No dia seguinte ao nosso 11/9, o
massacre de 7X1, reencontrei Dona Cida, uma antiga vizinha de minha mãe, que não
via há uma década ou mais, passeando no parque. Protocolarmente perguntei como
ia. O pior aconteceu, ela respondeu. Disse que ia bem, mas reclamou do Imposto
de Renda da pensão que recebe do marido, “o Major”, militar morto há mais de 20
anos. Disse que estava difícil manter empregada porque tem muitos vagabundos que recebem
Bolsa-Família (BF) sustentados por ela, etc. Já desejando outros 10 anos sem ver Dona Cida, mudei
de assunto. Está muito triste com o vexame de ontem? Ela me disse: Que nada! Estou
é feliz pelo Beto, meu chihuahua. Imagina o stress dele? A cada rojão por gol
da seleção era um terror! Já via a hora que ele ficaria viciado em calmante. Desde ontem, tudo em paz, lá em casa.
Sempre há uma perspectiva Beto de
um tema. Inclusive o BF. Em toda época
eleitoral, “Donas Cidas” repetem papagaiamente os truísmos sobre o programa: “É
esmola, é muleta, eu quem pago por isto, etc.”.
As “Donas Cidas” têm diversos
tipos de argumentos contra o BF. Algumas (poucas o admitem publicamente) simplesmente
não aceitam que um pobre possa se beneficiar. Outras têm argumentação mais sofisticada.
Tem “Dona Cida” que diz que:
- O BF é esmola. Mesmo que os dados mostrem que 8 em cada 10 beneficiários trabalhem.
- O BF representa um gasto grande. Mesmo que os dados provem que o retorno é de 3X1 por $ publico gasto (retorno em impostos, maximização da eficiência de investimentos públicos, redução de demandas, geração de riquezas, etc.) e que o custo total corresponde a 6% da conta de juros.
- O BF deveria ter uma porta de saída. Os candidatos da oposição são este tipo de “Dona Cida”, porque dizem que o BF não promove o desenvolvimento dos beneficiários; mesmo que já haja uma miríade de programas neste sentido, e 18% dos beneficiários a cada ano saiam do programa, por aumento de renda. Isto é, a tal porta de saída já existe e tem gente passando por ela. Embora, a porta de saída seja também de entrada. E novos por ela cheguem e outros, outrora saídos, por ela retornem.
Com esse nível de argumentos das “Donas
Cidas”, é fácil entender porque o BF segue um sucesso inquestionável :-).
Arrisco a dizer que a fraqueza dos
argumentos das “Donas Cidas” vêm porque constroem suas críticas a partir do
ponto de vista de que beneficiários são os que recebem o benefício.
Por isto (eu, um defensor do
programa, por acreditar que Assistência é Direito e porque não conhecer nada
mais eficiente e viável na escala que o Brasil demanda), quero propor uma
crítica sob a “perspectiva do Beto”, outro lado. Algo que a Dona Cida original
entenderia.
A crítica se origina na pergunta:
Se 8 em cada 10 beneficiários trabalha e se 6 em cada 10 tem um emprego formal,
por que eles precisam de um programa de complementação de renda?
A resposta simples é porque os
salários pagos são muito baixos. Portanto, depois de 10 anos de uma
implementação encorpada, com as mudanças na economia do país e no perfil dos
beneficiários, s que os maiores beneficiários do BF hoje não são mais os
inscritos no programa, mas os empregadores brasileiros.
O BF pode ser considerado um
subsídio para o empregador brasileiro. Mais uma “Bolsa-Rico”, que complementa os já existentes benefícios sociais a não-pobres:
Bolsa-Botox (incentivo fiscal para
gastos com saúde privada, de qualquer tipo e sem limite); Bolsa-Cirque-Du-Soleil (incentivo fiscal para investimentos em
produtos culturais caros e destinados a uma pequeníssima parcela da população),
Bolsa-Carro Zero (incentivo IPI); Bolsa-Viuvinha (Pagamento de pensão
vitalícia para viúvas de segundos matrimônios para servidores públicos federais,
como a que deixou o “Major” do Dona Cida, ), Bolsa-Safena (isenção de Impostos para idosos, mesmo ricos, desde
que tenham laudo de doença grave, mesmo que não fatal) o Bolsa-CBF (isenções, renegociações eternas de dívidas, etc.); Bolsa-Friboi (subsídios em empréstimos
ao agronegócio); o Bolsa-Férias
(pagamento de salário-desemprego, mesmo que em um limite, para trabalhadores de
classe média e alta classe média); Bolsa-Aposentadoria (aposentasoria integral para servidores que nao contribuem nem 69% do que deveriam); Bolsa-CarroAdaptado (isenção fiscal para pessoas ricas com algum problema de mobilidade em carros automáticos),etc. O Estado brasileiro é historicamente
pródigo com quem não precisa, justamente com as “Donas Cidas”.
