionais, principalmente as rurais, o fluxo de riqueza entre gerações é predominantemente dos filhos para os pais, ou seja, os pais precisam investir pouco nos filhos em termos de educação, capital humano, mas existe um fluxo de riqueza dos filhos porque eles começam a trabalhar desde cedo, contribuem para a renda da família e sustentam os pais na velhice. Então, numa sociedade tradicional rural, é bom negócio ter muitos filhos. Já a economia urbana se baseia muito na educação como instrumento de ascensão social. Também existe menos necessidade de se procriar para ter segurança na velhice na medida em que existe maior cobertura do sistema de aposentadorias. Na economia urbana moderna, portanto, o fluxo de riqueza é mais de pais para filhos.

d. A África é o continente que terá o maior ritmo de urbanização nas próximas décadas. Isso impactará o crescimento das populações. Elas vão depender de mais atividades econômicas urbanas e as mulheres terão mais oportunidades de trabalho. A urbanização, ocupação e a educação das mulheres têm mais forte influência na redução na taxa de fertilidade do que a religião. Países mulçumanos como Irã, Malásia e Filipinas provam isto.

3. O perfil populacional é mais importante do que seu número total.

a. Mais idosos. O crescimento dos idosos e a redução na taxa de fertilidade fazem com que sociedades hoje despreparadas para esta situação tenham que enfrentá-la. Além das óbvias questões econômicas (previdência); isto impacta no sistema de valores, na estrutura familiar, etc.

b. Mais jovens: O aumento na proporção de jovens seguirá ainda por 30 anos. Isto traz o desafio de geração de empregos, inclusão política e social de um enorme contingente. Os jovens representam o grupo que mais emigra, quando não encontra condições de desenvolvimento, o que aumenta a tendência à mobilidade populacional.

4. No plano político, não há nenhuma correlação demonstrada entre regimes e demografia. Ao contrário, países maiores tendem a ganhar mais contornos democráticos.

Olhar o número da população total mundial é procurar informação no dado errado. O problema é o padrão de ocupação, de produção, consumo e fluxo de pessoas.

O UNFPA acha que chegamos a 11B em 2100, mais ou menos na mesma época em que o Corinthians chegar à final da Libertadores. Mas, a maioria dos demógrafos (inclusive alguns do próprio UNFPA, como Ralph Hakkert) crê que a população não passa dos 9.2B, e que 2050 será nosso ponto culminante.

Logo, há poucas esperanças do Corinthians chegar à final ganhar de uma Libertadores ou que a Estação da Sé fique mais vazia, antes que o mundo atinja seu pico :-)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DON'T WORRY BE HAPPY


Correlações são uma obcessão na pesquisa. E a busca de vínculos entre dinheiro e felicidade um dos temas mais comuns na pequisas econômicas que ganham espaço na mídia. Embora, felicidade certamente é não ter que pensar em Economia. O problema é que estas pesquisas que medem felicidades são altamente imprecisas. Baseiam-se na resposta de uma pessoa a um conceito extremamente vago: felicidade. E a resposta varia de dia para dia. Por exemplo, hoje os Botafoguenses estão felizes. No final do campeonato, não estarão :-)

Chegou-se a criar um Índice de Felicidade Bruta, que  além de ajudarem a que você saiba  que existe um país chamado Butão (o campeão do Índice) só serve  para inspirar senador a propor o direito à felicidade.

Baseado nestes dados frágeis tem sido possível fazer uma correlação entre felicidade e renda, tanto no nível individual quanto no nacional. E para os que insistem em explorar mais o tema, a OECD (em seu recente relatório anual) publicou uma enquete feita pelo Instituto Gallup, que pediu para 4000 pessoas em 18 países darem notas de 1 a 10 para sua satisfação. O resultado mostrou que o mais infeliz dinamarquês é mais feliz do que o mais feliz dos chineses. O governo da China já pensa em começar a falsificar comediantes de stand-up.

Alguns (dentre eles a "the Economist") com uma constataçao acerca da “brecha de felicidade”(isto é termo que se use? Economista consegue transformar qualquer assunto em algo chato kkk). Eles perceberam que a brecha da felicidade, isto é, a diferença entre os mais felizes (torcedores do Fluminense, independentemente da tabela, por exemplo) para os mais infelizes parece não ter relação nenhuma com a desigualdade (baseada no GINI). Um país mais desigual não tem mais desigualdade de felicidade e vice-versa. Esta dado em si já leva a questionar a relaçao renda-felicidade aparentemente demonstrada na pesquisa. Mas, o povo nao vai desistir de seguir buscando o graal do "felicitômetro".

