segunda-feira, 10 de outubro de 2011

PODER x PERDER: Carlinhos, o Nobel da Paz e Escola de Frankfurt


Nestes tempos, ando recorrentemente me lembrando do que aprendi (ou do que ouvi e ainda tento aprender) com grande Carlos Pinheiro Queiroz. O caminho não é o poder é o perder. Só ganha quem perde. O medo de perder faz com que sejamos possuídos por aquilo que julgamos possuir. Tomados pelo esforço vão de evitar toda perda. Assolados pela ansiedade.

Carlinhos diz que, quando entendemos o perder e vivemos o luto pela perda (mesmo daquilo que julguemos ter), desfrutamos a vida como graça. Do outro lado, quando uma pessoa/grupo/organização/sociedade vive na prática de que o poder (entendido como a capacidade de impor sua vontade através do uso hegemônico de todos os tipos de força) é o único caminho para a mudança, estabelece relações que desperdiçam energia no aumento de tensões, e através das ações preventivas e/ou ofensivas reduzem a capacidade criativa e de superação. Noutras palavras, o poder reduz a eficiência. Carlinhos encontra Jonh Nash, Stiglitz e a teoria dos Mercados Imperfeitos

Nestes dias, acho que o liquidificador da mente misturou:  
1) da outorga do Prêmio Nobel da Paz deste ano para mulheres que desafiaram e mudaram situações injustas usando de instrumentos anti-poder,
2) os ensinamentos de Carlinhos sobre poder e perder,
3) os lutos e os conflitos para saber quem manda mais,

E acabou por me lembrei de um livro que li há uns anos, provocado pela resenha do grande Joachim Hirsch. Um livro Carliano, com certeza. Que agora sai, gratuita e integralmente na versão online da tradução em Espanhol (em Português, por hora, só em papel), conforme me compartilhou um amigo, Harold Segura.

“Cambiar el mundo sin tomar el poder” (Puebla/Buenos Aires: Universidad Autônoma de Puebla/Editorial Herramienta, 2006) de Jonh Holloway é um livro deslocado entre os manuais de auto-ajuda ou da mitologia da liderança. Também quem espera um conselho prático de como fazer para mudar de uma vez por todas o mundo, ficará desapontado. Antes de tudo, afirma que, se os objetivos são a emancipação e a libertação, a maneira como seguramente não se poderá mudar, é mediante a tomada do poder (estatal). O livro busca demonstrar que o desafio está em desenvolver o anti-poder, o poder criativo; que mudar o mundo deve ser entendido como negação do que comumente se chama política e que se esgota na reprodução permanente de relações de poder e submissão. “Uma sociedade sem relações de poder” e ao mesmo tempo que estrutre sua vontade é a meta a alcançar.

Três eixos conceituais sustentam a argumentação: o grito (fúria frente ao status quo) ; o poder instrumental versus o poder criativo; e a fetichização. É a fúria, não a razão, que impulsiona a idéia. Num retorno à subjetividade imediata que tem algo de existencialista, “a resistência a aceitar o inaceitável” e a consciência da possibilidade de um “ser radical diferente” se constitui no ponto de partida do pensamento e da ação. Nas condições sociais existentes, o poder genuíno, criativo dos seres humanos, sua capacidade de configurar autonomamente a vida social, negada pela “interrupção do fluxo social da ação. Daí surge o poder instrumental, que interrompe o fluxo da ação. A reprodução da dominação e exploração pelo próprio pensamento e a própria ação, a penetração do poder instrumental em todos os sujeitos, organizações e relações constitui o problema central de uma teoria da revolução.

A partir daí, as tentativas comunistas – fracassadas – e social-democratas de transformar o mundo mediante a conquista do poder estatal, devem ser, no geral, criticadas. O jogo do poder e anti-poder termina reproduzindo as relações instrumentais de poder de formas distintas. Ao ficar preso no conceito instrumental de poder: a libertação se transforma em ação de vanguardas, não através, mas “para” o oprimido, como espetáculo de um partido que leva o rótulo de “revolucionário”, sem merecê-lo minimamente.

“Qué se vayan todos!”, lema dos rebeldes argentinos, soa radical. Porém, a experiência demonstrou que só isso não implica uma transformação social, se não se alcançar o desenvolvimento de concepções sociais alternativas que superem as lutas fragmentadas. Talvez o mais certo seja “Que se vayan nosotros todos” :-). Holloway lembra que toda hegemonia oprime e instrumentaliza. O livro se liga muito ao debate da crise ecológica, no qual muitos defendem de que não se pode combater a exclusão (a um sistema que não funciona) incluindo mais. Deve-se excluir os incluídos. Noutras palavras, precisaríamos de um CTR-ALT-DEL.

Meus colegas cientistas políticos encontrarão muito que criticar em Holloway, devido a suas próprias incoerências conceituais e jeitinhos que dá na “dialética do esclarecimento”da dupla nada sertaneja de Horkheimer e Adorno. Porém, ler este livro é altamente recomendável porque ele recupera elementos esquecidos no cotidiano social (governos, grupos, organizações, famílias, etc.) de desenvolvimento por conflito, de crescimento por poder, de evolução por hegemonia.

Resumindo, resumindo, Carlinhos está certo.

Versão do Livro