quarta-feira, 30 de março de 2011

A " Nova" Mortalidade "Infantil"


O tema já havia passado aqui pelo blog, quando da postagem acerca do Relatório mundial da Infância de 2011 (http://sociometricas.blogspot.com/2011/03/brecha-da-adolescencia.html).

Ele volta agora com a publicação (no dia 28/3/11) de um estudo estatístico que mostra que as taxas de mortalidade na adolescência-juventude já são maiores do que as infantis, em 50 países do mundo. Houve uma transferencia de mortalidade das primeiras faixas etarias para as seguintes.

A mortalidade infantil é em grandissimamente provocada por precárias condições no atendimento de saúde, disponibilidade de comida e por problemas sanitário-ambientais. Assim, os avanços médicos, infraestruturais, economicos, sócio-políticos e a própria demografia (taxas de fecundidade em baixa) fizeram a mortalidade infantil sofrer quedas significativas há 30 anos.

Assim mais crianças chegam à adolescência. E lá encontram problemas de causas mais complexas do que as da Mortalidade Infantil. Algumas destas causas ainda são desconhecidas.

No estudo, publicado pela revista científica Lancet, o autor, usando as tabela da OMS, para causas de mortalidade entre 1-24 anos, de 1955-2004 constata que:
  1. Em 1955, a taxa de mortalidade de 0-4 era a maior entre todas as faixas etarias.
  2. Para a faixa de 0-9, houve uma redução entre 80%-93% nas taxas de mortalidade 0—4 anos, 80—87% para 5—9 anos; 68—78% para 10—14 anos.
  3. Em 2004, a situação se invertera. A Mortalidade de jovens entre 15-24 anos é maior (entre 102% a 221%) do que a de 0-4 anos.
  4. Até o ano 2000, a mortalidade infantil feminina (1-9) era maior do que a masculina. Desde então, elas praticamente se tornaram iguais.
  5. Na mortalidade de 15-24, a sobremortalidade masculina cresce ininterruptamente há 55 anos.
  6. 3 em cada 4 mortes (com causas identificadas) de jovens homens são causadas por violência. Na ordem: trânsito, violência pública, guerras, suicídios.
  7. De 67% a 89% de todas as mortes causadas por uso de drogas (álcool incluso, tabaco excluso) ocorre antes dos 24 anos.
  8. O total de causas de mortalidade identificáveis, as “tradicionais”, caíram em todos os países. Enquanto as causas não identificadas (ou não comunicadas) seguem altíssimas entre jovens. Não sabemos por que 30% deles morrem.


Os autores (Russell M Viner, Carolyn Coffey, Colin Mathers, Paul Bloe, Anthony Costello, John Santelli)  trabalharam com uma amostra com 10 países ricos, 22 medianos, 8 pobres, 7 muito pobres e 3 sem classificação, mas excluiu da análise a África subsaariana, por problemas de disponibilidade de dados. O impressionante é que os resultados não mudam muito quando se trata de constatar que adolescentes e jovens se constituíram como o novo grande grupo de vulnerabilidade.

O estudo reforça uma crescente preocupação global. É necessária a criação de uma plataforma global para melhoria da vida de adolescentes e jovens, enfocada nas principais condicionantes da morte que ronda o grupo.
O abstract do estudo está disponível em:

terça-feira, 29 de março de 2011

A Primeira-Dama e as Medidas do Desenvolvimento


Junte uma pergunta complexa. Dois prêmios Nobel em Economia. Misture uma comissão formada por brilhantes e famosos cientistas, destas que até para servir cafezinho, você precisa ter um PhD. Adicione um presidente em necessidade de recuperar popularidade. Não se esqueça de trazer uma bela, charmosa e inteligente (apesar de casada com o cara) primeira-dama. Bata tudo em reuniões e seminários estrelados. Acrescente muitos dados.

Resultado: o relatório “La mesure des performances économiques et du progrès social" . Amartya Sen e Joseph Stiglitz apresentaram, há 2 semanas, as conclusoes da comissão formada a pedido do presidente francês, Nicolas Sarkozy.

O relatório partiu de uma missão: determinar os limites do PIB como indicador de desempenho econômica e progresso social. E identificar a necessidade e viabilidade de indicadores complementares. A Comissão para Mensuração do Desempenho Econômico e Progresso Social contou com outros renomados 21 integrantes, gente como Angus Deaton e James Heckman.

O relatório é um belo produto de análise, mas provocou muitas críticas. Afinal, em ciência quem não escreve, é contra. E cientista respeita somente o espelho. Deixo de lado, por hora, as análises mais detalhadas do relatório. E pego a reflexao feira  pelo grande Marcelo Neri que tratou dos  4 principais  pontos do relatorio, aplicando-os `a realidade brasileira:


1) PIB X PNAD – O relatório ressalta o perigo em não se aprimorarem as atuais medidas de desempenho econômico que se centram no Produto Interno Bruto (PIB). O relatório propõe outro caminho: enfatizar a perspectiva da renda e consumo do domicílio para melhor aferir padrões materiais de vida médios. Para países como o Brasil, isto tem se revelado um excelente caminho. Porque se no longo prazo no caso brasileiro a evolução de agregados como PIB das contas nacionais e a renda da PNAD apresentam tendências semelhantes, há um forte descolamento no período 2003 a 2009 quando a renda média cresceu 11,3 pontos percentuais a mais que o PIB. De acordo com a percepção os padrões médios de vida estão crescendo mais do que o PIB sugere. Na maioria dos outros países, inclusive China e Índia, tem acontecido o reverso, as respectivas PNADs indicam crescimento menor que o do PIB.

2) Sustentabilidade – O relatório propõe também que se considerem estoques de ativos (por ex.: incorporar atributos ambientais) para analisar a sustentabilidade dos indicadores de desempenho ao longo do tempo. Em outras palavras se os atuais níveis de bem-estar podem ser mantidos para gerações futuras. A lista de estoques ambientais seria enorme e divergente, mas Neri calculou a relação crescimento com os estoques de ativos captados pela PNAD. De um lado, a equação traz salários e indicadores de potencial de geração e utilização de renda (ativos produtivos como capital humano, como a educação; capital social (associativismo) e capital físico. A isto, usando o mesmo método e métrica, ele comparou os índices de potencial de consumo (duráveis, moradia, etc.). Resultado: No período entre 2003 e 2009, os primeiros (ativos) cresceram 38% a mais que os segundos (consumo). Logo, isto indicaria um aspecto sustentabilidade dos padrões de vida assumidos. Na década de 90, o indicador de consumo subiu mais do que o de capacidade de produção. Agora, mesmo com a importância do crescimento do crédito ao consumidor e das transferências públicas sociais (Bolsa Família, Previdência, etc.), o crescimento da educação e do emprego formal (embora em níveis ainda muito precários) são comparativamente mais relevantes para explicar as transformações em curso, sugerindo sustentabilidade do processo de crescimento.

