sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Poesia e Porta de Saída do Bolsa-Família


O conselho para os alunos é sempre o mesmo: Dados são como poesia, não importa a intenção de quem os coletou e sim com o significado para quem os lê.

Alexandre Leichsenring demonstra que tomou o conselho a sério e honra a tradição de fugir ao óbvio, tomar conclusão como dado ou copiar "press release". Em um trabalho apresentado nesta semana (baseado em Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza , IME, 2010), ele inverteu a ordem como os dados do Bolsa-Família vinha sendo lidos. Recorrentemente as pesquisas enfatizam que a maioria dos beneficiários trabalha para complementar o benefício; que a taxa de ocupação entre beneficiários é até maior do que entre não beneficiários com as mesmas condicionantes, etc. Já se sabia que o BF não é um desestímulo ao trabalho, que até contribui para o aumento do salário médio, etc. Este tipo de leitura reforça que o BF é um complemento a salários que não cobrem o essencial (um tipo de subsídio aos patrões e seus salários baixos) e que, a despeito de discursos preconceituosos, não estimula o ócio.

Mas Ale, lendo a poesia dos dados, fez outra pergunta: quantos beneficiários do BF realmente dependem dele para viver? Em outras palavras, quem está mais perto de conseguir suprir o básico mínimo para seus filhos, sem o auxílio do programa? Descobriu que 88% dos beneficiados nunca tiveram rendimento proveniente do mercado formal de trabalho (2004 e 2007). Embora a imprensa tenha replicado a manchete de que "88% das famílias não têm outra renda", a pesquisa de Alexandre diz outra coisa:  88% dos beneficiários dependem do BF. Nota 10 para o Ale, Zero para os jornalistas que leram a matéria com sua habitual lente preguiçosa (curioso é que a preguiça empre leva ao mesmo tipo de interpretação, a do dono do veículo) rsrsrs

Dos 51,4 milhões de pessoas (16-64 anos) e 64 anos registradas no Cadastro Único (cuja sigla estamos proibidos de usar por este se tratar de um blog-família:->) do BF, 6,4 milhões, o que representa 12%, apresentaram renda além do benefício pago pelo governo federal.

A pergunta de Leichsenring aponta para a política social, enquanto a leitura dos dados tradicionais analisa a política assistencial. As críticas ao BF vêm de dois lados: os que dizem que é uma bolsa-vagabundagem (coisa que qualquer um minimamente alfabetizado em dados saberia que não é verdade) e dos que dizem que o BF causa dependência. Estes últimos confudem. Programas como o BF há até em países ricos e destinam-se a garantir um direito: sobreviver. O BF é um programa asistencial.  O próprio governo caiu, vez por outra, no discurso que o BF seria política social. O estudo do Ale mostra que não é. O Brasil tem um parco e ineficaz programa social, ie, conjunto de  ações coordenadas para gerar o desenvolvimento. A necessidade de um imenso reforço e melhoria no programa social não implica em reduzir o BF e a área assistencial. Ambos conjuntos de políticas são necessárias. Sobreviver é um direito, assim como poder incrementar renda, escolaridade e demais condições de vida. O desenvolvimento seria a tal "porta de saída" que os dados de Ale mostram não estarem abertas para 88% dos beneficiários.

Os motivos para a tal porta de saída ( que é desejável, mas não obrigatória) estar trancada são explorados no trabalho de Alexandre. Aqui ele não encontou nenhuma novidade (porque talvez não haja mesmo). Para gerarem renda estavelmente e em níveis que tornem o BF desnecessário, haveria que se incrementar a escolaridade (quase 75% dos tem menos do que o ensino fundamental), melhorar condições de saúde, disponibilizar infra-estrutura de creches e a acessibilidade (principalmente dos transportes públicos). Destrancar as portas de saída para uma política que reduza a demanda de assistência não é uma tarefa fácil, mas as chaves já são conhecidas.