O BF pode ser visto como um
mecanismo que faz o erário pagar uma parcela necessária e não paga pelo patrão.
É como se todos fôssemos sócios desses patrões. Pelo Ponto de vista de Beto,
percebo que sou sócio da senhora do outro lado, com cara de entojo, provavelmente
amiga da “Dona Cida”, que trata com indiferença de senhora de engenho, o
atendente da padaria que a serve. Sócio involuntário
dela e do patrão do atendente mal tratado.
Beto explica: A amiga da “Dona
Cida”, evidentemente partícipe da elite, certamente emprega uma mensalista. Imaginemos
que a mensalista fosse casada com o ajudante mal tratado, que eles ganhem a média
mínima para as funções que desempenham e que tenham dois filhos em idade
escolar (a média para um casal da renda/idade/cidade deles).
O problema é que mesmo empregados
formalmente e ganhando um pouco acima do mínimo nominal (a média em SP par
estas funções é de R$882,00/mês), o rendimento total combinado deste casal (incluídos
aqui Vale-transporte, 13º, 1/3 de férias e PIS/PASEP, auxílios, etc.) corresponde
a somente 52% das necessidades da família (critério DIEESE). Se eles acessam o BF (e os demais programas de
transferência de renda, aqui incluídos na análise) aos quais eles têm direito, seu
rendimento aumentaria em R$ 368,70/mês. Como resultado, eles teriam alcançado somente
65% da renda necessária para viverem dignamente em São Paulo.
Portanto, o que o BF faz é
minimizar (nem compensa totalmente) o impacto do baixo valor do Salário e assim
subsidiar os empregadores. Assim, se o BF é muleta o é principalmente do
empregador brasileiro.
“Dona Cida” pode contra
argumentar que o BF subsidia os salários porque eles são pesadamente taxados no
Brasil. “Dona Cida” tem razão quando diz que há um “salário oculto”, pago pelo
empregador. Mas, se descontarmos o que na verdade é transferência ao próprio empregado
(INSS, FGTS, PIS, 13º, férias, Vale transporte, Auxilio Alimentação,
Auxilio-Creche etc.), a taxação direta sobre o salário não passa de 20%. (I (inferior à média da OCDE).Assim,
mesmo com o “custo empregado”, o salário pago ainda seria bem inferior ao
necessário.
Os defensores do BF argumentam que
ele tem um documentado impacto positivo do BF sobre a média salarial. E que,
com o crescimento da renda média, este subsídio aos salários tende a se
extinguir. Isto seria verdade, desde que a Economia crescesse constantemente e
a proporção da massa salarial na renda também. Porém, há extensa documentação
de que toda Economia entra em desaceleração (às vezes também em recessão) periodicamente
e, nestes períodos, achata a massa salarial e recompõe as taxas de lucro do
capital investido. Este processo já começou no Brasil, depois do ciclo de
crescimento anterior. Isto aponta para dizer que o BF, se depender só do
crescimento econômico, seguirá subsidiando o dono da padaria, “Dona Cida” e
suas amigas, ainda por muito tempo.
Não é possível aumentar salários somente
pelo Mercado, nem tão pouco na caneta, por decreto. Isto não quer dizer que não haja uma
responsabilidade na política de aumento real do SM, e em uma legislação que
privilegie o salário. Também se sabe que os empregadores não podem responsabilizar
os baixos salários exclusivamente ao mercado, ao contexto e internacional, nem
ao nível global de preços nem tão pouco à cotação do rabanete na Bolsa de
Chicago. Há que aplicar outros mecanismos. Mas, isto é tema para outra reflexão
de Beto. Hoje o tema é o BF.
Assim, a única porta de saída do
BF é um salário suficiente para as necessidades. Quando isto acontecer, o
programa poderá ficar restrito aos que necessitam de Assistência, algo em torno
de 40% dos atualmente atendidos.
Enquanto este dia não vem, as “Donas
Cidas” seguirão os principais beneficiários do BF. E, já que sou sócio do dono,
vou pedir desconto no pão na chapa. Não é Beto? Au, Au, Au
TAREFA E BIBLIOGRAFIA: VIDE SITE-> DESENVOLVIMENTO DO CURSO->TAREFAS COMPLEMENTARES