3) Inclusão – Medidas de renda, consumo e riqueza devem estar acompanhadas por indicadores que reflitam sua distribuição. Por aqui, a média esconde mais do que revela. No período 2003 a 2009 o crescimento da renda real per capita da PNAD dos 10% mais pobres foi 69%, caindo regularmente na medida em que nos aproximamos, décimo a décimo, dos 10% mais ricos quando atinge 12,6%. Ou seja, a taxa de crescimento dos mais pobres foi 550% maior que a dos mais ricos. Nas classes pobres, crescemos mais do que a China. A desigualdade ainda é terrivelmente alta. Mas, reduziu significativamente e, lembrem-se, na China e na Índia ocorre o oposto. Lá há o aumento de desigualdade.

4) Percepção – Outro indicador que o relatório usa é o Índice de Felicidade Geral (IFB). Uma viagem na maionese econométrica, mas com aspectos úteis. Entre 2006 e 2009 o IFB foi do 22º lugar para ocupar o 17º lugar entre 144 países. Em outras palavras, você é mais feliz, sabia? Isto compara a melhoria de indicadores chamados objetivos com a percepção. Há países onde as pessoas acham que vivem em pior condição do que os indicadores mostram. Em outras, o contrário. Como a PNAD não dispõe de informações quanto à percepção das pessoas, Neri usa os índices globais do IFB (Gallup World Poll). Em 2009, o Brasil se situava em 17º lugar entre 144 países. Entre 2006 e 2009 a felicidade geral da nação sai do 22º lugar entre 132 países para 17º lugar em 144 países.

Em suma, se utilizamos dos mesmos aspectos do relatório Stiglitz-Sen, pode-se afirmar que o avanço econômico brasileiro nos últimos seis ou sete anos não constitui um espetáculo de crescimento, o PIB Brasil tem crescido na mediana da América Latina que não tem sido a região mais dinâmica do mundo. Mas, a PNAD nos sugere crescimento maior que o do PIB. E, segundo os critérios da comissão, a qualificação desse crescimento seria inclusivo e sustentável, não apenas em termos da objetividade e percepção.

E a primeira-dama com tudo isto? Bem, ela não tem nenhuma relação com o relatório, nada a ver com nenhum dos dados, reunioes, etc... Mas qual é a graça de falar do Sarkozy sem mencionar a Carla Bruni?

Antes que me perguntem, eu não fui convidado. Já tinha gente para servir cafezinho.



O relatório completo pode ser encontrado abaixo.


terça-feira, 15 de março de 2011

DILMA E OS HOMENS INVISÍVEIS




A Presidente Dilma prometeu acabar com a extrema pobreza, miséria, fundo do poço, perrengue, etc.  “Um país rico é um país sem pobreza” é um slogan perfeito (mesmo que, cá entre nós, seja copiado.  Agora a briga se concentra em duas perguntas: quem são os pobres? Onde eles estão? Sobre a primeira, postei recentemente um artigo (http://sociometricas.blogspot.com/2011/02/onde-esta-linha.html). Vamos à segunda.

É mais fácil (ou menos difícil) que alguns economistas com suas fórmulas geniais (porque não as entendemos) traçem uma linha da pobreza do que encontrar onde estão estes pobres. A briga pelo endereço dos pobres já começou.

Um grupo, ligado à antiga administração do MDS (do saudoso Patrus), defende que o cadastro do Bolsa-família deve ser o GPS para encontrar os pobres. Outro, recém chegado, diz que é melhor esperar os dados do IBGE, por setores.

O grupo pró-cadastro diz que o IBGE não enxergam, apenas estima os mais pobres e que somente os dados do sistema de ação social (SUAS) sabem o endereço deles. O pró-Censo diz que o cadastro tem um sistema institucional (prefeituras-associações-eticéteras) viciado. Ambos talvez estejam certos...

Nunca antes na história deste país, como dizia o guru aposentado, um cadastro foi tão completo como o BF. Anualmente, 1.5 milhão de famílias são recadastradas. Quase 80 mil benefícios são cancelados por fraude. Aproximadamente 65 milhões de brasileiros constam (entre ativos e inativos) do cadastro. Como base nele, o MDS faz análises de perfil e ajusta todo o programa. Hoje, 25% dos beneficiários do BF têm até 9 anos de idade, e mais de 50% têm idade inferior a 20 anos. O aumento médio de R$ 19 (de R$ 96 para R$ 115) no benefício foi baseado no cálculo de gasto mensal deste perfil e equivale com arroz e feijão de família com quatro membros. O mais novo estudo sobre o perfil dos beneficiários (feito até Dezembro-2010) mostra que as famílias direcionam os recursos à compra de alimentos, roupas, remédios e material escolar, dentre outros itens básicos (alguém esperava que fosse distinto? já iamginou um usuário do BF declarando que usa parte do benefício para pagar sua viagem à Paris? :->). A oferta de educação e saúde é condicionante do programa. O índice de crianças e adolescentes fora da escola é 36% menor em relação aos filhos de famílias não atendidas. A evasão de adolescentes no ensino médio cai à metade, comparada aos jovens não beneficiários. Ainda poucos (menos de 30% dos jovens pobres é atendido). A progressão escolar também é maior entre as crianças e jovens do BF. A desnutrição infantil das crianças menores de cinco anos atendidas caiu de 12,5% para 4,8%, nos anos de 2003 a 2008. A de na atendidas é de 6,7%.

Mas a turma pró-Censo diz que os resultados do BF são, em parte, devido a seu erro de cadastro. Explico. O sistema de cadastro do BF deixa de fora um estimado de 2,8 milhões de famílias muito pobres. Logo, ele tem mias impacto proque deixa um grupo significativo de pessoas muito pobres de fora. Este número vem da estimativa de miseráveis, se usarmos os dados do Censo+PNAD. Mais ou menos como fazem os astrônomos para descobrir suas estrelas, quando direcionam o telescópio para áreas onde distorções de luz apontam para algum corpo, este grupo usa os modelos baseados nos dados para dizer que há brasileiros miseráveis fora do BF. Através das pesquisas por amostragem (lembre de que até o Censo, só faz o questionário completo, por amostragem), estima-se que X% de famílias em uma cidade seja pobre, por exemplo. Mas, o cadastro do BF tem (X-Y)%.
O povo pró-cadastro admite que haja famílias miseráveis a serem incluídas, mas diz que este número não passaria de meio milhão. Usam para isto o cadastro. Dizem que se estes pobres existissem, o sistema saberia. Argumentam que é mais fácil as pessoas mentirem ao IBGE do que ao BF, que checa dados e tal.

