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terça-feira, 10 de setembro de 2013

A CHAPA, O ABISMO E A COLHER






A primeira conversa do dia (ao levar minha filha para a escola, ela vai muda:) é com Serginho, o chapeiro especialista em baguete com casquinha, no balcão da padaria. O tema geralmente é futebol. Daí, ao me ver entretido com uma leitura, perguntou-me se eu estava lendo sobre o São Paulo “dele”. Provoquei o torcedor do outrora glorioso dizendo que não me interessava por temas que eu não podia mudar. Estava agarrado mesmo com um relatório sobre as desigualdades entre “as condições de saúde materno-infantil entre os países”. Com cara interrogativa e na iminência da baguete torrar, Serginho me perguntou: E dá para mudar isto?

O relatório “A Brecha Assassina”, elaborado pela World Vision (Visão Mundial) tem a clara finalidade: Mostrar aonde as crianças seguem morrendo sem necessidade (19.000 por dia, de causas evitáveis/tratáveis!) e como reverter este quadro. Para isto, o relatório sai dos tradicionais rankings de medição nacional (aqueles o campeão é sempre a Suécia ou a Finlândia) e mapeia o fosso intranacional, isto é, a desigualdade interna nos indicadores de saúde infantil entre os pobres e ricos, dentro de cada país, segundo 4 indicadores:
  1. Expectativa de Vida: Esta medição mostra as atuais desigualdades na expectativa de vida entre grupos de pessoas e diferentes áreas de um país, incluindo mortes neonatais e de menores de cinco anos.
  2. Custo de Pessoal por Uso de Serviços de Saúde: Medido através de um indivíduo faz pagamentos do próprio bolso para cuidados de saúde.
  3. Taxa de Fertilidade (Adolescentes): Evidências mostram a correlação entre sobrevivência e idade da mãe (ligada à renda, escolaridade e condições físicas). Logo, a taxa de fertilidade na adolescência é uma representação da capacidade de grupo de população para sustentar seus filhos.
  4.  Cobertura dos Serviços de Saúde: Medido pelo número de médicos, enfermeiros e parteiras por 10.000 pessoas em um país. A evidência mostra que os países com menos de 23 médicos/enfermeiros/Parteiras por 10.000 pessoas são incapazes de chegar a toda a população com serviços essenciais de saúde de forma adequada. Medico cubano conta na estatística :-)
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A primeira constatação de quem lê o sintético relatório é que a brecha é um abismo. Além do idioma que falarão uma criança nascida na Franca e outra no Chade não têm nenhum destino comum. Já sabíamos pelos relatórios tradicionais que a africana terá quase 280 vezes mais chance de morrer, antes de completar os 5 anos de idade, do que a francesa. Já era ruim? O Relatório da WV mostra que a criança pobre chadiana tem quase 1800 vezes mais chances de morrer, antes de completar 5 anos que uma criança de classe média francesa.

A segunda constatação é que dinheiro não é tudo. Vários países ricos têm brechas internas de saúde mais altas do que países de renda média ou mesmo baixa. Itália, Coreia do Sul não estão sequer entre os 20 menos desiguais para crianças. EUA quase está fora dos 50 melhores. Todos perdem para Cuba, Bielorrússia, Uruguai e Tonga. Nota do Autor: Não sei esta “Tonga” não é a mesma da Tonga da Mironga do Kabuletê kkk

Mas, o abismo não para aí, embora não demonstre o relatório, há ainda as diferenças subnacionais, as determinadas pela geografia na qual a criança nasce. Crianças pobres de regiões remotas são ainda mias prejudicadas do que as de regiões urbanas, mesmo quando têm faixa de renda equivalente.  São as desigualdades sobrepostas: renda, idade da mãe, região e etnia. Dentro de países altamente desiguais, como Brasil, África do Sul e Filipinas, uma criança nascida de mãe extremamente pobre, jovem e de minoria étnica tem em média 13 vezes mais chance de morrer antes dos 5 anos do que outra, de uma mãe branca de classe média da capital. Menos do que os mais de 150 vezes de há 20 anos, mas ainda feio.

Por ter seu foco na faixa da mortalidade infantil (abaixo de 60 meses), o relatório também não aponta para as desigualdades de mortalidade até o final da adolescência. As geradas por “causas externas”, principalmente a violência. Se este dado lá estivesse, veríamos que um menino pobre negro brasileiro que vence as probabilidades contrárias e sobrevive, terá 21 vezes mais chances de ser assassinado antes dos 18 anos.

Eis o abismo. E a colher? Bem, a colher é a que eu, você, o Serginho e todos nós temos nas mãos para tapar este abismo. Esta colher carrega somente um voto, uma voz, uma rede de relações, uma ação, uma coalizão. Enfim, nesta colher cabem uma disposição, um compromisso e uma ação. Desprezível? O próprio relatório aponta que não.  
Para tapa-lo, ou ao menos diminui-lo, é necessário entender o que provoca o abismo.  E o relatório mostra que alguns aspectos que, se resolvidos, poderiam tapar, em um intervalo de 10 anos, mais de metade deste abismo. Pouco? Isto já representaria, nas atuais taxas de natalidade, salvar mais de 3.000.000 de crianças por ano. Alguns dos fatores listados no relatório, sobre os quais o Serginho tem poder de influência, são:
  1. Aumento do investimento (público e privado, aquele que vem do orçamento familiar) nos primeiros anos de vida, que é o período com o maior potencial de proporcionar boas condições de saúde para a vida.
  2.  Políticas e práticas e estabeleçam infraestrutura, serviços e trabalhadores de saúde (Médicos/Enfermeiros/etc.) presentem em áreas urbanas periféricas e rurais.
  3. Condições de trabalho que respeitem os direitos e a condição feminina, já que a saúde e condições de trabalho da mulher estão associadas diretamente a sobrevivência e saúde da criança.
  4. Seguridade social inclusiva: Em todo o mundo, 4 em cada 5 pessoas não têm o apoio de cobertura social básica. Este item, no qual o Brasil está entre os 20 melhores do mundo, contribui para uma melhor saúde, incluindo menor mortalidade.
  5. Comportamentos sociais que: privilegiem a criança, pratiquem e disseminem igualdade.


De colher em colher, esta brecha, construída, pode ser revertida. 

Já quanto ao São Paulo do Serginho... Bem, neste caso melhor uma pá, para ele cavar um buraco e se esconder de vergonha até o time melhorar. 

O relatório pode ser encontrado em:



quarta-feira, 17 de julho de 2013

QUAL É O CUSTO DA CORRUPÇÃO?



