terça-feira, 9 de agosto de 2011

UM PASTOR DO SÉC.XVIII, MINHA ESPOSA & A MATEMÁTICA DA MUDANÇA



Jonh Maynard Keynes (que para os economistas brasileiros representa mais ou menos o que o “Apóstolo Paulo” significa para a Igreja) ao ser questionado por um repórter se não estaria se contradizendo em relação ao que havia escrito anos antes, rebateu: “Quando os fatos mudam, eu mudo minha opinião, e o senhor o que faz?


O que provoca esta mudança? É possível provocar a mudança e controlar seu rumo? Como? 

Eu, por exemplo, há duas décadas tento sem sucesso mudar as idéias de minha esposa. Por isto, se você é casado, pode não acreditar, mas as pessoas mudam de opinião:-) 

Há cotidianos exemplos bem sucedidos nas quais o marketing (inclusive o religioso) muda idéias, faz as pessoas acreditarem que precisam de algo para serem felizes, crerem que o que era out agora é in e etc. Pagarem mais por uma marca que não entrega um produto diferente de seu concorrente mais barato. Trocarem suas ideias políticas por outras para não terem que bloquear todos os amigos nas redes sociais, etc.

Mas, mesmo as bem sucedidas e premiadas mentes do marketing reconhecem que a mudança é ciência imprecisa, de alto risco. Para cada Leão de Ouro de Cannes há centenas de fracassos. 

O estudo sobre a mudança é uma questão antiga. Filosofia e Sociologia (e Política) já tratam dela há séculos. No caso da Filosofia há milênios. Mais recentemente, a Administração passou a se dedicar a estudar o problema. Para turbinar contas bancárias de consultores e editoras, nas últimas décadas, criou-se até um nome para a área: Teoria da Mudança. E seu filhote:  “Gerenciamento da Mudança” que, caso venha em inglês "Change Management" fica mais caro.

Um excelente estudo sobre os padrões de mudança está em “The Theory that would not die” (Uma teoria que não morreria), de Sharon Bertsch McGrayne, da Yale University Press

McGrayne trata do Teorema de Bayes, cujo nome é uma homenagem a um matemático e pastor presbiteriano do século 18, isto é, um cara muito parecido com um pastor presbiteriano no séc. 21 :-)  OBS: É uma ironia que um pastor presbiteriano baseie uma teoria da mudança já que nós presbiterianos somos conhecidos, junto com os torcedores do América-RJ e os PSTU, como um dos grupos mais imutáveis da História :-)




Voltando a Bayes, McGrayne trata das seguintes perguntas essenciais: 

Como devemos modificar nossas crenças à luz de informações que recebemos? 

Devemos nos ater a conceitos, mesmo depois eles se tornaram insustentáveis? Ou abandoná-los muito rapidamente na primeira sombra de dúvida?

Ela responde a estas questões com a ajuda do Pastor Presbiteriano. 

Na sua essência, o teorema de Bayes trabalha com uma inversão engenhosa de pensamento: Se você quiser avaliar a força de sua hipótese, dadas as evidências, você também deve avaliar a força das evidências dada a sua hipótese. 

Bayes foi o primeiro cara a estruturar a ideia de que a mudança concreta é impulsionada pela realidade e não o contrário como querem fazer crer os gurus modernos da mudança, ao venderem os mitos dos líderes messiânicos que transformam tudo por sua vontade e gráficos de PowerPoint.


O teorema tem uma longa história e surpreendentemente complicada, narrada em detalhes no livro. Desde a formulação do matemático Richard Price, passando pelo ilustre matemático francês Laplace, que estendeu a aplicabilidade do teorema. O livro conta que Bayes, como as camisas listradas, entrou e saiu de moda em um campo científico após o outro. No século passado, tornou-se um ponto de discórdia entre grupos rivais de matemáticos, antes de desfrutar de um renascimento nos últimos anos.

O teorema em si é bem simples. 