O novo censo atualizará os dados e os modelos, mas deve manter a discrepância. O problema é que seguiremos com pobres que aparecem (direta ou projetivamente) no IBGE e não chegam ao cadastro do BF. Este número, mesmo atualizado, deve chegar a 1,8 milhão de famílias. Algo como 9 milhões de homens (mulheres e crianças) invisíveis.

Os números estimados do IBGE devem ter sua margem de erro. Mas, não devem estar de todo errados. Por mais falhos que sejam os modelos matemáticos, o sistema institucional é mais. Assim, para acabar com a pobreza como prometeu a presidente, é preciso tornar todos os pobres visíveis...

sexta-feira, 11 de março de 2011

RÉQUIEM DE UM ZUNIDO


Em 2005, começaram a surgir relatos do sumiço. Primeiramente no Hemisfério Norte, onde todos nossos problemas contemporâneos parecem começar. Depois, foram informes de sumiços africanos, asiáticos e, por fim, sul-americanos.

Há também relatos antigos do problema. Textos indianos do século 5 contam sobre ele. Diversos registros europeus medievais. Alguns textos norte-africanos de mais de 1000 anos falam disto. Hieróglifos do Crescente (então) Fértil de 3000 anos atrás contam fatos semelhantes. Eram tempos onde os homens acreditavam que a natureza era a caligrafia dos deuses. Liam no sumiço delas presságios, avisos e castigos. Os homens faziam algum sacrifício (geralmente dos outros) e a coisa voltava ao normal.

Mas, passados os séculos, criamos a ciência da lei da causa e do efeito. Inventamos também a política da lei que diz que todo efeito ruim é causado por outro. Cientistas financiados por políticos, sempre no hemisfério norte, apressaram-se em “descobrir” a causa: uma bactéria. Bombardeiem a bactéria! Congelem suas contas bancárias! Fomos dormir sossegados.

E sossegados ficamos, porque o zunido delas seguiu ausente, em um silêncio crescente. O problema, que em outras épocas sempre se mostrara passageiro, não foi embora. A população mundial de abelhas (não me perguntem como eles fazem o censo) despenca ano a ano, há 6 anos.

Novos sábios chamados e outros culpados começaram a surgir. Pesticidas, Fertilizantes químicos, Ar rico em tudo, menos de nitrogênio e oxigênio aliado à extração maciça de minerais (parte deles, transportado para que solos sejam mais produtivos) geram uma arma de destruição em massa delas.

Você pode se perguntar. E eu com isto? Mel engorda. Eu fui picado uma vez. Morram todas! “Antes elas do que eu!” Você poderia argumentar. O problema é que a frase é um pouco diferente: “Antes elas, DEPOIS eu”. Sim, os sábios, até os do Hemisfério Norte financiados por políticos, dizem que o sumiço delas não só é consequência de uma bomba química, mas que também tem ( e terá ainda mais) reflexos na produção de alimentos.

A falta delas fará o preço da comida subir ainda mais. A redução nas colônias, diminui sensivelmente as polinização, a riqueza vegetal, desequilibra a população de insetos e aumenta a propagação das pragas. Que muito sabiamente serão combatidas como? Com mais bombas químicas, etc. Apagaremos o incêndio com mais fogo.

Não só da comida, da água também. Espera aí? Tudo por causa delas? Sim. A redução no índice de polinização já reduziu em 3% a diversidade em áreas florestais vizinhas às de produção agrícola. Em algumas espécies, a redução é maior do que 15%. Menos riqueza, pior ciclo de regeneração florestal, menos água.

Você deve pensar que estou viajando. Talvez tenha me convertido a uma seita neo-vegetariana que só come hóstia de trigo orgânico nativo dos montes Urais e colhido por monges tibetanos cegos. Não! Estas informações eu tirei do recente relatório do UNEP, a agência da ONU para meio-ambiente, e elas têm a assinatura de muitos sábios, inclusive os do Hemisfério Norte financiados por políticos.

Para quem gosta de dizer que tudo pode ser indicador econômico, podemos ter que inserir um índice de colméias na nossa próxima contagem de IDH. Quem sabe os antigos estavam certos, o silêncio delas é um aviso dos céus.

Para ver o relatório todo:












quarta-feira, 9 de março de 2011

CASAMENTO PRECOCE


Ainda sobre o Dia internacional da Mulher, uma reflexão sobre o problema mundial que afeta meninas.

Eu tenho um amigo que diz que todo casamento é precoce :-) mas tecnincamente casamento precoce são aqueles empreendidos por mulheres de menos de 18 e homens com mais de 21, e incluem todos os tipos de formato de união matrimonial. Um relatório recente da UNSRID tenta estabelecer uma relação entre escolaridade e idade de casamento.

No Sul da Ásia e em África subsaariana 38% das mulheres casam-se antes dos 18 anos. Quase 23% antes dos 16. A maioria de uniões da criança ocorre entre as idades de 15 e de 18, mas em três países, Níger, Chade e Bangladesh, mais de 1/3 das mulheres de 20-24, casaram antes dos 15. Isto mesmo em países onde a lei formalmente proíbe. Um exemplo de política pública ineficaz foi a proibição por lei destes casamentos. Além de não reduzir a incidência, lançou estas meninas na condição de “esposas ilegítimas”.

Casamento precoce reduz as chances de uma menina permanecer na escola, contribui para a piora de indicadores de saúde (mulheres que tiveram seu primeiro filho, antes dos 16 anos, têm expectativa de vida reduzida em quase 2,5 anos). Mais do que efeitos econômicos e físicos, o casamento precoce geralmente se associa a  falta de opçoes, restrição à liberdade e opressão destas meninas.

Acreditava-se que mulheres são forçadas a casar cedo porque tem baixo acesso à escola. Os dados recentemente compilados mostram que isto é só parcialmente verdade. Há países aonde a escolaridade das meninas vem crescendo sem que se reduza significantemente o casamento precoce.

Mais um dado que contradiz os que acreditam que desenvolvimento sócio-econômico movimenta automaticamente empecilhos culturais. Mais e mais casos nos mostram que mesmo quando aumentado o acesso e a renda, preconceitos e desigualdades drasticamente não se reduzem sem outros componentes de mudança.