Noutro dia, em uma conversa sobre os protestos contra “tudo o que está aí”, perguntaram-me qual é custo da corrupção. Meus interlocutores esperavam uma resposta econométrica, destas que lhes provesse dados numéricos para corroborar o que eles sabem com certeza: de que são vítimas justas e indefesas de um Estado corrupto ao qual sustentam com seu trabalho.

Comecei minha resposta pela velha e necessária definição de termos. Considero corrupção como todo desvio de finalidade de um recurso e/ou direito. Logo, há corrupções. E acontecem em distintas esferas (Estado, Empresas, Igrejas, Associações) e formas (diretas, quando os recursos são usados ilegalmente; ou indiretas, quando são aplicados contrariamente aos princípios de seu uso).

As corrupções diretas (superfaturamentos, concorrências viciadas, etc.) são evidentes e as únicas passíveis de punição. Nas indiretas, mais sutis e impuníveis, o recurso é usado para beneficiar poucos e/ou ineficiente-displicentemente. Cabem aqui as organizações religiosas e civis que alavancam agendas de poder ou negócio; as empresas que geram demandas de bens desnecessários e/ou influenciam leis por lucro; as políticas/práticas públicas preferenciais para não pobres, tais como incentivos fiscais excludentes, aparato policial priorizado em proteger a classe média; a Justiça que garante direitos só aos com recursos para reclamá-los; as normas que priorizam o controle à vida; negar acesso a uma tecnologia que salva vidas aos que não podem pagar; o orçamento destinado à guerra e não à paz ou à infraestrutura e não às pessoas. E muitos mais eticéteras.

Há também corrupções individuais, de todos os tipos. A sonegação de impostos, ativa ou através de compras ilegais ou descontos indevidos, é roubo. Estacionar em uma área indevida é desviar a finalidade do uso de um espaço. Conduzir depois de beber ou acima da velocidade corrompe um direito. Priorizar interesses adultos aos das crianças rouba a prioridade delas ao desenvolvimento. Poderia estender a lista com as corrupções no uso de recursos naturais.

As estimativas sobre custos das corrupções são imprecisas porque cada uma delas desencadeia prejuízos sociais e/ou impede ganhos. Mas, é possível deduzir o custo mínimo, através de um caminho metodológico, semelhante ao usado em Astrofísica para encontrar corpos celestes, pelas distorções. Se assumirmos o pressuposto de que os recursos e capacidade da sociedade são suficientes para garantir os Direitos (alimentação, moradia, saúde, educação, paz social, participação, etc.), toda não realização destes (exceto as decorrentes de opção individual) pode ser considerada nos custos das corrupções. 

Mais importante do que cifras e rankings subjetivos, as corrupções têm enormes custos humanos. Números? Cito um: mais de 165.000 mortes anuais evitáveis de crianças e adolescentes, no Brasil, só para contar as geradas por falta de saneamento, atendimento em saúde, violências e poluição atmosférica (agravadas pelo modelo de transporte individual movido a incentivo fiscal).   

Para reduzir os custos das corrupções é necessária uma intolerância moral que rejeite maniqueísmos, exerça crítica/autocrítica traduzida em participação para a transparência e reoriente as ações.

Em resumo, decepcionei meus interlocutores.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O MUNDO QUER SABER SE VOCÊ ESTÁ FELIZ



A busca pelo graal de um índice que reflita o estado de bem-estar integral já conta com mais 40 anos de história. Inicialmente desprezada como poesia pelos economistas, o tema ganhou terreno nesta última década e invadiu departamentos sisudos como os da Universidade de Chicago, Yale e Berlin. Mais recentemente, chegou até aos Bancos Privados (Ex: Banco Itaú, que criou e mede o Índice Itaú de Bem-estar Social) e Grandes Corporações (BP).

Um dos motivos que impulsionou o tema foi o divórcio (se é que um dia foram casados:->) entre a trinca de indicadores clássicos (riqueza, escolaridade e longevidade) de outros como: desigualdade, paz social, suicídios, poupança/esperança, etc. Nos manuais de Economia, tudo viria em um pacote só. Tipo combo do McDonald’s. Ficou rico, leva a batatinha, quer dizer, a paz de brinde. Mas, para surpresa dos economistas (PS: Justiça seja feita aos maridos traídos, na verdade são os Economistas os últimos a saberem das coisas:->) países estão ficando mais ricos educados e longevos e; ao mesmo tempo, a vida (ou a percepção dela) piora. Até o monitoramento do progresso das Metas do Milênio mostra que mesmo países que avançam significativamente nas Metas não experimentam necessária correlação deste avanço com indicadores de qualidade de vida, nem as medidas, nem as percebidas.

Daí, é um quase consenso hoje o tal “Paradoxo do Crescimento”, um nome científico complexo para o que minha avó dizia: “menino, o dinheiro não traz felicidade”.

Até um índice de Felicidade Interna Bruta foi criado e produziu aumento de programas de televisão sobre o bucólico Butão, campeão global do índice, mesmo que nem se deem conta da sua existência. Alias, talvez por isto sejam felizes, porque não se preocupam com indicadores.

A despeito da fragilidade metodológica destas tentativas, é certo de que o mundo precisa de medidas mais antropocêntricas para olhar no espelho. Desenvolvimento bom é o que muda positivamente a vida da maioria das pessoas. Porém que ninguém seja Poliana. A onda dos índices de felicidade tem uma agenda política e mesmo comercial por detrás. Uma das indústrias de crescimento mais surpreendente, durante o atual período de crise econômica e austeridade tem sido "indústria da felicidade". Felicidade passou a ser objeto de trabalho crescente de economistas e matemáticos (e não filósofos ou cantores de axé somente) que estudam o que constitui a felicidade e fazer recomendações aos governos sobre como melhor para aumentá-la.

Não podemos desprezar o fato de que tais índices ganham a agenda pública dos ex-ricos do Norte justamente quando a crise econômica mais os atinge. Em meio a um aumento substancial da miséria, em uma época de baixa reputação dos magos das finanças, quando parecem faltar respostas não-convencionais a problemas históricos (o fato de que a riqueza do Norte foi alavancada no pós-guerra com base em exploração de matérias-primas + mão de obra baratas em outros países, aliados a pesados endividamentos em moedas autoproclamadas fortes), surgem economistas vetustos criando um novo conjunto de indicadores para debate.

