Tem dia de tudo o que precisamos de um dia para lembrar
de que se esquece nos outros 364/365. Daí não precisar de "Dia do homem
branco hétero de classe média". Todo dia já é dia do hegemônico.
Amanhã é Dia da Crianças (na definição da ONU, 0-17 aa).
Hoje, Dia Internacional da Menina. Infelizmente precisamos destes dias.
É bom dar brinquedos no dia das crianças. Pena que a
sociedade dá outros presentes de grego no restante do ano:
- Crianças, nos Brasil, são ainda 2 vezes mais pobres do que adultos (eram 4 xs há 15 anos). - - São 3,1 vezes mais vítimas da violência doméstica. 4.4 vezes mais vitimizadas a violência armada.
- Há 6 vezes mais juízes do trabalho (para cuidar de 32% da população do que de varas dedicadas à infância (41% da pop.). Crianças são condenadas à prisão (ou vc acredita que a Fundação Casa aplica medida sócio-educativa?) por até 3 anos sem direito a advogado e processo legal.
- crianças recebem proporcionalmente menos da metade do investimento em saúde (41%)do que adultos.
- de cada R$10,00 de incentivo para a cultura, apenas 0,61 são aplicados para atividades gratuitas dirigidas à crianças.
Eu poderia seguir esta lista até o dia 12/10/2014. Mas, acho que vc já pegou a ideia: a sociedade brasileira, o Estado, você, eu, o cara na mesa ao lado discriminamos as crianças, e as tratamos como semi-cidadãs (se é que existe isto). Em diferentes
proporções, esta segregação é verificada em praticamente todos os países do
mundo.
Coloque estes dados aí de cima entre parêntesis e
multiplique pelo fator MACHISMO.
Meninas sofrem ainda mais do que os meninos.
Mesmo que no Brasil não haja a terrível brecha de
escolarização básica de outros países (320 milhões de meninas são proibidas de
irem à escola, em todo mundo!), nem a institucionalização do casamento forçado,
a dívida com as meninas existe por aqui tb. Ela se revela em proporções várias:
- a precariedade do atendimento especializado em saúde.Alias, as políticas públicas raramente são desenhadas para as atender as condições específicas das meninas.
- com exceção da violência armada, meninas são as maiores vítimas de Todos os demais tipos de violência,inclusive as mais sofisticadas e de difícil registro.
- 47 em cada 100 vítimas de crimes de natureza sexuais são meninas (4 são homens adultos).
- mesmo tendo mais escolarização do que os meninos, No futuro, esperam pelas meninas Salários mais baixos para as mesmas funções. E Proporção menor de acesso às carreiras mais valorizadas.
Mas estas não são as única vulnerabilidade a qual estão expostas às meninas. É que os
piores crimes de uma sociedade são os mais escondidos e portanto mais difíceis de colocar em um gráfico de
pizza. Quando chegam às estatísticas, já é tarde. É "desde menino que
entortamos o pepino" do sexismo e suas manifestações socioeconômicas culturais, religiosas e diversos eticéteras.
" Pelos seus números vos conhecereis". E os
números brasileiros (os mundiais tb) mostram que crianças e, em proporção
cumulativa, ainda mais as meninas sofrem de um não oficializado apartheid.
E de tão banal a discriminação, acabamos por acha-la natural. Não é.
De tão beneficiados como grupo dominante que somos, nós adultos racionalizamos. Relativizamos. Fugimos da realidade. Poderia dizer que
negar a realidade é um comportamento "infantil". Mas, seria injusto
com as crianças. Infantil é algo que nossa sociedade deveria ser e não é.
Pensamos que "a infância passa". Mas, não
passa, fica nas estruturas. Uma sociedade que trata desigualmente às suas
crianças, perpetua a injustiça, embrenha a desigualdade, reduz suas possibilidades de transformação positiva. Tratar desigualmente as crianças (e ainda mais desigualmente as meninas) é cavar, com seus
próprios pés, o abismo social.
Ao invés de nos transformarmos pelas crianças (sermos
"como crianças"), transformamos as
crianças em grupo explorado, garantimos a perpetuação do ciclo de injustiça.
Leis para beneficiar idosos todo mundo acha bonitinho. Beneficiar Criança para que? Se elas sobreviverem e chegarem a ser idosos, a gente protege. O discurso fácil diz que é possível incluir sem mexer nos seus privilégios, sem dividir a conta. Não é.
Tratar as crianças (e as meninas) com justiça representará quebrar os privilégios adultos/machistas. Mas, quem abre mão de privilégios? O conceito de Direito Adquirido (principal argumento dos proprietários de escravos no Brasil quando criticavam a proposta de Abolição) nos faz ignorar que não há Direito na Injustiça.
"Mudar tudo o que está por aí" não se fará por compartilhamento nem curtidas de Facebook. Nem por passeata pós-modernas. A única
subversão capaz desta tarefa é Tratar
com justiça as crianças.
Justiça para Crianças, inclusive TODAS as meninas, implica em aplicar prioritariamente o orçamento público a elas. Criar e fazer cumprir leis que as protejam e respeitem a especificidade. Valorizar, privilegiar, sobrepor o interesse da criança ao nosso. Tornar-se intolerante com a desigualdade e o preconceito. Ouvir as crianças e dialogar com elas.
Parafraseando o slogan de minha presidenta: "Sociedade desenvolvida é Sociedade que
não precisa de Dia das crianças nem de
Dia das Meninas"
Como o texto ficou sombrio demais, melhor terminar com
algo tipo:
Por um Feliz Dia das Crianças...
Melhor, por um dia em que a gente possa desejar FELIZ DIA DO NADA