No Brasil, depois de 10 anos de piora, a idade de uniões civis e da primeira maternidade entre mulheres jovens inverteu a tendência. Desde 2007, a idade voltou a  subir. Mas, é impressionante que, mesmo com elevados índices de escolaridade e renda, haja mais mães (proporcionalmente falando) entre meninas de menos de 19 anos do que há 30 anos atrás. A redução nas taxas de fertilidade foi e é muito menor nesta faixa etária.  Outro dado, a diferença de idade entre a mãe adolescente para o pai de seu filho, voltou a aumentar. Aproximadamente 3/4 são meninas que têm filhos com adultos (acima de 21). 

Este dado certamente é o reflexo de um complexo de fatores, mas traz o desafio de entender porque na ainda insuficiente evolução da garantia dos direitos das mulheres, as meninas são menos beneficiadas do que as adultas.







quarta-feira, 2 de março de 2011

A BRECHA DA ADOLESCÊNCIA


Nem os personagens ficcionais escapam da adolescência. Descobri na banca de jornal da esquina, que o Cebolinha, agora adolescente, admitiu que a fixação dele em apanhar da Mônica era um tipo de amor. Eu já sabia.

A maioria dos pais de adolescentes já sentiu vontade de ser um índio Bororo ou parte da tribo isolada dos Jarawa Nova-Guiné. Nos grupos tradicionais, dorme-se criança, acorda-se adulto. Algum rito ou fato marca a transição.  Mas, as sociedades modernas inventaram a adolescência.

Embora adolescência nao signifique a mesma coisa em todo o mundo, por critérios etários, há 1,2 bilhão de adolescentes no mundo. O UNICEF foca seu relatório Situação Mundial da Infância 2011 nesta fase, O relatório inverte a lógica que vê a adolescência como risco e vulnerabilidades e a trata como oportunidade. Conclui que investimentos focados na adolescência podem romper ciclos de pobreza e iniqüidade.

Os investimentos realizados nas duas últimas décadas permitiram grandes avanços para os períodos inicial e intermediário da infância: Queda da taxa de mortalidade infantil, redução da brecha de gênero na educação e outros. No entanto, menos avanços foram observados em áreas que afetam os adolescentes.

No Brasil, as reduções na taxa de mortalidade infantil entre 1998 e 2008 salvaram a vida de mais de 26 mil crianças; no entanto, no mesmo período, 81 mil adolescentes brasileiros, entre 15 e 19 anos de idade, foram assassinados. No Brasil há mais de 21 milhões de adolescentes. 30% dos 191 milhões de habitantes têm menos de 18 anos e 11% da população entre 12 e 17 anos.

A única maneira de tornar sustentáveis as conquistas obtidas na primeira década de vida é com políticas nacionais e programas específicos que ofereçam aos adolescentes acesso à educação de qualidade, saúde e proteção. Um grupo tão significativo e estratégico para o desenvolvimento do País pode estar invisível em meio às políticas públicas que focam prioritariamente na primeira fase da infância e na fase seguinte da juventude. Políticas educacionais, culturais, de saúde (principalmente de saúde reprodutiva) pouco entendem as especificidades desta fase da vida.

É para adolescência que se transferiram os impactos das desigualdades, antes concentrados na primeira infância. Além dos dados sobre o Brasil incluídos no relatório, o UNICEF também divulgou o Caderno Brasil, publicação que contextualiza para a realidade brasileira as reflexões e dados do relatório global.

Relatório Completo:


Caderno de Dados sobre o Brasil:




quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TRACE A LINHA


A presidente Dilma colocou a erradicação da extrema pobreza (miséria, perrengue, fundo do poço, etc...) como sua meta maior de governo. Logo, a segunda maior discussão momento no planalto é: "Quem são estes pobres"."Onde está a linha que os define"?  A primeira é sobre a esposa do vice-presidente, mas isto nao vem ao caso aqui. 

E aqui temos uma questão crucial: como demarcar essa linha de pobreza? Seria o patamar do salário mínimo? O rendimento necessário para o trabalhador cobrir despesas básicas calculado pelo Dieese (R$ 2.227)? O padrão seguido na OCDE (quem recebe menos de 60% da média do rendimento por adulto equivalente de cada país)?

O critério mais usado (dita a lei universal da preguiça: o mais fácil primeiro) é o do Banco Mundial: pobre é quem recebe até US$ 2 por dia (corrigido pelo poder de compra), e miserável é quem recebe US$ 1. Assim, no Brasil, miserável é quem ganha o suficiente para tomar uma lata de coca-cola light por dia, R$2,10 (não seria mais simples, trocar logo o indicador pela coca-light? :-). Este cálculo é per capita. Assim, se uma mulher, a chamemos de Rosa. Se Rosa tem um companheiro desempregado e 3 filhos, sua família estará abaixo da linha de miséria se ela receber menos de R$315,00/mês (10,50/dia0.

Imaginemos que Rosa consiga 240,00 (8,00/dia). Transferindo R$2,51 adicionais, máginca! Rosa não seria mais miserável. A matemática é simples (mesmo que minha filha nao concorde:). Mas a vida não. Nenhuma linha da pobreza medirá de fato todas as dimensões da pobreza. Aumento de renda não vem necessariamente acompanhado de bem-estar. E a mágica estatística de definir uma linha não muda a vida de ninguém. Ou você acha que se Rosa ganhasse R$10,51 ao dia teria uma vida muito distinta se a renda fosse R$10,49?

Como diria Plínio de Arruda Sampaio, as presidências neoliberais de FHC e Lula kkkk trouxeram a matemática para a discussão da política social. Ao invés de um conceito de Direito universal, a linha de FHC e Lula foi de enfocar benefícios em um grupo que mais precisasse. A linha de universalista estabelece parâmetros (altos geralmente) e luta para que todos sejam neles incluídos. A focalista crê que os benefícios devem ser distribuídos proporcionalmente à necessidade. Depois de ter o básico, o restante se resolveria pelo mercado. Focalistas defendem que uma precisa definição de pobreza levaria a mais eficácia. Universalistas dizem que o monto de recursos precisa aumentar junto com a eficácia. Divergência mais profunda do que entre corintianos e palmeirenses.

Uma frase define a importância prática da discussão: “É um jogo de soma zero: se você põe em um lado, tem de tirar de outro. Então, o conceito de pobreza – absoluta e relativa – vai determinar o quanto é preciso transferir o que sempre é uma questão delicada”.

A edição brasileira deste mês da Le Monde Diplomatique ressuscita a visão “tradicional da esquerda” sobre a discussão da definição da pobreza, ausente na grande mídia. A revista discute: “Onde fica a linha da pobreza”, com textos da Aldaíza Sposati, Eduardo Fagnani e Sílvio Caccia Bava.