A indústria do índice de felicidade tem conseguido recentemente um auge com a publicação mega-divulgada do primeiro Relatório Mundial Felicidade. Encomendado por uma Conferência das Nações Unidas sobre Felicidade, sob os auspícios da Assembleia Geral da ONU, que traz o imprimatur da Universidade de Columbia (Earth Institute) e é editada pelo seu diretor, Jeffrey Sachs (economista pop star, ex-liberal, convertido ao credo do Desenvolvimento) e por dois especialistas em felicidade (seja lá o que isto signifique), Richard Layard (London School of Economics) e John Helliwell (Universidade de British Columbia). O relatório conclui que o mundo é mais feliz no norte da Europa (Dinamarca, Noruega, Finlândia, Países Baixos) e mais infeliz na África (Togo, Benin, República Centro Africano, e Serra Leoa). Além de contrariar os que acham que é necessário sol e praia para ser feliz, o relatório traz poucas novidades nos resultados. Mas, é a primeira tentativa econométrica robusta de constituir um índice destes (o Índice Bruto de Felicidade é legal, mas é mais poesia do que medição).

Se ainda não sabemos como medir ao certo a felicidade, um grupo já está feliz ganhando recursos públicos e privados para tentar medi-la. O governo dos EUA convidou peritos, incluindo Daniel Kahneman (psicólogo, Nobel de Economia) para elaborar medidas de "bem-estar subjetivo". Mantendo sua tradição, os EUA são o último grande país a embarcar nesta canoa. O governo francês começou a publicar sua própria felicidade indicador em 2009. O Gabinete Nacional de Estatística da Grã-Bretanha tem um programa para medir o bem-estar nacional, há 5 anos. A OCDE já elabora diretrizes para os seus membros produzirem um "banco de dados de bem-estar". O Brasil já incluiu, em algumas pesquisas do IBGE, a percepção de segurança e esperança.

Os pesquisadores dividem os sentimentos das pessoas em "felicidade afetiva" (humores diários) e "felicidade avaliativa" (avaliação global que uma pessoa faz de sua vida). Eles construíram indicadores que buscam a felicidade a partir de diferentes pontos de vista, usando perguntas como "Quão feliz você estava ontem?" (Reino Unido); "Todas as coisas considerado, quão satisfeito você está com sua vida como um todo hoje em dia? "(IRS Europeu) e" Tomando em consideração todas as coisas, você diria que é: muito feliz, muito feliz, não muito feliz ou nada feliz "(World Values Survey)?

Eu me pergunto quem responde a um questionário destes? Se eu fosse perguntado, logo responderia com uma contraproducente pergunta: Defina “satisfeito”. Logo, o entrevistador seria um exemplo claro de pessoa infeliz se a mim viesse entrevistar. Mesmo que os demais entrevistadores seja menos chato do que eu, as suas respostas diferem muito. Isto estimula ainda mais a nascente “ciência da felicidade”. Os autores do Relatório de Felicidade Mundial argumentam que a felicidade pode ser medida objetivamente, mesmo que difira sistematicamente através das sociedades e ao longo do tempo. Por fim, partem do pressuposto de que a felicidade tem causas previsíveis e que, mesmo não de maneira linear, está correlacionada com coisas específicas (tais como a riqueza, a distribuição de renda, saúde e instituições políticas). Logo, portanto, deve ser possível para o governo a criar as condições adequadas para a felicidade a florescer.

Por mais desejável e necessário que seja olhar o bem-estar, os críticos destes índices argumentam que além da dificuldade técnica, trazer a felicidade para a agenda pública é dar ao Governo é responsável por sua felicidade. E a agenda da felicidade também chegou (ou está a caminho) ao marco jurídico de vários países. O Direito a ser feliz já foi aprovado pelo Senado brasileiro e está presente em leis de países como Japão, México e Suécia.

Por isto, o que lhe faz feliz já não é mais tema de propaganda de supermercado nem chaveco para a balada. Você está feliz com isto?



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

NÃO TEM PREÇO





1. Ação de desocupação da área do “Pinheirinho”, infraestrutura, mobilização aos policiais e outros servidores públicos, aluguel das máquinas para demolição das casas (Ainda há PMs e equipes da prefeitura na área): R$ 7 milhões.

2. Abrigo aos desalojados: R$ 3,5 milhões, até dia 31/1.

 

3. ‘Aluguel social’ até que o conjunto habitacional prometido ficar pronto, (R$ 500/mensais por 18 meses), se não atrasar: R$ 9 milhões.

4. Construção das moradias para os desabrigados: R$ 88 milhões.

5. Custo total da Operação: R$ 107,5 milhões. R$ 103 milhões dos cofres públicos (a massa falida ilibado empresário Naji Nahas, o mesmo dos principais escândalos do Governo Sarney reembolsou R$4milhões pela desocupação)

6. Indenizações que o Estado terá que pagar, caso as ações movidas sejam bem sucedidas: sem cálculo.

7. Valor de mercado do terreno ocupado (avaliado judicialmente em R$180milhoes): R$110 milhões.

8. Dívidas do terreno com a prefeitura, INSS e outros órgãos públicos: R$41milhões (Embora, a prefeitura inspirada somente pelo interesse social com certeza, tenha dado uma anistia nos juros e reduzido em 70% o seu crédito)

9. Valor líquido do terreno: R$69 milhões

10. Projeto habitacional no próprio terreno para as famílias: R$8 milhões (os moradores haviam concordado em pagar, entre R$ 3 e R$6 mil, pelos terrenos que ocupavam).

11. 3 calculadoras chinesas para que: o Prefeito de SJC, o Governador, e o Judiciário possam fazer as contas acima: R$12,00.

12. O contribuinte pagar R$103,5 milhões por uma remoção violenta, que expos mais de 150 crianças a um “inferno”, mal planejada, que “fura a fila” do programa habitacional (e gera tensões) e sem interesse público nenhum; enquanto a solução pacífica custaria R$77milhões: NÃO TEM PREÇO.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ADÃO & EVA NO "OCCUPY BRASILÍA"


Desde que Adão e Eva foram inquiridos, a resposta mais comum a qualquer questionamento é: o culpado é o outro, ou a outra. O movimento “Occupy Brasília” não é diferente. Baseado em uma bandeira muito nobre: 10% de investimento do PIB, o dízimo em educação, o movimento acampou na capital federal com o mote que a culpa é dos outros.

Mesmo que particularmente prefira pegar em armas a acampar (na adolescência, tive uma overdose de acampamento mosquitos, odores nauseantes, calor e miojo:), eu apóio a idéia de melhorar a educação. Mas, os bem intencionados acampantes de Brasília estão profundamente equivocados no alvo: tanto no valor, quanto na abordagem.

O erro do valor é que:

1. O Investimento público direto, nos 3 níveis, já é superior a este patamar: 11,8%; se consideramos o PIB que o Estado administra (em torno de 34% do total).

2. No investimento privado, 89% da população brasileira já investe mais do que 10% em educação. As classes C e D chegam a investir quase ¼ de sua renda neste item.

