segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Subsídio nos meus olhos é Refresco: E Agora José?



 
José é um tipo que encontro com mais freqüência do que gostaria. Qualquer fosse a freqüência seria mais do que eu gostaria. José, nome fictício mas tipo real, é encontrado em festas de família, senta-se na poltrona ao lado no avião, compartilha uma fila de supermercado comigo. Em resumo, encontro José em situações compulsórias.

José pode ser empresário bem sucedido ou não. Vez por outra é empregado. José também é aposentado e, em um dia que azarado, dirige justamente o taxi que eu peguei.

José sempre tem críticas a tudo. Os políticos, a igreja, os clubes de futebol. José acha que jogador de futebol e qualquer um que tenha estudado menos que ele ou seja mais preto do que ele, ganha muito. José diz paga mais impostos do que tudo mundo. Tem certeza de que todos lhe roubam, de que ninguém é punido.

Além das críticas comuns, ultimamente, José anda indignado com o atraso nas obras da Copa. José se indigna com filas de aeroporto e sente vergonha do banheiro que os gringos encontrarão, quando vierem para a Copa. A mesma vergonha e indignação que nunca dedicou a uma fila de posto de saúde ou à lista de espera para vagas em creches. Posto de saúde e creches só incomodam a José, quando a empregada dele (que tem uma insistência irritante para que ele assine a carteira dela) falta ou se atrasa por estes motivos.

José sabe que é o único justo e que seu DVD pirata, seu recibo fraudado de médico, seu caixa 2, seu produto comprado de contrabando são pequenos direitos aos quais ele faz jus. José sabe que só há insegurança nas ruas e que a pena de morte baixaria a criminalidade. As frases preferidas de José são: “Este país não tem jeito”. “Isto aqui nunca será primeiro-mundo”. “Precisamos de pessoas diferenciadas, na política”.

José é um homem que se considera muito bem informado. Lê a Veja, as primeiras manchetes do mesmo jornal. Admira o Arnaldo Jabor e tem certeza de que a Miriam Leitão deveria ser candidata ao Nobel de Economia. Já leu, nenhum até o final, alguns livros que estão na lista dos 10 mais vendidos, inclusive algum sobre uma menina que rouba livros...

E José também gosta de conversar comigo. Eu atraio José aonde eu vou. Sempre puxa assunto. Não entende um mp3 no meu ouvido, um livro na minha mão como sinais de “nem venha”. E José não consegue conversar por mais de 5 minutos sem xingar o sistema de cotas (mesmo que não se importe que as Universidades Públicas sempre tenham dado cotas, nos cursos mais disputados, para a alta classe média que pode pagar boas escolas para neles ingressarem). Principalmente, José não resiste a mencionar suas refinadas análises do Bolsa-Família. José leu em algum lugar que ninguém mais quer trabalhar por culpa do BF. Também leu que tem muita gente que não precisa e recebe o BF. Leu que os beneficiários do BF gastam tudo em pinga e que seus filhos serão certamente ladrões de seu rico e justo dinheiro. José tem certeza de que ele trabalha para pagar o BF de quem não trabalha.

Se eu tivesse paciência com José (confesso que já não tenho), poderia citar-lhe um estudo feito por Alexandre Schwartman, um insuspeito homem da elite, (Escola de Chicago, até o DNA) acerca dos custos de subsídios governamentais no Brasil. E ainda completar com o estudo de Paes de Barros (IPEA, TD 671) sobre o BF e com os trabalhos de meu colega de FEA, Simão Silber sobre bancos e de Amir Khair, sobre dívida pública.

Vamos aos números resumidos:

1. O Bolsa-Familia custa por ano menos do que R$15 Bilhões. Beneficia diretamente a 41 Milhões de pessoas.

2. Bolsa-Família X Bolsa-Empresário
a. Os 3 principais programas de crédito subsidiado do BNDES custarão neste ano + de R$30 Bilhões só a parte dos subsídios. O total de beneficiários, contando-se aí os indiretos (empregados e fornecedores) é de 2.300.000 pessoas.

3. Bolsa-Família X Bolsa-Banqueiro
a. O custo que o governo paga para continuar acumulando reservas internacionais ACIMA do que é o nível recomendado pelo próprio FMI. O custo é estimado em R$60 Bilhões (que é a perda por comprar títulos americanos ao invés de vender outros, aqui, indexados pela SELIC).

4. Bolsa-Família X Bolsa-Mutuário
a. Através da CEF e de outros agentes de crédito, somente em 2011, R$32 Bilhões serão subsidiados para pessoas não-pobres. A cadeia beneficiada não passa de 7 milhões de pessoas, nos cálculos da própria CEF.

5. Bolsa-Família X Subsídios
a. Setor Privado e Saúde receberá através das isenções de IR outros R$11 Bilhões.
b. Cultura (Circo du Soleil da vida, Sociedade de Cultura Artística, comedinhas da Globo-Filmes, e outras iniciativas desde que vc tenha uma boa assessoria p/captar): receberá outros R$3 Bilhões.
c. Computação, Automóveis, Empresas de Navegação: Só estes 3 programas de incentivo custam quase R$ 7 Bilhões.

Resumindo, os “Bolsas-Ricos” custam ao país R$ 143 Bilhões/ ano, isto é quase 10 Bolsa-Família.

Se José ouvisse esta explicação diria que o BF incentiva a ociosidade (mesmo que 97% dos beneficiários trabalhe), enquanto estes programas geram riqueza. Bem, se usarmos os dados de Paes de Barros, para cada R$ 1,00 aplicado no BF, R$13 retornam em forma de impostos, redução de custos com serviços assistenciais, redução de custos com repetência, etc. Já nas “Bolsas-Ricos” o retorno médio estimado (nunca avaliado) é de 1 para 8, o que é um bom retorno para este tipo de ação

Meu foco aqui não é se estes programas são ou não eficazes. Meu foco é José. O Brasil segue um país no qual o Estado beneficia mais aos não-pobres, inclusive a classe média, mas José tem certeza de que subsidiado é o outro. Quando ele é beneficiado, o subsídio vira incentivo, reparação, etc.

Mesmo com todos estes dados, José seguirá com suas convicções porque se ele admitir os dados teria que mudar de crítica, mudar de vida, mudar de revista semanal. E José não quer mudar. Assim, se você encontrar José por aí, mude de fila, de festa, de taxi, etc...