O jornal libanês Al-Nahar
(tradicional periódico liberal e pacifista) publicou uma entrevista com um dos
soldados sírios que participou ativamente da reconquista de Alepo. O jovem de
23 anos, identificado como Soldado X, ajudou a completar o trabalho realizado
pelos bombardeios aéreos e terra-terra que mataram, junto com execuções centenas de civis não combatentes,
inclusive crianças e idosos, em menos de 30 dias.
Questionado como ele se sentia e
se tinha remorsos, X respondeu: “Sinto-me feliz por ter conseguido cumprir
minha missão. Eu não matei gente. Eles não eram seres humanos. São traidores e
suas famílias também traidoras. Mereciam a morte”. Eu e 99% da humanidade
ficamos horrorizados com o comportamento brutal do Soldado X, seus colegas e comandantes.
Corta a imagem de Alepo. Abre em
Manaus. COMPAJ, 60 mortos. A imagem das famílias gera compaixão. Afinal são mães,
esposas, filhos. A incompetência corrupta do governo nos irrita. O avanço do
crime organizado nos causa indignação. Compaixão pelas famílias, indignação com
a gestão pública, etc... Mas, poucos seres humanos, entre os quais eu infelizmente
não me incluo, ficaram comovidos pelas vítimas.
O que explica a indiferença pelos
seres humanos presos é que não os consideramos como a gente. Não acreditamos que
eles mereçam o mesmo sistema de justiça que nós ou aqueles a quem amamos. Criamos
o que chamam de pseudodiferenciação. Inventamos uma diferença profunda para excluir,
para poder classifica-los de “eles”. O governador resumiu bem a indiferença: “não havia santos entre as vítimas". E do lado de
cá, há santos? Pela mesma lógica, não se lamentaria a morte do tal governador já que seu secretário foi pego negociando votos em troca de proteção da facção criminosa responsável pela matança.
Não aceitamos que presos tenham
direito ao que a lei diz porque, como o Soldado X, não os vemos como iguais. E,
ao considerar o outro como não-humano, todo comportamento desumano está
justificado. Eu e os 99% dos que não choramos pelos mortos no COMPAJ se estivéssemos
em Alepo, a despeito das declarações indignadas em redes sociais, também teríamos participado da chacina de civis.
O Soldado X sou eu.