3. 11% da população (renda familiar per capita superior a R$1650,00/mês) investe menos de 10% em educação. O 1% mais rico do Brasil investe menos de 1.5% em educação, contra 6.5% de investimento da mesma elite nos EUA, por exemplo. Em países como EUA, Canadá, UK e França, a classe média faz investimentos complementares na escola pública, até quando não dela se beneficia.

4. Além dos 11,8% de investimento público direto, o Estado também subsidia a educação das classes não-pobres através de:

       a. Renúncia fiscal do Imposto de Renda: 2.1 Bilhões/Ano (estimativa cruzada porque a receita não libera este dado). Enquanto o Estado subsidia até R$1400,00/ano por dependente/contribuinte de classe média, investe R$780,00 em crianças (pobres em sua maioria) do ensino fundamental público.

      b. O investimento direto feito na educação é acrescido de isenção/elisão fiscal para o setor educacional privado, via CNAS e privilégios fiscais (não condicionados a nenhuma contrapartida). Este total chega a R$4,5 Bilhões/ano, segundo estimativas de Linz Perdo (UNICAMP). A indústria da educação paga em média 26% a menos de impostos que outras e 14% menos de impostos do que a Agricultura.

    c. Através de mecanismos de incentivo (como o sistema S, os militares e outros menores), ainda 1,4 Bilhão é destinado à Educação.

O equívoco na abordagem é brigar por um valor do PIB é desprezar um fator ainda mais importante do que o montante: a eficiência e focalização do investimento. O Brasil não investe pouco. Se somarmos os investimentos Investe em poucos e de maneira não eficiente.


1. O investimento no aluno de ensino superior chega a 400% mais do que no de ensino fundamental. A média mundial é de 150% a mais.

2. Quase 6 milhões de crianças de 3-5 anos (educação pré-escolar) divide um investimento total inferior a 20% do realizado para pouco mais de 850mil alunos das universidades públicas.

3. Para cada 3 professores, a educação pública paga um funcionário administrativo. A média dos países desenvolvidos é de 1 administrativo para cada 12 professores.

4. Todo mundo diz que professor ganha pouco. Um dos motivos é que os que estão trabalhando na educação dividem a renda com os que não estão. Só uma correção para parâmetros internacionais já representaria quase 40% de aumento real para os professores.

5. Não há mecanismos efetivos de avaliação e punição a professores ruins. O governo de SP tem um curioso caso, onde não conseguiu demitir um professor, condenado em última estância por espancar um aluno. Não há registro, segundo a Federação Nacional dos Trabalhadores na Educação, de um professor estável sequer que tenha perdido o emprego por não ensinar bem.

6. Das 27 unidades federativas, 19 têm mecanismos de participação popular na gestão educacional. Mas, segundo levantamento do Movimento todos pela Educação, estes mecanismos têm baixíssima participação da população em mais de 80% dos casos. Segundo levantamento, o 2º. principal motivo é desinteresse.


Assim, se eu fosse sugerir uma pauta ao “Occupy Brasilia” quanto à Educação, ela seria:


1. Fiscal:
a. Abolir toda isenção fiscal para educação dada às classes média e alta.
b. Tratar o setor Educacional privado com os mesmos impostos dos demais (isto afetaria as mensalidades privadas, com certeza).
c. Já somaríamos 6.6 Bilhões/ano.


2. Política
a. Redução dos gastos não educacionais na educação.
b. Avaliação pública de escolas e professores com fim da estabilidade para professores ineficientes.
c. Focalização dos investimentos públicos nos pobres.
d. Maior envolvimento e investimento da população nas questões educacionais, através dos conselhos e mecanismos.


Assim, ao invés de “Occupy Brasília”, o movimento terminaria sendo: Occupy Shopping Iguatemi e Occupy Sindicato dos Professores kkk 

Mas, seria difícil isto ser aceito porque em uma coisa Direita e Esquerda; Ricos & Pobres; Adão & Eva concordam: a culpa é do outro.


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Dados: 1)Censo Educacional, IBGE 2010. 2) Participação & Educação: Todos Pela Educação. 2) TD 137, IPEA. 3)Radar Investimento Publico, UNICAMP, 2011.



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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

PORQUE NÃO SOMOS 7 BILHÕES. MAS, ISTO NÃO IMPORTA TANTO...


Hoje, fim de mês, a ONU fecha a conta do mundo em 7 bilhões. Isto não é uma estatística, é uma marca:).

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) tem uma tradição de exagero. 7 Bilhões é uma estimativa par cima, baseada em projeções . Os motivos principais para a superestimativa:

1. Defasagem: As estimativas se baseiam em dados primários que estão muito defasados para mais de 30% da população mundial.

2. Urbanização: O UNFPA continua estimando taxas de crescimento baseadas nos mesmos perfis rural/urbano, de quando os dados primários foram tomados. Mas, pesquisas amostrais mostram que a urbanização é maior do que a estimada, portanto a taxa de crescimento deveria ser corrigida.

3. Imprecisão: Outro ponto é da natureza dos governos sempre colocar os números para cima (coisa de homem isto kkk). O ILDES fez uma validação e dados de Censo no Chade, Nigéria e Bangladesh e verificou que a população estaria superestimada em 14%, em média. Populações tribais, por exemplo, estão sendo contadas na vila de origem e na cidade onde realmente vivem.

4. Mas metade da população mundial já mora em países em que as pessoas têm menos filhos do que precisariam para repor as gerações (abaixo de 1,8 filhos)

Assim, os dois outros centros de estudos populacionais (ILDES-Paris I e BPPT-Standford) e mesmo alguns demógrafos do próprio UNFPA estimam que estejamos entre 6.4 e 6.7 bilhões.

Seja 6.4B ou seja 7B, toda vez que estes números são divulgados, o Reverendo Metodista Thomas Malthus volta a povoar os pesadelos de muitos. A imagem que se tem é que o planeta virará uma imensa Estação da Sé às 18h00min. A imagem de ficção cientifica é completada com fome, sede, doenças e governos totalitários. O fantasma da Superpopulação.

