quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Alepo é bem perto de Manaus

O jornal libanês Al-Nahar (tradicional periódico liberal e pacifista) publicou uma entrevista com um dos soldados sírios que participou ativamente da reconquista de Alepo. O jovem de 23 anos, identificado como Soldado X, ajudou a completar o trabalho realizado pelos bombardeios aéreos e terra-terra que mataram, junto com execuções centenas de civis não combatentes, inclusive crianças e idosos, em menos de 30 dias.

Questionado como ele se sentia e se tinha remorsos, X respondeu: “Sinto-me feliz por ter conseguido cumprir minha missão. Eu não matei gente. Eles não eram seres humanos. São traidores e suas famílias também traidoras. Mereciam a morte”. Eu e 99% da humanidade ficamos horrorizados com o comportamento brutal do Soldado X, seus colegas e comandantes.

Corta a imagem de Alepo. Abre em Manaus. COMPAJ, 60 mortos. A imagem das famílias gera compaixão. Afinal são mães, esposas, filhos. A incompetência corrupta do governo nos irrita. O avanço do crime organizado nos causa indignação. Compaixão pelas famílias, indignação com a gestão pública, etc... Mas, poucos seres humanos, entre os quais eu infelizmente não me incluo, ficaram comovidos pelas vítimas.

O que explica a indiferença pelos seres humanos presos é que não os consideramos como a gente. Não acreditamos que eles mereçam o mesmo sistema de justiça que nós ou aqueles a quem amamos. Criamos o que chamam de pseudodiferenciação. Inventamos uma diferença profunda para excluir, para poder classifica-los de “eles”. O governador resumiu bem a indiferença: “não havia santos entre as vítimas". E do lado de cá, há santos? Pela mesma lógica, não se lamentaria a morte do tal governador já que seu secretário foi pego negociando votos em troca de proteção da facção criminosa responsável pela matança.

Não aceitamos que presos tenham direito ao que a lei diz porque, como o Soldado X, não os vemos como iguais. E, ao considerar o outro como não-humano, todo comportamento desumano está justificado. Eu e os 99% dos que não choramos pelos mortos no COMPAJ se estivéssemos em Alepo, a despeito das declarações indignadas em redes sociais,  também teríamos participado da chacina de civis.


O Soldado X sou eu.