A linha mais conhecida para definir a pobreza é aquelas que ganham US$ 2 por dia (corrigidos por poder de compra, alias um “detalhe” que Caccia Bava esquece em seu artigo). No Brasil, há 49 milhões de pessoas nessa faixa (dados da Comissão Econômica para a América Latina). No artigo de Caccia Bava, coloca-se que, para erradicar a pobreza, é preciso promover transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres. Como fazê-lo em curto prazo (a educação universal de qualidade é o instrumento com mais comprovada eficácia na geração de igualdade, mas demora muito tempo para gerar impacto).

Fagnani, professor do Instituto de Economia da UNICAMP (aviso: não foi meu aluno:->), afirma “que o mais grave é a implicação de que políticas universais – que beneficiam os “não pobres” – devem ser destruídas e seus recursos realocados para os pobres. “O real objetivo dessa agenda é o ajuste fiscal”. Faganini acerta na descrição histórica e no pressuposto de que o tema é atualmente, antes de social, fiscal. Mas, comete erros de leitura básica de dados, do método de cálculo de custo de vida e da pobreza.

Aldaíza dá uma aula-show em seu artigo, onde propõe una superação da briga focalismo-universalismo. Para ela a chave é estender os benefícios atuais (focais) para a categoria de direitos (universal) a ponto dos pobres poder “contar com” e “ter certeza” do acesso. Aldaíza lembra que erradicação da miséria, mesmo que conte com a ajuda dos programas de transferência de renda, fundamenta-se no acesso a serviços públicos igualitários. Acerta na receita, só não diz como pagar a conta do remédio.

Como diria nosso guru “Nunca antes na história deste país” uma linha imaginária foi tão importante.

 
Para acessar a Le Monde Diplomatique
 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Quer Entender a Crise Financeira? Freud Explica.


A cada crise financeira, surge uma pergunta. Por que não fomos capazes de prever (e evitar) isto? É lógico que sempre aparece um para repetir a frase daquela motinho de um desenho de minha infância: “Mas, eu não te disse?” Mas, quem era pago para dizer, não disse.

Mesmo com falhas enormes nos modelos evidenciadas pela própria crise, os Economistas continuarão seres de profunda fé. Não superados nem pelos torcedores do Botafogo. Seguirão como se tivessem conhecimento do funcionamento da realidade, criando conjecturas com as quais constroem um futuro imaginário, minimizando a intrínseca incerteza na qual está ele imerso.

Foi assim desde as crises econômicas do final do séc XIX. Mas, desta vez há algo distinto na discussão: Elementos complexos, antes marginais ou até ignorados ganham destaque nas sisudas escolas de economia. E, até entre os homens de ternos escuros, os banqueiros, novas teorias ganham espaço. Economia Entrópica, Eco-Economia e a mais assanhada das novas teorias: a Pisco-Economia.

Sabe a máxima de que o mercado é coisa de louco? A Psico-Economia leva isto bem a sério. E criou o conceito de "finança emocional”. Estes estudiosos, a maioria formada por psicanalistas, defende que “a compra, a posse e a venda de ativos financeiros, em condições de intrínsecas instabilidade e ambiguidade, necessariamente levam os envolvidos nessas transações a desenvolverem, frente a elas, uma forte ambivalência emocional, bem como inúmeras fantasias inconscientes. A hipótese aqui é que são justamente as fantasias inconscientes dos gestores, as oscilações em seu estado mental e o funcionamento da psicologia de grupo o que pode explicar a formação das bolhas financeiras, um grave problema para o qual as teorias econômicas convencionais não oferecem explicações satisfatórias. Supõe que no processo de tomada de decisão financeira ocorre o mecanismo inconsciente de cisão, em função do qual ficam separados e expulsos da consciência os pensamentos que provocam emoções dolorosas, como a dúvida, a angústia e o medo. Isso faz com que fique impedida uma avaliação mais realística da situação, aumentando o risco de futuras instabilidades financeiras, com funestas e globalizadas conseqüências” (Sérgio Telles).

Os psicoeconomistas dizem ser fundamental reconhecer e aceitar esta incerteza que vem dos ativos financeiros serem abstratos e oscilantes o que contribuiriam para fobias, paranóias, psicoses de todos os tipos no estado mental dos gestores que lidam com eles.

Neste campo de trazer a bolsa para o divã, a estrela do momento David Tuckett, membro
do Instituto de Psicanálise de Londres e professor visitante de Psicanálise no University College London. Tuckett afirma que, “por mais sofisticadas que possam parecer, as teorias econômicas sobre os mercados financeiros são bastante fantasiosas quando vistas a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Afinal, é humanamente impossível saber quanto valerão no futuro os ativos manipulados pelo mercado financeiro”. Ele, atualmente com as bênçãos e o dinheiro de George Soros, trabalha em um estudo que pretende mostrar que as tomadas de decisão no mercado financeiro são baseadas em estados emocionais dos gestores e em histórias fantasiosas criadas por eles mesmos.


Caso a hipótese de Tuckett se comprove, talvez os próximos comentaristas econômicos da TV ao invés de Keynes e Marx, vão citar Freud. E você, da próxima vez que for ao banco falar sobre investimentos e o gerente perguntar: “Agressivo ou Moderado?”, Você pode responder com outra pergunta: “Fale-me sobre sua mãe, ela era agressiva ou moderada?” :-)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE "........."


Já pensou se você fosse a presidente? Dezenas de auxiliares. Mordomias e poder. Muito Poder. Poder para decretar que o vice-presidente precisa sorrir, proibir o Sarney de usar bigode, tornar crime inafiançável a execução dos CDs da Vanessa Camargo. Proibir locutor de Super-mercado e decretar a coca-light tradicional patrimônio nacional.

Poder de mudar o salário mínimo, inclusive. E você, um ser socialmente sensível e preocupado com pobre, nem ficaria entre a disputa 540, 560. Assinaria logo uns 600. Não! 600 até o Serra daria. Você iria logo para 2500,00, o salário mínimo segundo o DIEESE. Correto?

Aumentar o salário mínimo é muito legítimo. Querer que uma família viva com menos de R$600,00/mês é desumano.

Mas, a escolha da presidente não é tão simples assim. Alguns argumentam que, quem se preocupa mesmo com pobre, deveria defender um aumento menor para o salário mínimo.

Por quê? Estudos do IPEA mostram que o impacto do reajuste do SM na redução da pobreza já foi maior. Hoje é reduzido. Explico-me, somente 62% dos beneficiados pelo aumento do SM são pobres. Dentre os 38% restantes há inclusive um grupo significativo, 11% que tem renda acima de 10 SMs.

