terça-feira, 29 de março de 2011

A Primeira-Dama e as Medidas do Desenvolvimento


Junte uma pergunta complexa. Dois prêmios Nobel em Economia. Misture uma comissão formada por brilhantes e famosos cientistas, destas que até para servir cafezinho, você precisa ter um PhD. Adicione um presidente em necessidade de recuperar popularidade. Não se esqueça de trazer uma bela, charmosa e inteligente (apesar de casada com o cara) primeira-dama. Bata tudo em reuniões e seminários estrelados. Acrescente muitos dados.

Resultado: o relatório “La mesure des performances économiques et du progrès social" . Amartya Sen e Joseph Stiglitz apresentaram, há 2 semanas, as conclusoes da comissão formada a pedido do presidente francês, Nicolas Sarkozy.

O relatório partiu de uma missão: determinar os limites do PIB como indicador de desempenho econômica e progresso social. E identificar a necessidade e viabilidade de indicadores complementares. A Comissão para Mensuração do Desempenho Econômico e Progresso Social contou com outros renomados 21 integrantes, gente como Angus Deaton e James Heckman.

O relatório é um belo produto de análise, mas provocou muitas críticas. Afinal, em ciência quem não escreve, é contra. E cientista respeita somente o espelho. Deixo de lado, por hora, as análises mais detalhadas do relatório. E pego a reflexao feira  pelo grande Marcelo Neri que tratou dos  4 principais  pontos do relatorio, aplicando-os `a realidade brasileira:


1) PIB X PNAD – O relatório ressalta o perigo em não se aprimorarem as atuais medidas de desempenho econômico que se centram no Produto Interno Bruto (PIB). O relatório propõe outro caminho: enfatizar a perspectiva da renda e consumo do domicílio para melhor aferir padrões materiais de vida médios. Para países como o Brasil, isto tem se revelado um excelente caminho. Porque se no longo prazo no caso brasileiro a evolução de agregados como PIB das contas nacionais e a renda da PNAD apresentam tendências semelhantes, há um forte descolamento no período 2003 a 2009 quando a renda média cresceu 11,3 pontos percentuais a mais que o PIB. De acordo com a percepção os padrões médios de vida estão crescendo mais do que o PIB sugere. Na maioria dos outros países, inclusive China e Índia, tem acontecido o reverso, as respectivas PNADs indicam crescimento menor que o do PIB.

2) Sustentabilidade – O relatório propõe também que se considerem estoques de ativos (por ex.: incorporar atributos ambientais) para analisar a sustentabilidade dos indicadores de desempenho ao longo do tempo. Em outras palavras se os atuais níveis de bem-estar podem ser mantidos para gerações futuras. A lista de estoques ambientais seria enorme e divergente, mas Neri calculou a relação crescimento com os estoques de ativos captados pela PNAD. De um lado, a equação traz salários e indicadores de potencial de geração e utilização de renda (ativos produtivos como capital humano, como a educação; capital social (associativismo) e capital físico. A isto, usando o mesmo método e métrica, ele comparou os índices de potencial de consumo (duráveis, moradia, etc.). Resultado: No período entre 2003 e 2009, os primeiros (ativos) cresceram 38% a mais que os segundos (consumo). Logo, isto indicaria um aspecto sustentabilidade dos padrões de vida assumidos. Na década de 90, o indicador de consumo subiu mais do que o de capacidade de produção. Agora, mesmo com a importância do crescimento do crédito ao consumidor e das transferências públicas sociais (Bolsa Família, Previdência, etc.), o crescimento da educação e do emprego formal (embora em níveis ainda muito precários) são comparativamente mais relevantes para explicar as transformações em curso, sugerindo sustentabilidade do processo de crescimento.

3) Inclusão – Medidas de renda, consumo e riqueza devem estar acompanhadas por indicadores que reflitam sua distribuição. Por aqui, a média esconde mais do que revela. No período 2003 a 2009 o crescimento da renda real per capita da PNAD dos 10% mais pobres foi 69%, caindo regularmente na medida em que nos aproximamos, décimo a décimo, dos 10% mais ricos quando atinge 12,6%. Ou seja, a taxa de crescimento dos mais pobres foi 550% maior que a dos mais ricos. Nas classes pobres, crescemos mais do que a China. A desigualdade ainda é terrivelmente alta. Mas, reduziu significativamente e, lembrem-se, na China e na Índia ocorre o oposto. Lá há o aumento de desigualdade.

4) Percepção – Outro indicador que o relatório usa é o Índice de Felicidade Geral (IFB). Uma viagem na maionese econométrica, mas com aspectos úteis. Entre 2006 e 2009 o IFB foi do 22º lugar para ocupar o 17º lugar entre 144 países. Em outras palavras, você é mais feliz, sabia? Isto compara a melhoria de indicadores chamados objetivos com a percepção. Há países onde as pessoas acham que vivem em pior condição do que os indicadores mostram. Em outras, o contrário. Como a PNAD não dispõe de informações quanto à percepção das pessoas, Neri usa os índices globais do IFB (Gallup World Poll). Em 2009, o Brasil se situava em 17º lugar entre 144 países. Entre 2006 e 2009 a felicidade geral da nação sai do 22º lugar entre 132 países para 17º lugar em 144 países.

Em suma, se utilizamos dos mesmos aspectos do relatório Stiglitz-Sen, pode-se afirmar que o avanço econômico brasileiro nos últimos seis ou sete anos não constitui um espetáculo de crescimento, o PIB Brasil tem crescido na mediana da América Latina que não tem sido a região mais dinâmica do mundo. Mas, a PNAD nos sugere crescimento maior que o do PIB. E, segundo os critérios da comissão, a qualificação desse crescimento seria inclusivo e sustentável, não apenas em termos da objetividade e percepção.

E a primeira-dama com tudo isto? Bem, ela não tem nenhuma relação com o relatório, nada a ver com nenhum dos dados, reunioes, etc... Mas qual é a graça de falar do Sarkozy sem mencionar a Carla Bruni?

Antes que me perguntem, eu não fui convidado. Já tinha gente para servir cafezinho.



O relatório completo pode ser encontrado abaixo.