Se você é do tipo que gosta deste fantasma, pare de ler por aqui e vá estocar água, comprar um sítio em Alto Paraíso ou coisa assim. Se quiser trocar seus pesadelos por alguns dados da realidade, siga:

1. O que mais ameaça o equilíbrio população X recursos não é a quantidade, é a desigualdade associada à insustentabilidade do modo atual de produzir/consumir.

a. A ameaça de escassez de recursos não está diretamente relacionada ao número total de população, mas aos modos de produção e consumo. Bastariam 2 bilhões de pessoas no mundo, com o consumo médio de água dos ingleses para que houvesse sede. Ou se Índia e China (~35% da pop mundial) repetissem o consumo de gasolina americano, não haveria petróleo para mais ninguém. Se os africanos usassem na sua agricultura e pecuária a media de consumo hídrico usado nas mesmas atividades, no Brasil, teriam que importar água para beber.

b. O Mundo produz hoje, somente em grãos o suficiente para que cada habitante coma 800g/dia. A produção atual já seria suficiente para que não houvesse fome. Mas, há. Quase 15% da população mundial tem menos acesso à comida do que precisava. No popular, passa fome.

c. Somente da água desperdiçada pela falta de esgotos (menos de 30% da população mundial tem acesso a esgoto com tratamento completo) e contaminação industrial seria suficiente atender às demandas da agricultura e de mais uma população de mais de 10 Bilhões de pessoas.

2. O padrão de ocupação da população traz mais desafios do que o seu tamanho. A urbanização crescente reduz a população, mas traz problemas ambientais sérios.

a. Outro dado que os catastróficos demógrafos do UNFPA não consideram é a concentração. O mundo está mais vazio do que há 50 anos. Não me refiro à Estação da Sé, mas à concentração média. Temos muito mais gente ocupando menos espaços e muitos espaços tornando-se mais vazios. Modo de produção agrícola mecanizada, esgotamento ecológico e/ou econômico de regiões inteiras, etc.

b. Outra agência da ONU, a UNSRID estima que em 2050, +de 60% da população mundial viverá em torno de menos de 100 aglomerados. Algo como 100 imensas estações da Sé. Logo, o desafio não é a quantidade, é o padrão ocupacional.

c. A urbanização reduz a população em quase todos os países pesquisados na mesma taxa prevista pelo Axioma de Caldwell (nas sociedades tradicionais, principalmente as rurais, o fluxo de riqueza entre gerações é predominantemente dos filhos para os pais, ou seja, os pais precisam investir pouco nos filhos em termos de educação, capital humano, mas existe um fluxo de riqueza dos filhos porque eles começam a trabalhar desde cedo, contribuem para a renda da família e sustentam os pais na velhice. Então, numa sociedade tradicional rural, é bom negócio ter muitos filhos. Já a economia urbana se baseia muito na educação como instrumento de ascensão social. Também existe menos necessidade de se procriar para ter segurança na velhice na medida em que existe maior cobertura do sistema de aposentadorias. Na economia urbana moderna, portanto, o fluxo de riqueza é mais de pais para filhos.

d. A África é o continente que terá o maior ritmo de urbanização nas próximas décadas. Isso impactará o crescimento das populações. Elas vão depender de mais atividades econômicas urbanas e as mulheres terão mais oportunidades de trabalho. A urbanização, ocupação e a educação das mulheres têm mais forte influência na redução na taxa de fertilidade do que a religião. Países mulçumanos como Irã, Malásia e Filipinas provam isto.

3. O perfil populacional é mais importante do que seu número total.

a. Mais idosos. O crescimento dos idosos e a redução na taxa de fertilidade fazem com que sociedades hoje despreparadas para esta situação tenham que enfrentá-la. Além das óbvias questões econômicas (previdência); isto impacta no sistema de valores, na estrutura familiar, etc.

b. Mais jovens: O aumento na proporção de jovens seguirá ainda por 30 anos. Isto traz o desafio de geração de empregos, inclusão política e social de um enorme contingente. Os jovens representam o grupo que mais emigra, quando não encontra condições de desenvolvimento, o que aumenta a tendência à mobilidade populacional.

4. No plano político, não há nenhuma correlação demonstrada entre regimes e demografia. Ao contrário, países maiores tendem a ganhar mais contornos democráticos.

Olhar o número da população total mundial é procurar informação no dado errado. O problema é o padrão de ocupação, de produção, consumo e fluxo de pessoas.

O UNFPA acha que chegamos a 11B em 2100, mais ou menos na mesma época em que o Corinthians chegar à final da Libertadores. Mas, a maioria dos demógrafos (inclusive alguns do próprio UNFPA, como Ralph Hakkert) crê que a população não passa dos 9.2B, e que 2050 será nosso ponto culminante.

Logo, há poucas esperanças do Corinthians chegar à final ganhar de uma Libertadores ou que a Estação da Sé fique mais vazia, antes que o mundo atinja seu pico :-)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DON'T WORRY BE HAPPY


Correlações são uma obcessão na pesquisa. E a busca de vínculos entre dinheiro e felicidade um dos temas mais comuns na pequisas econômicas que ganham espaço na mídia. Embora, felicidade certamente é não ter que pensar em Economia. O problema é que estas pesquisas que medem felicidades são altamente imprecisas. Baseiam-se na resposta de uma pessoa a um conceito extremamente vago: felicidade. E a resposta varia de dia para dia. Por exemplo, hoje os Botafoguenses estão felizes. No final do campeonato, não estarão :-)

Chegou-se a criar um Índice de Felicidade Bruta, que  além de ajudarem a que você saiba  que existe um país chamado Butão (o campeão do Índice) só serve  para inspirar senador a propor o direito à felicidade.

Baseado nestes dados frágeis tem sido possível fazer uma correlação entre felicidade e renda, tanto no nível individual quanto no nacional. E para os que insistem em explorar mais o tema, a OECD (em seu recente relatório anual) publicou uma enquete feita pelo Instituto Gallup, que pediu para 4000 pessoas em 18 países darem notas de 1 a 10 para sua satisfação. O resultado mostrou que o mais infeliz dinamarquês é mais feliz do que o mais feliz dos chineses. O governo da China já pensa em começar a falsificar comediantes de stand-up.

Alguns (dentre eles a "the Economist") com uma constataçao acerca da “brecha de felicidade”(isto é termo que se use? Economista consegue transformar qualquer assunto em algo chato kkk). Eles perceberam que a brecha da felicidade, isto é, a diferença entre os mais felizes (torcedores do Fluminense, independentemente da tabela, por exemplo) para os mais infelizes parece não ter relação nenhuma com a desigualdade (baseada no GINI). Um país mais desigual não tem mais desigualdade de felicidade e vice-versa. Esta dado em si já leva a questionar a relaçao renda-felicidade aparentemente demonstrada na pesquisa. Mas, o povo nao vai desistir de seguir buscando o graal do "felicitômetro".