Para cada real aumentado no mínimo, Dilma gerará um custo estimado de quase R$200 milhões para o orçamento público nos 3 níveis federativos. Para cada bilhão gasto com aumento do mínimo, a pobreza reduziria 0.8 pp. O estudo do IPEA mostra que o mesmo bilhão aplicado nos programas sociais mais bem avaliados do governo reduziria a pobreza em cerca 1.9 pp. Mais do dobro do impacto.

Nenhum gasto público social contribui tanto para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) quanto os que são feitos em educação e saúde. Cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. O mesmo valor gasto na saúde gera R$ 1,70.

Para a redução da desigualdade social, os gastos que apresentam maior retorno são aqueles feitos com o Bolsa Família, que geram R$ 2,25 de renda familiar para cada R$ 1 gasto com o benefício, e os benefícios de prestação continuada - destinados a idosos e portadores de deficiência cuja renda familiar per capita seja inferior a 25% do salário mínimo -, que geram R$ 2,20 para cada R$ 1 gasto.

Além disso, 56% desses gastos retornam ao caixa do Tesouro na forma de tributos.

Já cada real aumentado no SM impacta o PIB em cerca de R$1,20 e trazem R$1,46 de aumento de renda familiar.

Só o Bolsa-Família tem uma necessidade de expansão que demandaria quase 1,3 bilhão extra por ano. O plano de erradicação da miséria extrema que está em preparação no governo federal estima um custo adicional de quase 5 bilhões/ano. No orçamento deste ano, há somente um aumento de 180 milhões para expansão. E ainda assim, a expectativa é que mais de 50 milhões sejam contingenciados.

Logo, a escolha de Dilma, e sua se fosse presidente, é: aumentar o mínimo (reivindicação justa) ou investir mais para reduzir a pobreza?

Diga-me EXMO. Presidente Você, qual é sua decisão?
























sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

“Em Casa Onde Não tem Pão, Todos Gritam e Ninguém tem Razão”




Alguns vêem somente o “vento da democracia” como motivo para, depois de décadas de acomodação, população de países árabes exigirem o fim de suas ditaduras de estimação. Mas, já nos ensinavam os antigos: toda mudança vem do estômago. E, o vento da democracia tem certamente tido a propulsão do tufão da fome. Este tem varrido países com eleições regulares e gerado distintos tipos de violência. É difícil imaginar que a  com o aumento do poder do tráfico (que ajudou a transformar o corredor centro-americano+México na região mais violenta do mundo) não tenha correlação com a fome na região.

Celso Ming lembrou o ditado: “Em casa onde não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão”. E é com preocupações voltadas para o potencial político explosivo do que está acontecendo que as autoridades do mundo começam a se mexer.

Os preços dos alimentos estão em forte escalada. Saltaram 23,9% em 2010 e, em janeiro, já subiram 3,4%. Os políticos temem a fome, embora não se preocupem com os pobres. O tema está na agenda de inúmeros almoços dos não-famintos, Ben Bernanke (FED-US), do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick e de Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA (quem vem ao Brasil para discutir uma ação conjunta sobre o tema).

As divergências são enormes e começam pelo diagnóstico.

1. Alguns dizem (Sarkozy, em nome do G-20, entre eles) que o principal problema é a ação dos especuladores, que estariam apostando dinheiro grosso na alta das commodities. Se isto é verdade, o FED americano tem sua culpa por ter injetado US$ 1,7 trilhão na economia numa operação conhecida como afrouxamento quantitativo e vai reforçando com mais US$ 600 bilhões. Mas outros BCs fizeram o mesmo, inclusive o brasuca. Esse é o principal motivo pelo qual os mercados estão encharcados de dinheiro.
2. Um segundo diagnóstico é o de que essa disparada de preços tem a ver com adversidades climáticas em grandes países produtores de grãos: seca na Ucrânia, China e Argentina; e inundações na Austrália.

3. Outro grupo de analistas aponta as compras maciças feitas por pessoas, especialmente na China, Tailândia e Bangladesh, que decidiram reforçar os estoques como medida de segurança alimentar.

4. Há, em quarto lugar, a velha acusação de que os países ricos, como os Estados Unidos, toda a União Europeia e também o Brasil, estão canalizando cada vez mais grãos para produzir biocombustíveis.

5. O quinto diagnóstico põe ênfase no crescimento do consumo. Mais de 40 milhões de asiáticos, principalmente na China, ascendem todos os anos ao mercado de consumo. Essa gente começou a se alimentar melhor. E essa é explicação suficiente para que se entenda todo o resto. Como nos acidentes de avião, não dá para excluir nenhum dos fatores. Todos eles concorrem para a produção do mesmo efeito. No entanto, o aumento do consumo global parece ser o mais importante.

Há dados para basear as 4 linhas de explicação. Porque todas são concorrentes. Não se sabe qual delas começa, mas todas contribuem para um quadro triste: Em 2008, quando os preços do arroz triplicaram, calcula-se que mais 100 milhões de pessoas voltaram para abaixo da linha da pobreza. E, de barriga vazia é geradora de conflitos.

O preço dos alimentos sofre as conseqüências de um modelo que transformou a comida em mercadoria e a gere exclusivamente pela regras de mercado. Segundo esta lógica: comida tem preço, mas não valor. Toda especulação, mesmo que gere mortes, é válida e legítima operação.

A lógica da commoditizaçao, até do que não é commodities também reduziu a produção dos produtores de pequena escala. Esta queda deve levar à indústria alimentícia a ser o maior consumidor global de alimentos, ainda em 2012. Isto provoca dois fenômenos: “comida com milhagem” e “vale quanto quero”.

Em todo mundo, a cada ano, a viagem da comida aumenta. Este cálculo curioso mede a dieta básica de uma população versus a distância onde ela é produzida. Em 1980, a comida viajava em média 146 km até o consumidor. Em 2010, esta distância chegou a 309 km. Logo, o arroz que eu quero comer, é também disputado por outros. Principalmente pela indústria.

O segundo reflexo da crescente intermediação da indústria na alimentação faz dela o grande regulador de preços. Compra em quantidades que baixam o preço. Vende em quantidades que o fazem aumentar. Mercados mais integrados competiriam mais eficazmente pelos produtos. mas já nos provavam Nash e Stiglitz que isto só existe em mercados com informação simétricas. Em outras palavras, nunca :-). A lei da oferta e procura até existe, mas seus juízes são parciais.