O que isto significa? Que o Gallup está feliz porque os governos/organizações seguem comprando este tipo de pesquisa kkk


terça-feira, 11 de outubro de 2011

DIA DAS CRIANÇAS: SUGESTÃO DE PRESENTE



Amanhã, mais de 5.000.000 de crianças brasileiras passarão do seu dia vivendo em condições de miséria (http://sociometricas.blogspot.com/2011/05/muitos-numeros-um-desafio.html), de extrema pobreza, de situação vulnerável. Chame do que quiser. Não importa o nome. Importa o fato de serem crianças. Responsabilidade de toda a sociedade, segundo está escrito na lei.


É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição Federal de 1988, o Brasil, o Art. 227)

Um grande presente para elas, seria o cumprimento da lei. Mas, um estudo recente (O BENEFÍCIO INFANTIL UNIVERSAL: UMA PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DO APOIO MONETÁRIO À INFÂNCIA) do Pedro Herculano e do Sergei Soares (IPEA) é mais uma evidência de que esse artigo da Constituição vale menos do que outros.

O estudo, que passo a resumir/editar a seguir, examina o atual arranjo de benefícios monetários para crianças com 15 anos ou menos. No Brasil, estes benefícios são compostos pelo:

1. Benefício variável do Programa Bolsa Família,

2. Salário-família e

3. Dedução para dependente menor de 16 anos no pagamento do Imposto de Renda Pessoa Física.

Os autores analisaram cada um deles sob o ponto de vista do valor, sua cobertura, sua focalização e seu custo fiscal.

A conclusão do estudo é: O sistema atual de benefícios para as crianças é fragmentado, sem coordenação entre benefícios que são parcialmente superpostos, exclui quase um terço das crianças e transfere valores maiores para crianças mais ricas.

Isto é um escândalo, mas a oposição não vai pedir uma CPI, a imprensa não vai noticiar. Porque parece que os problemas mais sérios são o Aeroporto Internacional, o trânsito ou o estádio do Corinthians.

A vulnerabilidade vai além da pobreza (definida como insuficiência de renda). Inclui tudo o que é necessário para o desenvolvimento dos indivíduos (acesso a cuidados e serviços, o respeito aos direitos humanos, a participação cultural, possibilidade de sociabilidade, etc.). Mas, como a renda está correlacionada em algum grau com as outras dimensões e porque é mais fácil de medir, os indicadores de pobreza servem como um espelho (uma Proxy) razoável da vulnerabilidade das crianças em comparação com outras faixas etárias. E, no quesito renda, tanto crianças quanto idosos são os mais vulneráveis porque não possuem (ou não deveriam possuir) renda própria do trabalho e ainda representam um custo adicional ao domicílio (portanto, diluem a renda domiciliar). Mas, no Brasil as políticas sociais até hoje foram muito mais efetivas para os idosos do que para as crianças.

No Brasil, os percentuais de pobreza e extrema pobreza caíram (para qualquer método que for utilizado) para todas as faixas etárias, desde a primeira metade dos anos 2000. Mas, como os gráficos abaixo mostram, apesar dos grandes avanços recentes, a pobreza infantil ainda é consideravelmente mais alta do que a dos demais.





• Em 1995, cerca de 30% das crianças estavam entre os 20% mais pobres. Em 2009, esse percentual já era de 34%.

• Por outro lado, a concentração de crianças no topo da distribuição de renda diminuiu: em 1995, 13% das crianças estavam entre os 20% mais ricos, mas em 2009 eram apenas 10%.

• As crianças representam quase metade (46%) dos extremamente pobres, um grupo cuja renda tende a ser pouco sensível ao crescimento econômico.

Ou seja, não só as crianças estão, desde sempre, mais concentradas entre os mais pobres (que é esperado pelos diferenciais da taxa de fecundidade, pelos arranjos familiares e pelo próprio fato de que a presença de crianças dilui a renda domiciliar), esta concentração tem aumentado ao longo do tempo. O bom momento do mercado de trabalho e o grande sucesso da proteção social brasileira no combate à pobreza entre idosos melhoram significativamente a vida dos adultos. Mas, as crianças foram esquecidas. A POBREZA INFANTIL AUMENTOU!

O estudo ainda lembra um importante fator: a grande volatilidade. Isso significa que um número considerável de famílias entra e sai da pobreza. Como as crianças estão mais concentradas entre os mais pobres, mesmo aquelas que não são pobres ou extremamente pobres correm um risco considerável de se tornar pobres em algum momento ao longo do tempo. Usando os dados do estudo, podemos estimar que quase 1.5 milhão de crianças estejam neste limiar. Noutras palavras, são pobres também.

