Desde que concordei com meu sobrinho Pedro e assumi desavergonhadamente minha chatice, minha vida melhorou. Toda vez que precisam de um debatedor chato, meu nome é lembrado. E assim fui chamado para um Seminário no Ministério de Relações Exteriores, na semana passada. Lá, os debatedores não-chatos provaram por Milhões de Dólares + Centenas de Convênios que o Brasil já é um sujeito na ajuda internacional. Ocupa a 3ª. Posição nas Américas e a 23º no mundo.
E a Cooperação Internacional foi demonstrada em muitas formas. E executada por distintos atores (MRE, MDS, outros M's, Empresas e Organismos Públicos, etc.) e vão de fábrica de medicamentos contra AIDS em Moçambique, fazendas experimentais no Senegal e Mali, projetos agropecuários, de combate ao trabalho infantil, de capacitação de docentes no Timor Leste, a implantação de bancos de leite humano de 22 países, urbanização de “favelas” em Bangladesh a melhoramento genético do caju filipino e escolinhas de futebol (para formar volantes?) na Malásia. Embrapa e Fiocruz já têm escritórios na África, CEF e BB têm departamentos de cooperação internacional atuando em quase 30 países.
Outro debatedor do time dos não-chatos ainda expos as conclusões do estudo “Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional” (IPEA) Alguns dados (do Estudo e do Seminário):
1. O volume de recursos que o Brasil destina à cooperação internacional Sul-Sul quase dobrou em cinco anos, foi de R$ 384 milhões, em 2005, para R$ 724 milhões. Em 2009. O investimento total do período chega a R$ 2,9 bilhões
2. Numa segunda etapa, o IPEA verificará a cooperação realizada pelo Brasil por meio de governos estaduais e municipais e de Organizações Não Governamentais. A Estimativa é que o total de investimentos sociais não-reembolsáveis do país no exterior já alcance os US$5 Bilhões.
3. Este valor exclui os recursos aplicados em operações de paz, como as do Haiti. Nesta categoria foram quase R$7000 milhões em 5 anos.
4. Quase 75% do valor da cooperação são destinados por meio de organismos internacionais. A estratégia brasileira tem sido definir os sócios, os projetos e entregá-los à gestão destes organismos.
5. O valor aplicado pelo Brasil ainda é bem inferior a países emergentes (Turquia, Coréia do Sul, China e Índia). Mas, concentra-se em “soft help”, ie, ajuda em tecnologia apropriada e construção local de capacidade. Daí, os defensores dizerem que o valor pode ser baixo, mas que aporta mais impacto do que a ajuda tradicional baseada em doações e infra-estrutura. Enquanto o padrão de ajuda são pacotes fechados, o governo brasileiro defende que sua cooperação pelas demandas recebidas e pela construção de projetos com intensa participação dos países beneficiados - e sempre que possível de suas sociedades civis - tanto na definição das prioridades, metas e estratégias, como na implementação das ações e avaliação dos resultados.
6. A cooperação brasileira Sul-Sul envolve cerca de 120 instituições brasileiras e parcerias com quase 70 países. Os que mais recebem ajuda são os que falam nossa língua (27%) e os da América Latina e Caribe (40%), só o MERCOSUL fica com 15%. A África recebe quase 50%dos recursos e Ásia e Oriente Médio, 11%. Os países que recebem maiores investimentos são Moçambique, Timor Leste, Guiné Bissau, Haiti, Cabo Verde e Paraguai.
Na minha vez de falar, lembrei da frase de minha tia: "Cabelo bonito também dá piolho". E fui cumprir minha função, fazer as perguntas chatas.
1. Quem avalia as missões de paz? Metade das 26 Missões de Paz das quais o país participou desde 1957 concentram-se nos cinco anos analisados pelo estudo. O Brasil investiu nessas operações, realizadas em 13 países, R$ 613,6 milhões. Embora tenha sido criado um Centro para coordenar estes esforços, ainda não há avaliações brasileiras independentes sobre esta eficácia. As que existem são de ONGs estrangeiras e pouco ou nada reverberaram por aqui. Mesmo os EUA que não são nenhum exemplo de Democracia, criaram mecanismos de transparência e avaliação independente destas missões. O Congresso não consegue cumprir sua função neste sentido. E a Comissão de RE de ambas as casas, a despeito de algumas visitas, nunca conseguiu mudar nada na linha destas missões. As poucas ONGs brasileiras que se aproximam das missões, fazem-no mais no caráter de sócios do que de críticos.
2. Quem fiscaliza os organismos internacionais executores? A política brasileira de agir por meio de sócios e em projetos de cooperação triangular reforça o sistema internacional de cooperação e reduz os gastos próprios com gestão de projetos. Lindo. Mas, o país continua sem participar das comissões de avaliação de desempenho destes mesmos organismos. Diferentemente dos grandes doadores, o Brasil: a) não ocupa sua cota de consultores de avaliação nestes órgãos; b) não desenvolve suas próprias plataformas de indicadores para serem medidos; c) nunca rejeitou um relatório de execução (a média de rejeição é de quase 30%) e; d) continua passando recursos a organismos que estão com atraso de mais de 2 anos em prestação de contas.
3. Toda a avaliação brasileira de investimento baseia-se em contabilidade simples de hora-técnico + diárias, mas não tem nenhum vínculo com impactos. Nas palavras de João Bezerra (para minha sorte, eu não fui o único chato convidado): ”É patente a deficiência de indicadores para a avaliação da qualidade das modalidades adotadas na cooperação para o desenvolvimento e uma simultânea adequação dos procedimentos em uso. O levantamento dos recursos investidos não expressa eficiência das ações e não possibilitam aos governos uma maior clareza da situação, permitindo-lhe planejar de forma mais eficaz o direcionamento das políticas públicas a partir de indicadores confiáveis e atualizados”.
Mesmo um chato fica feliz com o avanço do país na área. Isto mostra um despertar para sua responsabilidade, políticas de orientação moral e não apenas econômica, etc. Mas, Cooperação Internacional é investimento. Daí, para estabelecer a Taxa de Retorno é necessário estabelecer e medir os parâmetros. Em outras palavras, melhor passar o pente fino agora do que coçar a cabeça depois. Palavra de chato