sexta-feira, 11 de outubro de 2013

FELIZ DIA DO NADA


Tem dia de tudo o que precisamos de um dia para lembrar de que se esquece nos outros 364/365. Daí não precisar de "Dia do homem branco hétero de classe média". Todo dia já é dia do hegemônico.

Amanhã é Dia da Crianças (na definição da ONU, 0-17 aa). Hoje, Dia Internacional da Menina. Infelizmente precisamos destes dias.

É bom dar brinquedos no dia das crianças. Pena que a sociedade dá outros presentes de grego no restante do ano:
  • Crianças, nos Brasil,  são ainda 2 vezes mais pobres do que adultos (eram 4 xs há 15 anos). - - São 3,1 vezes mais vítimas da violência doméstica. 4.4 vezes mais vitimizadas a violência armada.
  • Há 6 vezes mais juízes do trabalho (para cuidar de 32% da população  do que de varas dedicadas à infância (41% da pop.). Crianças são condenadas à prisão (ou vc acredita que a Fundação Casa aplica medida sócio-educativa?) por até 3 anos sem direito a advogado e processo legal.
  • crianças recebem proporcionalmente menos da metade do investimento em saúde (41%)do que adultos.
  • de cada R$10,00 de incentivo para a cultura, apenas 0,61 são aplicados para atividades gratuitas dirigidas à crianças.


Eu poderia seguir esta lista até o dia 12/10/2014. Mas, acho que vc já pegou a ideia: a sociedade brasileira, o Estado, você, eu, o cara na mesa ao lado discriminamos as crianças, e as tratamos como semi-cidadãs (se é que existe isto). Em diferentes proporções, esta segregação é verificada em praticamente todos os países do mundo.

Coloque estes dados aí de cima entre parêntesis e multiplique pelo fator MACHISMO. 

Meninas sofrem ainda mais do que os meninos.

Mesmo que no Brasil não haja a terrível brecha de escolarização básica de outros países (320 milhões de meninas são proibidas de irem à escola, em todo mundo!), nem a institucionalização do casamento forçado, a dívida com as meninas existe por aqui tb. Ela se revela em proporções várias:
  • a precariedade do atendimento especializado em saúde.Alias, as políticas públicas raramente são desenhadas para as atender as condições específicas das meninas.
  • com exceção da violência armada, meninas são as maiores vítimas de Todos os demais tipos de violência,inclusive as mais sofisticadas e de difícil registro.
  • 47 em cada 100 vítimas de crimes de natureza sexuais são meninas (4 são homens adultos).
  • mesmo tendo mais escolarização do que os meninos, No futuro, esperam pelas meninas Salários mais baixos para as mesmas funções. E Proporção menor de acesso às carreiras mais valorizadas.

Mas estas não são as única vulnerabilidade  a qual estão expostas às meninas. É que os piores crimes de uma sociedade são os mais escondidos e portanto  mais difíceis de colocar em um gráfico de pizza. Quando chegam às estatísticas, já é tarde. É "desde menino que entortamos o pepino" do sexismo e suas manifestações socioeconômicas culturais, religiosas e diversos eticéteras.

" Pelos seus números vos conhecereis". E os números brasileiros (os mundiais tb) mostram que crianças e, em proporção cumulativa, ainda mais as meninas sofrem de um não oficializado apartheid.

E de tão banal a discriminação, acabamos por acha-la natural. Não é.

De tão beneficiados como grupo dominante que somos, nós adultos racionalizamos. Relativizamos. Fugimos da realidade. Poderia dizer que negar a realidade é um comportamento "infantil". Mas, seria injusto com as crianças. Infantil é algo que nossa sociedade deveria ser e não é.

Pensamos que "a infância passa". Mas, não passa, fica nas estruturas. Uma sociedade que trata desigualmente às suas crianças, perpetua a injustiça, embrenha a desigualdade, reduz suas possibilidades de transformação positiva. Tratar desigualmente as crianças (e ainda mais desigualmente as meninas) é cavar, com seus próprios pés, o abismo social.

Ao invés de nos transformarmos pelas crianças (sermos "como crianças"), transformamos as  crianças em grupo explorado, garantimos a perpetuação do ciclo de injustiça.

Leis para beneficiar idosos todo mundo acha bonitinho. Beneficiar Criança para que? Se elas sobreviverem e chegarem a ser idosos, a gente protege.  O discurso fácil diz que é possível incluir sem mexer nos seus privilégios, sem dividir a conta. Não é. 

Tratar as crianças (e as meninas) com justiça representará quebrar os privilégios adultos/machistas. Mas, quem abre mão de privilégios? O conceito de Direito Adquirido (principal argumento dos proprietários de escravos no Brasil  quando criticavam a proposta de Abolição) nos faz ignorar que não há Direito na Injustiça. 

"Mudar tudo o que está por aí" não se fará por compartilhamento nem curtidas de Facebook. Nem por passeata pós-modernas. A única subversão capaz desta tarefa  é Tratar com justiça as crianças. 

Justiça para Crianças, inclusive TODAS as meninas, implica em aplicar prioritariamente o orçamento público a elas. Criar e fazer cumprir leis que as protejam e respeitem a especificidade. Valorizar, privilegiar, sobrepor o interesse da criança ao nosso. Tornar-se intolerante com a desigualdade e o preconceito. Ouvir as crianças e dialogar com elas. 

Parafraseando o slogan de minha presidenta: "Sociedade desenvolvida é Sociedade que não  precisa de Dia das crianças nem de Dia das Meninas"

Como o texto ficou sombrio demais, melhor terminar com algo tipo:

Por um Feliz Dia das Crianças...

Melhor, por um dia em que a gente possa desejar FELIZ DIA DO NADA