  1. Parta de uma hipótese provisória sobre o mundo (e qual hipótese não é provisória?), atribua a ela uma probabilidade inicial (“probabilidade anterior” ou simplesmente, “anterior”). 
  2. Depois, colete evidências potencialmente relevantes e use o teorema para recalcular a probabilidade da hipótese à luz da nova evidência. Esta probabilidade revista é chamada a “probabilidade posterior” (ou simplesmente “posterior”). 
  3. Ao fim o teorema de Bayes estabelece que: “a probabilidade posterior de uma hipótese é igual ao produto de (A) a probabilidade prévia da hipótese e (E) a probabilidade condicional de a evidência dada à hipótese, dividido por (N) a probabilidade de novas provas.”

P= A*E/N


A autora conta um exemplo concreto. Suponha que você tenham uma moeda de 0,50 e pode trocá-la por outra. Há três moedas disponíveis. Mas, duas delas verdadeiras e uma falsa.  Você sabe que a falsificação sempre “dá cara”, cai com mesma face para cima.
Se você escolher aleatoriamente uma das três moedas, a probabilidade de que ela seja a falsa é de 1 em 3. Certo? Essa é a probabilidade anterior (A) da hipótese de que a moeda seja falsa. Agora, suponhamos que depois de pegar a moeda, você lança três vezes a moeda escolhida dá “cara” todas as vezes. Isto é, você fica fortemente desconfiado de que escolheu justamente a moeda falsa. Você quer saber agora a probabilidade posterior (P) de escolher uma falsificação? A resposta, usando teorema de Bayes (cálculo misericordiosamente omitido:-), é de 4 em 5. Você, portanto, reviu sua estimativa de probabilidade de pegar uma moeda falsificada de 1 em cada 3 para 4 em cada 5. Noutras palavras, o que era um risco pequeno (pegar a moeda falsa) passou a significar uma altíssima probabilidade. A experiência mudou sua idéia. Muito provavlemnte, você ficaria com sua moedinha de 0,50 :-)

Bayes é talvez o primeiro matemático moderno a trabalhar seriamente com o conceito do não-sabido, do incerto, do que nunca (talvez) seja esclarecido, nesta categoria estão a matérias escura do universo, o que minha esposa guarda na bolsa e o que acontece com as tampinhas de caneta Bic. 

Dois séculos depois, embora os Economistas sigam ignorando o que ignoram :-) , o conceito de Incerteza é essencial na Física e Matemática.

Em face da incerteza, o raciocínio de Bayes insere três perguntas:

1. O quanto estou confiante na verdade da minha crença inicial?

2. Partindo do pressuposto de que a minha crença original é verdade, o quanto estou confiante de que a nova evidência é precisa?

3. E, se eu não partir do pressuposto de que minha crença original é verdade (se isto for indiferente), o quanto estou confiante de que a nova evidência é precisa? 

Esta 3ª pergunta é chave porque ver uma evidência de algo que você previamente acredita é mais fácil. Vide um torcedor que sempre tem evidências de que o time dele foi roubado pelo juiz. Um proto-Bayesiano, o também matemático David Hume, sublinhou a importância de considerar a probabilidade de provar, quando formulou seu famoso axioma: “não se deve confiar na suposta evidência de um milagre, ao menos que seja ainda mais miraculoso crer que o milagre seja falso”.

O raciocínio Bayesiano ajudou a aproximar pontos de das evidências. Ajudou teorias a se sincronizarem com o universo. Assim, a formulação da mudança em Bayes é a crença reformulada pela experiência.

Hoje é comum dizer que as pessoas resistem às mudanças porque não a entendem. Usando Bayes, podemos fazer outro diagnóstico. Ser refratário à mudança pode ser porque simplesmente as evidências não apoiam a mudança que se quer alavancar. Em resumo, quem garante que a hipótese do guru (ou do chefe) esteja certa?

Poderíamos resumir o que a Teoria de Bayes nos ensina hoje em uma frase: Duvide, Reexamine as evidência, mude de opinião.

Bai de uei, ao rever o Teorema de Bayes, descobri porque não consigo mudar a ideia da minha esposa. Ela sabe, pelas evidências adquiridas em duas décadas, que o marido dela não diz (nem escreve) coisa com coisa.