Benefícios direcionados para crianças seriam essenciais para diminuir a vulnerabilidade deste grupo. Mas, os que existem hoje não cumprem seu papel:

1. Deduções do Imposto de Renda: Têm direito ao benefício, todos que declaram IRPF e têm dependentes menores de 21 anos (ou 24 em caso de estudantes). Mesmo que os dados que a Receita Federal divulgue sejam parciais e desatualizados (sim, o governo não informa ao governo kkk), sabe-se que as deduções com menores de 16 anos devem passar dos R$ 15 Bilhões por ano. Um detalhe, uma estimativa própria aponta que aproximadamente R$ 12 Bilhões por ano são destinados a crianças que vivem entre os 30% das famílias mais ricas.

2. Salário-família (SF): Têm direito ao benefício os trabalhadores formais (exceto os domésticos), alguns trabalhadores avulsos e até aposentados (várias categorias de funcionários públicos recebem um salário-família cujos valores e limites são diferentes daqueles para o setor privado, que não foram analisados no estudo). No setor privado, baseado nos precários dados disponíveis, as empresas declararam um gasto de R$ 1,89 bilhão com o pagamento do SF (em 2007). Mesmo que recentemente tenham sido estabelecidas algumas condicionalidades (vacinação e matrícula na escola), não há sistema que a verifique. Situação curiosa porque existe um sistema nacional de acompanhamento de freqüência à escola para o Bolsa Família, que acompanha quase metade dos alunos do fundamental no Brasil, mas não acompanha as contrapartidas idênticas do SF. Do montante aplicado no SF, além de nenhuma verificação quanto a sua aplicação para as crianças, uma estimativa aponta que apenas 27% estejam em famílias extremamente pobres (lembrando, que o SF é pago aquém tem emprego, registro, etc.).

3. Bolsa-Família: O BF (2003) consolidou, unificou e expandiu a cobertura de diversos programas. Dos 3 benefícios que apóiam as crianças, o BF é o único focado, isto é, é direcionado somente a famílias mais pobres.

    a. O BF conta com dois componentes: um benefício fixo e sem condicionalidades, direcionado para as famílias extremamente pobres, e um benefício variável e com condicionalidades, direcionado para famílias pobres ou extremamente pobres com filhos de ate 15 anos. O benefício variável e pago por criança ate um limite de três benefícios por família.

    b. Em 2007, um novo benefício foi criado, o benefício variável vinculado ao adolescente, pago a famílias pobres ou extremamente pobres com adolescentes de 16 ou 17 anos (até o limite de 2 por família.

    c. A média paga por criança, no Benefício Variável, é de menos do que R$22,00/ mês. Logo, menor do que a dedução máxima efetiva por dependente no IRPF e até mesmo do que o benefício mais elevado do SF.

    d. Vale lembrar, contudo, que há um máximo de três benefícios por família, o que não ocorre nem com o SF nem com a dedução do IRPF com crianças de 16 anos ou menos. Noutras palavras a lei limita os benefícios dos mais pobres e não o faz do restante da população (vide tabela)

Além de deixar um grande número de crianças (inclusive mais pobres) fora do alcance de qualquer benefício e dos valores desiguais, dentre os 3 benefícios, o único focado nas crianças pobres e acompanhado é o BF.




Algumas deduções, que podemos tirar do estudo, todas preocupantes acerca dos benefícios direcionados à Infância:

1. Representam um baixo investimento por criança.

2. Representam um investimento muito inferior ao feito para adultos e idosos.

3. Não são direcionados (em sua maioria) prioritariamente às crianças mais pobres.

Por isto, neste dia da Criança daríamos um grande presente às mais de 5milhoes de crianças brasileiras expostas à extrema pobreza se substituíssemos o atual sistema por um único Benefício Infantil (mesmo universal). Tirar todas estas crianças da extrema pobreza, dar de rpesente o cumprimento do Art.227 custaria o equivalente adicional de 0,2% do PIB (2009). Presente barato.


 






segunda-feira, 10 de outubro de 2011

PODER x PERDER: Carlinhos, o Nobel da Paz e Escola de Frankfurt


Nestes tempos, ando recorrentemente me lembrando do que aprendi (ou do que ouvi e ainda tento aprender) com grande Carlos Pinheiro Queiroz. O caminho não é o poder é o perder. Só ganha quem perde. O medo de perder faz com que sejamos possuídos por aquilo que julgamos possuir. Tomados pelo esforço vão de evitar toda perda. Assolados pela ansiedade.