No Brasil, a discussão sobre o valor do SM tem a influência deste tema. A inflação aumentou e com ela os riscos de redução nos níveis de segurança alimentar. No período de 12 meses terminado em 31 de janeiro, os preços internacionais das commodities alimentares subiram 28,3%. Os da soja acumularam alta de 55%; os do milho, 64%; os do açúcar, 54%; os do café, 80%; e os do trigo, 50%. Essa estocada já está provocando inflação e, mais cedo ou mais tarde, os bancos centrais serão obrigados a atacar com alta dos juros.

Em resumo, inflação e pobreza nunca ficam longe o suficientes para que esqueçamos deles.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Países deixam pobreza, mas População Não.


Países deixam pobreza, mas população não. 75% dos pobres do mundo não vivem mais em países pobres.

É o que revela o estudo “E se Três Quartos dos Pobres do Mundo Viverem em Países de Renda Média?”, conduzido por Andy Sumner, do Instituto de Estudos sobre Desenvolvimento (IDS, Reino Unido), publicado pelo CIP-CI/UNDP.

O estudo de Sumner é um reforço na tese de que a linha de medição de pobreza internacional do Banco Mundial está se descolando da realidade.

A hipótese é simples. Se um indicador não capta a situação das pessoas, ela se tornou caduco. A linha de pobreza do Banco Mundial ainda funciona para analisar o “desenvolvimento potencial”, ie, os recursos nacionais disponíveis.

As assimetrias na correlação entre riqueza de um país e de sua população já tinham sido apontadas. Com exceção de dois pequenos grupos: os extremamente pobres e os alto-médios ricos, em todo o restante não há sincronia.

A constatação levanta questionamentos sobre a classificação das nações de acordo com o PIB per capita, adotada desde o início dos anos 1970 pelo Banco Mundial (BIRD). A renda de uma série de países ultrapassou a barreira dos US$ 995 nos últimos 20 anos, mas apenas uma pequena parcela de sua população efetivamente vive com mais de US$ 1,25 por dia.

Para o BIRD, uma economia de renda média tem PIB per capita situado entre US$ 996 e US$ 12.196.

Número de nações pobres caiu de 60 para 39 desde 1990; economias médias passaram a reunir 75% da população em condição de miséria.

Com a diminuição do número de países pobres de 60 para 39 desde 1990, e a consequente ascensão desses territórios à categoria de economias de renda média, cerca de 75% das pessoas que vivem com menos de US$ 1,25 por dia estão hoje em nações cujo PIB per capita está acima da linha que define se um Estado é pobre ou não, avaliada em US$ 995.

Em 1990 cerca de 93% das pessoas em situação de miséria viviam em economias frágeis. Em contrapartida, entre 2007 e 2008, três quartos dos cerca de 1,3 bilhão de pobres do mundo viviam em nações de rendimento médio.

Imagine que hoje o Objetivo do Milênio 1 (redução da pobreza) fosse atingido em 100% dos países pobres do mundo. Ainda haveria900 milhões de pessoas pobres vivendo nos países estáveis e com rendimento médio.

Houve uma redução de pobres nos países mais pobres (ou frágeis). 23% das pessoas em situação de miséria vivem em Estados frágeis e afetados por conflitos, dez pontos percentuais a menos do que o estimado há duas décadas.

Sumner coloca sua opinião sobre o motivo do deslocamento: “Crescimento sem transformação social, econômica ou política são um ponto de partida para explicar a persistência de altos níveis de pobreza absoluta nos países de renda média. Quando se faz uma análise desse grupo, mudanças no emprego agrícola são evidentes, mas, surpreendentemente, há poucas alterações na desigualdade e nas receitas fiscais”.

























sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O que a tragédia no Rio nos Ensina


Resumo com dados da Cruz Vermelha e OESP
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1. Melhorar sistemas de alerta e ter mais radares em rede
Apesar de o País contar agora com o Tupã, supercomputador que rodará modelos de previsão mais precisos, é necessário investir em soluções complementares. Com o aquecimento global, a tendência é que chuvas intensas sejam mais frequentes. É urgente a criação e manutenção 24 horas de centros meteorológicos em cada Estado e a ampliação do número de radares ligados a uma central.


2. Integrar, equipar e mapear para agir rápido e ser eficaz
Caso seja dado o alerta de emergência, é necessário que ele chegue rápido aos locais apontados. E, para o alerta ter eficácia, é preciso que prefeituras, governos estaduais e federal estejam articulados e preparados para agir rápido, com base num plano de contingência consistente e centralizado em um comando único. Criar defesas civis municipais, equipar melhor as que existem e mapear todas as áreas de risco são ações fundamentais.


3. ESTIMULAR INTEGRAR  & PROFISSIONALIZAR A RESPOSTA
Há descoordenação nas ações de resposta tanto governamentais quanto da sociedade civil. A enorme resposta solidária mostrou que a sociedade tem disposição e capacidade de apoiar, doar e ajudar. Porém os sistemas de ajuda governamentais não facilitam a canalização eficaz dos recursos da sociedade civil (a legislação brasileira dificulta as doações) e a descoodenação/amadorismo da resposta não dispõe os recursos de maneira sinérgica.


4. Informar, educar e avisar as pessoas sobre o alerta
Como a população não está acostumada a esse tipo de alerta, é necessário investir em educação nas escolas e por meio de cartilhas que preparem para o que fazer caso seja necessário evacuar as casas. As pessoas precisam ter garantia de que já terão um abrigo e saber como se deslocar até o local. Prefeituras e Defesa Civil devem organizar cadastros detalhados dos moradores em áreas de risco e saber quem tem dificuldades de locomoção.

5. Acabar com áreas de risco requer controle do solo
Se as chuvas intensas tendem a ser mais frequentes nos próximos anos, o impacto delas deve ser ainda pior caso a ocupação de áreas de risco continue crescendo desordenadamente no País. Para retirar todas as pessoas e evitar novas ocupações, é preciso oferecer opção de moradia segura e controlar efetivamente o uso e ocupação do solo. Deve haver fiscalização e cumprimento das leis e contenção da especulação imobiliária.

6. Restituir e conservar várzeas dos rios, encostas e florestas
Para recuperar e ao mesmo tempo proteger cidades encravadas em regiões serranas uma solução é a criação de parques naturais, ao longo das várzeas de rios. Quando transformados em unidades de conservação ou em áreas de preservação permanente, os locais não podem mais ser ocupados. O desafio, nesse caso, é retirar quem já mora nessas áreas. Outra medida é evitar a canalização de cursos d"água e a impermeabilização do solo.