O que isto significa? Que o Gallup está feliz porque os governos/organizações seguem comprando este tipo de pesquisa kkk


terça-feira, 11 de outubro de 2011

DIA DAS CRIANÇAS: SUGESTÃO DE PRESENTE



Amanhã, mais de 5.000.000 de crianças brasileiras passarão do seu dia vivendo em condições de miséria (http://sociometricas.blogspot.com/2011/05/muitos-numeros-um-desafio.html), de extrema pobreza, de situação vulnerável. Chame do que quiser. Não importa o nome. Importa o fato de serem crianças. Responsabilidade de toda a sociedade, segundo está escrito na lei.


É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição Federal de 1988, o Brasil, o Art. 227)

Um grande presente para elas, seria o cumprimento da lei. Mas, um estudo recente (O BENEFÍCIO INFANTIL UNIVERSAL: UMA PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DO APOIO MONETÁRIO À INFÂNCIA) do Pedro Herculano e do Sergei Soares (IPEA) é mais uma evidência de que esse artigo da Constituição vale menos do que outros.

O estudo, que passo a resumir/editar a seguir, examina o atual arranjo de benefícios monetários para crianças com 15 anos ou menos. No Brasil, estes benefícios são compostos pelo:

1. Benefício variável do Programa Bolsa Família,

2. Salário-família e

3. Dedução para dependente menor de 16 anos no pagamento do Imposto de Renda Pessoa Física.

Os autores analisaram cada um deles sob o ponto de vista do valor, sua cobertura, sua focalização e seu custo fiscal.

A conclusão do estudo é: O sistema atual de benefícios para as crianças é fragmentado, sem coordenação entre benefícios que são parcialmente superpostos, exclui quase um terço das crianças e transfere valores maiores para crianças mais ricas.

Isto é um escândalo, mas a oposição não vai pedir uma CPI, a imprensa não vai noticiar. Porque parece que os problemas mais sérios são o Aeroporto Internacional, o trânsito ou o estádio do Corinthians.

A vulnerabilidade vai além da pobreza (definida como insuficiência de renda). Inclui tudo o que é necessário para o desenvolvimento dos indivíduos (acesso a cuidados e serviços, o respeito aos direitos humanos, a participação cultural, possibilidade de sociabilidade, etc.). Mas, como a renda está correlacionada em algum grau com as outras dimensões e porque é mais fácil de medir, os indicadores de pobreza servem como um espelho (uma Proxy) razoável da vulnerabilidade das crianças em comparação com outras faixas etárias. E, no quesito renda, tanto crianças quanto idosos são os mais vulneráveis porque não possuem (ou não deveriam possuir) renda própria do trabalho e ainda representam um custo adicional ao domicílio (portanto, diluem a renda domiciliar). Mas, no Brasil as políticas sociais até hoje foram muito mais efetivas para os idosos do que para as crianças.

No Brasil, os percentuais de pobreza e extrema pobreza caíram (para qualquer método que for utilizado) para todas as faixas etárias, desde a primeira metade dos anos 2000. Mas, como os gráficos abaixo mostram, apesar dos grandes avanços recentes, a pobreza infantil ainda é consideravelmente mais alta do que a dos demais.





• Em 1995, cerca de 30% das crianças estavam entre os 20% mais pobres. Em 2009, esse percentual já era de 34%.

• Por outro lado, a concentração de crianças no topo da distribuição de renda diminuiu: em 1995, 13% das crianças estavam entre os 20% mais ricos, mas em 2009 eram apenas 10%.

• As crianças representam quase metade (46%) dos extremamente pobres, um grupo cuja renda tende a ser pouco sensível ao crescimento econômico.

Ou seja, não só as crianças estão, desde sempre, mais concentradas entre os mais pobres (que é esperado pelos diferenciais da taxa de fecundidade, pelos arranjos familiares e pelo próprio fato de que a presença de crianças dilui a renda domiciliar), esta concentração tem aumentado ao longo do tempo. O bom momento do mercado de trabalho e o grande sucesso da proteção social brasileira no combate à pobreza entre idosos melhoram significativamente a vida dos adultos. Mas, as crianças foram esquecidas. A POBREZA INFANTIL AUMENTOU!

O estudo ainda lembra um importante fator: a grande volatilidade. Isso significa que um número considerável de famílias entra e sai da pobreza. Como as crianças estão mais concentradas entre os mais pobres, mesmo aquelas que não são pobres ou extremamente pobres correm um risco considerável de se tornar pobres em algum momento ao longo do tempo. Usando os dados do estudo, podemos estimar que quase 1.5 milhão de crianças estejam neste limiar. Noutras palavras, são pobres também.

Benefícios direcionados para crianças seriam essenciais para diminuir a vulnerabilidade deste grupo. Mas, os que existem hoje não cumprem seu papel:

1. Deduções do Imposto de Renda: Têm direito ao benefício, todos que declaram IRPF e têm dependentes menores de 21 anos (ou 24 em caso de estudantes). Mesmo que os dados que a Receita Federal divulgue sejam parciais e desatualizados (sim, o governo não informa ao governo kkk), sabe-se que as deduções com menores de 16 anos devem passar dos R$ 15 Bilhões por ano. Um detalhe, uma estimativa própria aponta que aproximadamente R$ 12 Bilhões por ano são destinados a crianças que vivem entre os 30% das famílias mais ricas.

2. Salário-família (SF): Têm direito ao benefício os trabalhadores formais (exceto os domésticos), alguns trabalhadores avulsos e até aposentados (várias categorias de funcionários públicos recebem um salário-família cujos valores e limites são diferentes daqueles para o setor privado, que não foram analisados no estudo). No setor privado, baseado nos precários dados disponíveis, as empresas declararam um gasto de R$ 1,89 bilhão com o pagamento do SF (em 2007). Mesmo que recentemente tenham sido estabelecidas algumas condicionalidades (vacinação e matrícula na escola), não há sistema que a verifique. Situação curiosa porque existe um sistema nacional de acompanhamento de freqüência à escola para o Bolsa Família, que acompanha quase metade dos alunos do fundamental no Brasil, mas não acompanha as contrapartidas idênticas do SF. Do montante aplicado no SF, além de nenhuma verificação quanto a sua aplicação para as crianças, uma estimativa aponta que apenas 27% estejam em famílias extremamente pobres (lembrando, que o SF é pago aquém tem emprego, registro, etc.).

