terça-feira, 5 de julho de 2011

IMPOSTOS NO BRASIL: Dinamarca, Mônaco e o Campeonato Mundial do Santa Cruz

E, outra coisa, o Diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro - dá gosto! A força dele, quando quer - moço! - me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho - assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.

Guimarães Rosa



Já dizia Guimarães Rosa pela voz Riobaldo (ou talvez Riobaldo, pela letra de Rosa), que o óbvio, o exibido, o repetido à exaustão é o diabo. A verdade se economiza. Algumas das obviedades que você achará nas páginas dos jornais de hoje: O Brasil cobra muito imposto. O Estado brasileiro é muito grande. Precisamos reduzir o gasto público. Será?

E há estatísticas para reforçar a obviedade. Nosso CT (A CT - por definição, a divisão da arrecadação do setor público pelo PIB) é alta. E aumentou levemente nos últimos 16 anos (o período contínuo de maior crescimento econômico redistributivo da nossa breve história, coincidência?).

Mas, como nos lembra sempre o mestre Amir Khair, a CT no Brasil precisar ser comparada com o que compete, pela Constituição, ser feito pelo governo para a sociedade, especialmente nas questões sociais (saúde, educação, previdência, assistência social, habitação, transporte, cultura e segurança), além do desenvolvimento das cidades e da infra-estrutura do país.

A obviedade gosta de citar que a China tem baixa CT. Esquecem de dizer que lá, a lei não garante a seguridade a seus cidadãos, não existe aposentadoria pública, atendimento universal em complexidades nem direitos trabalhistas. Nem Estados Unidos nem Japão, onde a população paga ao setor privado para vários serviços, normalmente de responsabilidade do poder público, como nos países europeus, que têm CT mais alta.

A sociedade tem 3 perguntas complexas para responder constantemente:

1) Qual a promessa que queremos garantir como direito?

2) Quem vai entregar esta promessa?

3) Como a conta é dividida?

Conheço até torcedor do Juventus, mas nunca conheci alguém que goste de pagar impostos. Todo mundo queria viver nos serviços públicos da Dinamarca com os impostos da Mônaco. Isto não existe. Entregar benefícios diretos (seguridade, saúde, educação, infra-estrutura, etc.) a 190 milhões de “clientes” é caro e complexo.  Há limites para as ONG's e principalmente para o setor privado como entregadores dos direitos. Sociedade que promete muito, precisa de Estado para entregar. Você conhece algum exemplo distinto?

Alguém imagina que uma empresa entregaria a promessa de direitos a um custo mais baixo? Some-se à complexidade da oferta, uma estrutura política (construída para reduzir o controle, melhorar a vigilância mútua e aumentar a permeabilidade democrática) em 3 esferas independentes, cada uma delas com 3 poderes independentes. Em uma ditadura, talvez seja mais barato estruturar serviços públicos, na Democracia (onde dividir poder é esencial), é complexo. Isto não exclui que o sistema político precisa e pode ser melhorado, mas diz que ele nunca será monolítico.

Duas questões não óbvias precisam ser lembradas na discussão impostos:

1) No Brasil os pobres pagam MUITO (quase 100% mais) mais impostos do que ricos. Quem ganha até 2 SM paga 49% dos seus rendimentos em tributos e quem ganha mais de 30, paga 26%. Insistimos em cobrar majoritariamente pela via de consumo (via ICMS, um imposto controlado pelos estados e não pela União). E quem é pobre, tem que consumir proporcionalmente mais de sua renda para viver. Quem consegue substituir 27 legislações do ICMS por uma legislação única, com critérios homogêneos e tributação menos injusta? Mais fácil fazer do Santa Cruz, do meu amigo João, campeão Mundial interclubes :-)

2) Desde 2005 até 2009, a CT estava estacionada em 33,6% do PIB e, em 2010, deve atingir 34,0%. Outro dado que se esconde. Qual é a CT útil? Sim. A que realmente pode ser usada para a sociedade. Precisamos abater os juros, que nos últimos 12 meses atingiram R$ 220 bilhões (5,7% do PIB), contra a média internacional de 1,8% do PIB. Assim, o que sobra é uma CT útil (CT menos juros) de 28,3% (34,0% menos 5,7%).

Comparação com os demais países, sem levar isso em consideração, induz a erro. A taxa de juros faz do Brasil um país POUCO endividado e não muito. Enquanto o nível da dívida de 40% do PIB está abaixo do padrão mundial, que supera 70%. Nos países ricos, já passa de 100%.

 Ainda falta muito para entregar a justa promessa de direitos e o Estado é a principal forma moderna que as sociedades usam para isto. Qualquer reforma tributária tem que manter a CT útil, pois é ilusão pensar que as despesas do setor público vão cair. Devem ser racionalizadas, direcionadas às crianças, enfocadas mais nos pobres, etc... Mas ainda assim, dentro de limites impostos por amarrações legais. Já dizia Twain: “A lei é um fardo, quando não nos beneficia”.