quarta-feira, 20 de abril de 2011

COBERTOR DE POBRE



Faz duas semanas, a presidente disse, em Belo Horizonte, que será difícil erradicar totalmente a pobreza do País ainda no seu mandato. O mesmo objetivo que apresentara na campanha e repetido nos discursos inaugurais do mandato. O grande Marcelo Neri, do CPS-FGV, já havia dito que "a erradicação é inatingível". Nery e outros defendem uma meta mais concreta, um compromisso: reduzir à metade o contingente atual de pobres.

Uma parte do trabalho de redução da pobreza foi feito (mesmo que nada seja irreversível). Desde 1994 (para que meus alunos tucanos e petistas não me acusem de nada:-), a queda já fora de 67%. Somente nos 8 anos do guru Lula, a queda foi de 50,6%. Isto é, 13 milhões a menos de pobres.

Mas, o Brasil é um país de grandes números. E, mesmo se até 2014, conseguirmos "apenas"a meta proposta por Nery (reduzir a pobreza à metade, ie, de 15,3% para 8,6%), ainda teríamos 16,1 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza (R$ 142 mensais). 8,6% “é baixo”, é muita gente. Significaria dizer, por exemplo, que em 2014, ainda haveria cerca de 6 milhões de crianças (usando a proporção de menores de 18 anos nesta faixa de renda) vivendo com menos do mínimo em comida, educação e abrigo.

O custo para erradicar totalmente a miséria, somente via transferência de renda, ficaria em adicionais R$ 22 bilhões anuais. O custo do Bolsa-Família está menos de R$ 15 bilhões/ano, cerca de dez vezes menos que a despesa com juros, só no plano federal.

Mesmo que a presidente reconheça que sua meta é difícil, mandou seu governo caminhar para alcançá-la. Como primeiro passo, estabeleceu-se que ao mesmo  nas 500.000 famílias cadastrados do BF a miséria será erradicada. Para isto, o governo fez um cronograma de aumentos no benefício. E concedeu, agora em 2011, 19,6% de aumento aos 12,9 milhões de famílias beneficiárias no programa (que reúnem cerca de 40 milhões de pessoas). Mas, como a Matemática é cruel, este "pequeno passo" já teve seu preço. O governo federal fará cortes de R$ 340 milhões em vários outros programas sociais, alguns cortes sociais:
  •  O ProJovem, que só atende 3,5 milhões dos 55 milhões de jovens possíveis beneficiários, perderá R$ 34,3 milhões;
  • O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) só terá R$ 250 milhões;
  • R$ 6,21 milhões foram cortados do programa de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças;
  • O sistema que protege o adolescente em conflito com a lei perde R$ 2,5 milhões;
  • O Fundo Nacional de Assistência Social terá um corte de 10% nos gastos opcionais;
  • R$ 1,5 bilhão a menos no orçamento do Ministério da Justiça para o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania e para combate a drogas.
  • R$ 1.8 Bilhão a menos para o Minha Casa, Minha Vida.

Se usarmos todo recurso disponível em transferência de renda, podemos prejudicar políticas estruturantes e inclusivas. E ainda, reduzir o déficit saneamento (essencial para garantir saúde e bom uso da água). Washington Novaes (em artigo do dia 8/4), lembrou que o IBGE aponta para 56% dos domicílios brasileiros, com mais de 100 milhões de pessoas, que não são ligados a redes de coleta de esgotos (e só 29% dos esgotos coletados recebem algum tratamento); quase 10% dos domicílios não recebem água tratada. Já o Atlas Brasil (Agência Nacional de Águas - ANA), expõe que perto de 55% dos municípios brasileiros enfrentarão problemas de escassez de água até 2025. A ANA afirma que o Brasil precisa investir R$ 22,2 bilhões para evitar o risco de colapsos. Já o investimento total em água e esgotos é calculado em R$ 70 bilhões. So' a perda com desperdicio de agua e' R$ 7,4 bilhões anuais”.

A pobreza muda e com ela precisam mudar as políticas. O país precisa ampliar os mecanismos para que mais pessoas possam acessar suas riquezas (“habitabilidade”, educação de qualidade, acesso a crédito produtivo, redução de impostos sobre consumo básico e salários, etc).

A presidente tem uma tarefa mais difícil do que reduzir a pobreza. Enfrentar uma construção de desigualdade estruturante que consolida privilégios. Este sistema está refletidos em tudo: Impostos focados em consumo e que beneficiam rentistas; Isenções focadas na elite (por exemplo: se “você” gastar 500.000 para fazer uma cirurgia plástica em Miami, pode deduzir isto de seu imposto, isto é, transferir a conta à sociedade; se ajuda a creche da sua comunidade ou se compra um livro para seu filho ler, aí é problema seu); Subsídios para setores produtivos controlados por poucos (Açúcar&Álcool, Mineração, Telecomunicações, Energia, etc.), Aposentadorias especiais; Benefícios Sociais não focados em pobres; etc.

A desigualdade e a pobreza não são fenômenos econômicos, são consolidações sociais. O Estado se aperfeiçou em beneficiar a poucos e perpetuar as desigualdades. Ou a presidente consegue destravar pelo menos alguns destes mecanismos ou terá que tirar de um pobre para dar ao outro. Em outras palavras, nao basta descobrir um santo para vestir outro. E' necessario deixar o diabo pelado :-)