3. Bolsa-Família: O BF (2003) consolidou, unificou e expandiu a cobertura de diversos programas. Dos 3 benefícios que apóiam as crianças, o BF é o único focado, isto é, é direcionado somente a famílias mais pobres.

    a. O BF conta com dois componentes: um benefício fixo e sem condicionalidades, direcionado para as famílias extremamente pobres, e um benefício variável e com condicionalidades, direcionado para famílias pobres ou extremamente pobres com filhos de ate 15 anos. O benefício variável e pago por criança ate um limite de três benefícios por família.

    b. Em 2007, um novo benefício foi criado, o benefício variável vinculado ao adolescente, pago a famílias pobres ou extremamente pobres com adolescentes de 16 ou 17 anos (até o limite de 2 por família.

    c. A média paga por criança, no Benefício Variável, é de menos do que R$22,00/ mês. Logo, menor do que a dedução máxima efetiva por dependente no IRPF e até mesmo do que o benefício mais elevado do SF.

    d. Vale lembrar, contudo, que há um máximo de três benefícios por família, o que não ocorre nem com o SF nem com a dedução do IRPF com crianças de 16 anos ou menos. Noutras palavras a lei limita os benefícios dos mais pobres e não o faz do restante da população (vide tabela)

Além de deixar um grande número de crianças (inclusive mais pobres) fora do alcance de qualquer benefício e dos valores desiguais, dentre os 3 benefícios, o único focado nas crianças pobres e acompanhado é o BF.




Algumas deduções, que podemos tirar do estudo, todas preocupantes acerca dos benefícios direcionados à Infância:

1. Representam um baixo investimento por criança.

2. Representam um investimento muito inferior ao feito para adultos e idosos.

3. Não são direcionados (em sua maioria) prioritariamente às crianças mais pobres.

Por isto, neste dia da Criança daríamos um grande presente às mais de 5milhoes de crianças brasileiras expostas à extrema pobreza se substituíssemos o atual sistema por um único Benefício Infantil (mesmo universal). Tirar todas estas crianças da extrema pobreza, dar de rpesente o cumprimento do Art.227 custaria o equivalente adicional de 0,2% do PIB (2009). Presente barato.


 






quarta-feira, 21 de setembro de 2011

RÉGUA MASCULINA: RELATÓRIO DESENVOLVIMENTO 2012


Com mais eventos do que lançamento de novela, o Banco Mundial prepara a divulgação do seu Relatório de Desenvolvimento 2012””. A maratona iniciou-se nesta semana com seminários on-line, conferências de imprensa com especialistas de todo o mundo e uma reunião na sede da ONU, que contou com participação do "animado" Ban-Kin-Moon (receita para os insones, gravem o secretário geral da ONU falando. Ninguém resiste 5 minutos acordado), de atrizes (inclusive Angelina Jolie, que deve ter aproveitado para encomendar ao 1º Ministro cambojano uma dúzia mais de órfãos kkk) e de chefes de governo (Dilma não foi porque teve que se reunir com o Obama e recusar a sua oferta para comprar o Texas. Não seria uma má idéia, comparmos o Texas e trocamos com a Família Sarney, pelo Maranhão kkk)

“Ficando Quites” (Getting to Equal) seria uma tradução apropriada, para a edição deste ano, focada em um dos temas que mais tem desafiado à eficácia das políticas sociais: Gênero.

O relatório, que será liberado somente na próxima semana, traz inovações ao mesclar dados estatísticos (que só meia dúzia de chatos com eu, lê até o final) com uma extensa pesquisa de opinião que perguntou a mais de 20000 mulheres em 108 países: O que é ser igual?

Curioso é que a coleta tradicional de dados sobre gênero não segue no mesmo sentido das respostas. Os dados que tradicionalmente usamos para definir igualdade entre os gêneros são oriundos de uma visão simplista, masculina para usar um termo provocativo. A visão das mulheres sobre igualdade não se foca (embora inclua) na equiparação de renda, matrículas escolares ou posição em postos públicos/privados. A pesquisa mostra que igualdade é mais definida mais como “liberdade para ser diferente”.

Com os dados que temos, podemos afirmar que a última década assistiu em todo o mundo uma redução (em alguns casos até superação) da brecha de gênero na escolaridade, renda e poder (singelamente definido aqui como ocupação de postos de mando). O Relatório 2012, por exemplo, mostra que a África já entrou na tendência mundial de redução da brecha, que a Ásia reduz a brecha de renda em ritmo acelerado e que a América Latina, depois de um período tímido (1960-1980) caminha para encontrar os patamares médios dos países desenvolvidos, em 2030. O relatório também mostra que nos países desenvolvidos a brecha (menor) reduz mais lentamente, e até estagnou-se em alguns países. Sinal claro de que a equidade de gênero, definida com base renda/escolaridade/poder encontrou um “núcleo duro”. Aquele conjunto de fatores causais complexos e que as políticas sociais tradicionais não altera.

A despeito do avanço, as entrevistas revelam que as mulheres percebem sua situação de maneira menos otimista do que os dados. Relatos de violências de todos os tipos e origens, opressão social, preconceito no acesso a serviços públicos, cargas horárias excessivas, desprezo pela especificidade, etc. Surpresa para alguns será perceber que a visão das mulheres dos países considerados mais iguais não difere tanto de outras. Um sinal evidente de que quanto mais igualdade formal, mais conflituosa e explícita se revela a desigualdade social.

Para ir além da medição tradicional da equidade é necessário tomar a palavra das mulheres como norte. Indicador de gênero não é sinônimo de desagregar dados pela categoria “feminino/masculino”. Como medir a equidade em termos de possibilidades de escolha? Este é o desafio dos novos indicadores de gênero.

Como em toda a discussão de desigualdade, o problema não reside no grupo ao qual chamamos de desigual, mas no que consideramos incluídos. Não se trata de estender uma igualdade masculina às mulheres. Para perceber a desigualdade é necessário assumir a diferença.

Não se trata de medir a igualdade nos termos de condições de oprimir. A visão atual de medição é baseada na pressuposição de que existe um só parâmetro de desenvolvimento, uma régua (masculina) somente e a tarefa seria medir em que posição dela determinado grupo está.


O Relatório de Desenvolvimento Mundial 2012 é mais um indício de que torta é a régua.



sexta-feira, 8 de julho de 2011

NOSSAS MISÉRIAS E A MISÉRIA DOS OUTROS



Qualquer declaração obtusa de um político, factóide governamental ou oposicionista ou até o penteado do Neymar (por sinal, ele está igualzinho a um Unicórnio:>) ocupa mais espaço nas páginas/telas de notícias e mesas de bares do que o programa  “Brasil sem Miséria” (BSM).