7. Saber construir para mitigar impacto da chuva
Além de ações de grande porte, que envolvem poder público, ações individuais, principalmente se multiplicadas, contribuem muito para diminuir os efeitos devastadores das chuvas.
Recuperar jardins, manter quintais permeáveis, instalar telhados verdes e tanques para reter água, que pode ser usada para regar plantas, aumentar permeabilidade de pisos e calçadas e não jogar lixo nas ruas são bons exemplos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Fim de Ano, Hora de falar de Avaliações

Mesmo com recursos (pessoas, insituiçoões e tecnologias) que, se não são sufientes, também não são desprezíveis, o Brasil investe insignificantes recursos em avaliação. Pior, não há garantia de que as avalições seja feitas de maneira imparcial e, a pá de cal:  não vincula avaliação como procedimento legal para análise oraçamentária e de continuidade de políticas. Em resumo, mesmo o que se avalia, não há garantia sobre seu processo e "usabilidade".

Romulo Paes, executivo do MDS e especialista no assunto, faz um balanço das atividades na área (positivo, pq nao é da natureza de governantes fazerem auto-crítica rsrs) e aponta um agenda necessária para a avaliação.


 

A hora e a vez da avaliação das políticas públicas

(Do Valor)


 

Rômulo Paes

22/12/2010

A gestão pública tem incorporado recentemente novas funcionalidades no Brasil e no mundo. Uma delas é a necessidade de se monitorar e avaliar as políticas e ações públicas. A experiência brasileira está se tornando uma referência, mas ainda é necessário consolidar essa atividade na administração.

Com um modelo federativo descentralizado e níveis de gestão autônoma nos Estados e municípios, o Brasil é grande e diverso. Além disso, a administração tem um tamanho considerável - o país tem uma das maiores estruturas de gestão pública do mundo.
Isso é devido a dois motivos. Um deles é o tamanho da população - a prévia do Censo 2010 calcula a existência de 190,7 milhões de brasileiros. O outro é a forte presença do Estado, que optou por operar e ofertar bens e serviços públicos, sobretudo na área social, enquanto outros governos preferiram transferir essas tarefas para o setor privado.

Todos os níveis governamentais - federal, estaduais e municipais - estão hoje preocupados com a qualidade dos serviços sociais e, por isso, a boa gestão é essencial. Essa característica da administração pública brasileira fez surgir avaliações e monitoramentos nas duas direções, ou seja, não apenas de cima para baixo mas também de baixo para cima.
A avaliação de cima para baixo trata do esforço que as instâncias de coordenação fazem para que o governo acompanhe ampla e horizontalmente suas ações. É o caso do Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento (Sigplan), do Ministério do Planejamento, e do monitoramento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Casa Civil.
O inverso também ocorre: as áreas setoriais se esforçam em desenvolver sistemas que tenham maior interface com seus temas. Aí encontramos experiências não só no executivo, como no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Ministério da Educação, mas também no próprio Tribunal de Contas da União (TCU).
No MDS, foram mais de 92 pesquisas concluídas, em execução ou em processamento entre 2005 e 2010, sendo 20 delas sobre o programa Bolsa Família. O IBGE também tem contribuído com as PNADs e diversos suplementos requisitados e financiados pelo Ministério. Elaboramos ainda pesquisas longitudinais, como a que avaliou as condições de vida de 11,4 mil domicílios, inscritos ou não no programa Bolsa Família, em 2005, (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Cedeplar), e depois em 2009 (Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares/Datamétrica, IFPRI). São estudos robustos, essenciais para avaliar e monitorar um programa desse porte, que atende a 12,4 milhões de famílias.
Essas pesquisas ajudam a redimensionar a implementação das políticas públicas. Um exemplo de adequação foi incluir jovens de até 17 anos no Bolsa Família, ao constatar que meninos e meninas de 14 anos estavam abandonando as atividades escolares. Os estudos apontaram também que a permanência das crianças na escola - estimulada pela condicionalidade do programa - não garantia um melhor desempenho, até porque as unidades de ensino tinham dificuldades em receber esses alunos antes excluídos. A segunda etapa do estudo do IFPRI (2009), no entanto, mostrou que esse desempenho melhorou porque as escolas estavam mais adaptadas para a demanda e também as famílias compreendiam melhor a exigência do programa. Os estudos de avaliação permitem um redesenho dos programas, direcionando-os para ações mais eficazes e eficientes, o que futuramente gera melhor alocação de recursos e ações de melhor qualidade.
Assim, a necessidade de monitoramento e avaliação aparece nas instâncias de coordenação e também nas unidades executoras, demonstrando uma convergência conceitual e metodológica, demandando compartilhamento de ferramentas, capacitações e desenvolvimento de competências. Isso reflete o esforço dessas áreas para o maior domínio do monitoramento e avaliação, trazendo luz a questões relacionadas à execução de programas.
A experiência brasileira tem aspectos inovadores porque os estudos de implementação das políticas possuem grande relevância. No caso das políticas sociais, são os municípios que as executam e acompanham beneficiários, constroem e administram unidades de segurança alimentar e nutricional, por exemplo. Mas a diversidade das administrações gera uma heterogeneidade muito grande na execução das políticas. Assim, analisar e avaliar a implementação pode explicar e ajudar a compreender a variação encontrada nos resultados dos programas.
A experiência do executivo federal tem se multiplicado em instâncias estaduais - Pernambuco, São Paulo, Ceará e Minas Gerais - e municipais. Há também envolvimento das universidades tanto na execução de estudos específicos como na formação de profissionais. Temos experiências na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), na UFMG, no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, na Fundação Osvaldo Cruz e no IPEA.
Por fim, temos os organismos internacionais buscando disseminar esse tipo de experiência, ao mesmo tempo permitindo que os resultados brasileiros sejam conhecidos e reconhecidos no exterior.



O Brasil hoje se encontra numa situação ímpar. Mas ainda temos muitos desafios, como a pouca quantidade de especialistas nos órgãos públicos e a necessidade de contratação de pesquisas de longo prazo, que muitas vezes são incompatíveis com os tempos legais da administração pública.



É chegada a hora de termos uma ação mais organizada e coordenada pelas instâncias competentes. É chegada a hora de disseminarmos o conhecimento da avaliação e monitoramento de políticas públicas, não apenas no governo federal mas também nos Estados e municípios. É importante também termos publicações específicas sobre o assunto e fortalecermos as redes disseminadoras desse conhecimento e os eventos voltados exclusivamente para apresentação de resultados, compartilhamento de metodologias e ferramentas. Esse é o passo adiante que devemos tomar.


 
Rômulo Paes é secretário-executivo do MDS, médico, especialista em Avaliação de Políticas Públicas, PhD em Epidemiologia, pela Universidade de Londres.