Carlinhos diz que, quando entendemos o perder e vivemos o luto pela perda (mesmo daquilo que julguemos ter), desfrutamos a vida como graça. Do outro lado, quando uma pessoa/grupo/organização/sociedade vive na prática de que o poder (entendido como a capacidade de impor sua vontade através do uso hegemônico de todos os tipos de força) é o único caminho para a mudança, estabelece relações que desperdiçam energia no aumento de tensões, e através das ações preventivas e/ou ofensivas reduzem a capacidade criativa e de superação. Noutras palavras, o poder reduz a eficiência. Carlinhos encontra Jonh Nash, Stiglitz e a teoria dos Mercados Imperfeitos

Nestes dias, acho que o liquidificador da mente misturou:  
1) da outorga do Prêmio Nobel da Paz deste ano para mulheres que desafiaram e mudaram situações injustas usando de instrumentos anti-poder,
2) os ensinamentos de Carlinhos sobre poder e perder,
3) os lutos e os conflitos para saber quem manda mais,

E acabou por me lembrei de um livro que li há uns anos, provocado pela resenha do grande Joachim Hirsch. Um livro Carliano, com certeza. Que agora sai, gratuita e integralmente na versão online da tradução em Espanhol (em Português, por hora, só em papel), conforme me compartilhou um amigo, Harold Segura.

“Cambiar el mundo sin tomar el poder” (Puebla/Buenos Aires: Universidad Autônoma de Puebla/Editorial Herramienta, 2006) de Jonh Holloway é um livro deslocado entre os manuais de auto-ajuda ou da mitologia da liderança. Também quem espera um conselho prático de como fazer para mudar de uma vez por todas o mundo, ficará desapontado. Antes de tudo, afirma que, se os objetivos são a emancipação e a libertação, a maneira como seguramente não se poderá mudar, é mediante a tomada do poder (estatal). O livro busca demonstrar que o desafio está em desenvolver o anti-poder, o poder criativo; que mudar o mundo deve ser entendido como negação do que comumente se chama política e que se esgota na reprodução permanente de relações de poder e submissão. “Uma sociedade sem relações de poder” e ao mesmo tempo que estrutre sua vontade é a meta a alcançar.

Três eixos conceituais sustentam a argumentação: o grito (fúria frente ao status quo) ; o poder instrumental versus o poder criativo; e a fetichização. É a fúria, não a razão, que impulsiona a idéia. Num retorno à subjetividade imediata que tem algo de existencialista, “a resistência a aceitar o inaceitável” e a consciência da possibilidade de um “ser radical diferente” se constitui no ponto de partida do pensamento e da ação. Nas condições sociais existentes, o poder genuíno, criativo dos seres humanos, sua capacidade de configurar autonomamente a vida social, negada pela “interrupção do fluxo social da ação. Daí surge o poder instrumental, que interrompe o fluxo da ação. A reprodução da dominação e exploração pelo próprio pensamento e a própria ação, a penetração do poder instrumental em todos os sujeitos, organizações e relações constitui o problema central de uma teoria da revolução.

A partir daí, as tentativas comunistas – fracassadas – e social-democratas de transformar o mundo mediante a conquista do poder estatal, devem ser, no geral, criticadas. O jogo do poder e anti-poder termina reproduzindo as relações instrumentais de poder de formas distintas. Ao ficar preso no conceito instrumental de poder: a libertação se transforma em ação de vanguardas, não através, mas “para” o oprimido, como espetáculo de um partido que leva o rótulo de “revolucionário”, sem merecê-lo minimamente.

“Qué se vayan todos!”, lema dos rebeldes argentinos, soa radical. Porém, a experiência demonstrou que só isso não implica uma transformação social, se não se alcançar o desenvolvimento de concepções sociais alternativas que superem as lutas fragmentadas. Talvez o mais certo seja “Que se vayan nosotros todos” :-). Holloway lembra que toda hegemonia oprime e instrumentaliza. O livro se liga muito ao debate da crise ecológica, no qual muitos defendem de que não se pode combater a exclusão (a um sistema que não funciona) incluindo mais. Deve-se excluir os incluídos. Noutras palavras, precisaríamos de um CTR-ALT-DEL.

Meus colegas cientistas políticos encontrarão muito que criticar em Holloway, devido a suas próprias incoerências conceituais e jeitinhos que dá na “dialética do esclarecimento”da dupla nada sertaneja de Horkheimer e Adorno. Porém, ler este livro é altamente recomendável porque ele recupera elementos esquecidos no cotidiano social (governos, grupos, organizações, famílias, etc.) de desenvolvimento por conflito, de crescimento por poder, de evolução por hegemonia.

Resumindo, resumindo, Carlinhos está certo.

Versão do Livro