Fora das páginas internas e de sonolentas discussões de especialistas, pouco se discute sobre a mais importante iniciativa social atual. Na única audiência pública feita pela comissão de da Câmara, havia menos gente que na arquibancada da Portuguesa. Não se convocou a ministra; ninguém pediu uma CPI para revisar os dados; nem protocolou no MP um pedido contra critérios de benefícios. Em bom português corporativo, "no one cares" :->

Neste ambiente de baixa repercussão, o governo apresentou as metas, indicadores de trabalho e orçamento do BSM. O objetivo é tirar mais de 15 milhões da miséria. Para os + chatos, precisamente 16.267703 brasileiros (dados do Censo de 2010) ou 8,5% da população. Eles têm renda familiar mensal inferior a R$ 70. Neste grupo, há "os miseráveis dos miseráveis” (renda inferior R$ 39/mês, menos de 3 moedinhas de 0,50 centavos/dia) e os “supermiseráveis”: 4,8 milhões de pessoas com renda Zero.

A quase ausência de um amplo debate público parece contribuir para um foco excessivo nos números. Porém, o BSM toca em aspectos que vão muito além da definição estatística de pobreza.

O que fundamenta um programa como o BSM não são números, é “nossa” visão sobre os pobres (nossa= classe média, estudada e auto-intitulada “sensível socialmente”). Quando se define pobreza, antes de um critério econômico, estabelece-se um rótulo social. As pessoas passam a ser definidas e resumidas como “pobres”.

O “Brasil sem Miséria” se dará em uma sociedade que compartilha uma visão predominante que define pobreza apenas pelas suas ausências. Pobre é Não ter renda. Não ter escola. Não ter saúde. O POBRE, segundo a visão não-pobre (a “nossa” visão) é Não _________ (complete a frase).

Com esta perspectiva, a sociedade brasileira só verá o BSM como uma esmola governamental institucionalizada. O projeto de erradicar a miséria é uma oportunidade para que a sociedade reflita pontos importantes. Vou citar 3 deles:

1) O primeiro é a perspectiva da assistência social como direito. Pelas “regras do jogo”, definidas na Constituição, todo cidadão brasileiro tem direito a parâmetros mínimos de vida digna. Caso não lhe seja dada a possibilidade de alcançar isto (através de serviços públicos, emprego e renda), se a sociedade (através de todos os seus atores públicos ou não estatais ou privados) fracassar em prover tais fatores, ela deve “compensar” os afetados pelo seu fracasso. Esta é a base na qual se funda qualquer programa social. Enxergar os cidadãos que chamamos de “miseráveis”, isto é, SEM nada, como portadores de direitos é essencial. Antes de Não XXXX. Eles são SIM Direitos.

2) Segundo, a sociedade precisa se lembrar que a pobreza é gerada principalmente por ela mesma. Por que há tantas pessoas (16, 25, 36 milhões, dependendo do critério) sem condições de acessar seus direitos básicos? Fora as pessoas com impossibilidades privadas sérias, qualquer modelo de desenvolvimento tem por obrigação ampliar as capacidades de todos realizarem seu potencial. Educação pública, oportunidades de gerar renda e redução das brechas salariais são indicadores chaves na avaliação de sucesso de um modelo de desenvolvimento. A miséria é um indicador de problemas no modelo (econômico, social, cultural, etc.) de desenvolvimento. Antes de somente ausências de acessos desejáveis nos “pobres”, a pobreza diz respeito a presenças indesejáveis em todos (“pobres” inclusive).

3) Terceiro, a visão dos pobres como quem precisa receber não considera as riquezas deles. José de Souza Martins, em recente artigo (“A Miséria das Estatísticas”), acerca dos dados de renda, pergunta “Quem vai acreditar, em sã consciência, que quase 5 milhões de pessoas possam sobreviver sem renda alguma?”. Só quem não entende as outras economias. Esta concepção de gente SEM nada é também reforçada por critérios estatísticos internacionais e científicos, mas assim mesmo elitistas. Alguns preconceitos estatísticos que reforçam nossa visão de pobres como o grupo SEM:

a) A Idéia de família e moradia nas pesquisas oficiais não corresponde aos modelos de “instituição plurilocal baseada numa economia condominial”. Ou seja, a maioria daqueles que chamamos de pobres (e miseráveis) estão justamente em famílias que não classificamos como tais. Grupos que vão muito além dos primeiros graus de parentesco ou de partilha de um teto comum. “Casas” compostas por muitas unidades habitacionais. Analisar as unidades familiares de ajuda mútua que divergem dos padrões de classe média nos daria uma mirada distinta. Os pobres são mais “ricos” em família. E não enxergamos esta riqueza.

b) Renda. O IBGE (e o MDS) não computa outras formas de renda para a definição dos alvos dos seus programas. Agricultura de subsistência? Não consideramos renda. Troca de produtos e serviços entre vizinhos? Não consideramos renda. Essas formas de renda não são renda para a visão elitista. O que eles têm não conta na conta. O foco é na ausência. Para essa concepção, renda é somente o ganho em forma monetária. Em outras palavras, se não é dinheiro que circula no mercado e pode ser contabilizado no caixa de alguma empresa não é riqueza.
Com estas idéias sobre família e renda é fácil entender porque sempre as zonas rurais ou com culturas mais tradicionais (interiores e sertões) aparecem como as mais miseráveis em todo gráfico que se produz. Por outro lado, o apertado apartamento na periferia urbana de uma metrópole do sudeste, alugado onde uma mãe sozinha, longe de seus parentes e que mal conhece seus vizinhos, onde ela divide sua renda de R$800,00 com 3 filhos e um companheiro é considerada de classe C.

Por falar em classe C, um tema recorrente nas publicações econômicas recentes, sua emergência não pode ser atribuída somente ao aumento da renda. Nem as melhorias de clima e perspectivas observadas por pesquisas de comportamento podem ser integralmente atribuídas a esta tal emergência. Certamente a geração de quase 1.000.000 de empregos líquidos só neste ano, o aumento real do salário mínimo e os programas sociais contribui para o evidente avanço social. Mas, os economistas se debatem para tentar entender os porquês as melhoras parecem maiores do que os indicadores macroeconômicos sustentam. Principalmente a “nossa” crítica não compreende estas razoes. Parecemos surpresos de que os rendimentos dos mais pobres venham crescendo mais do que o PIB. A cartilha tradicional de explicações não dá conta. Porque é muito provável que na população mais pobre a melhora tenha seu melhor êxito justamente pelas características altamente positivas observadas neste grupo: o “caráter condominial da economia das famílias”, suas relações comunitárias, sua cultura rica e inovadora. Enfim, suas riquezas da dinâmica “poderosa de reinventar, compartilhar e ajudar”.

Resumo, as análises da miséria baseadas exclusivamente na concepção de Ausência desprezam: a cidadania dos que classificamos como pobres, os problemas do nosso modelo e desenvolvimento e as imensas riquezas das outras formas de convivência e economia que não as tradicionais de classe média.

A primeira miséria a ser erradicada é a dos nossos preconceitos.