segunda-feira, 18 de abril de 2011

A LINHA MÁGICA


Anda intranqüilo para sair pela cidade? Tem medo de que você ou alguém de que você goste seja vítima de violência?

Pois seus problemas acabaram! Chegou a Linha “aceitável” de homicídios. E, estamos abaixo dela. Sim. São Paulo passou em Março para menos de 10 assassinatos para cada 100.000 habitantes. Portanto, segundo a Organização Mundial da Saúde, estamos bem. O homicídio não é mais uma epidemia. Isto foi o que alardeou toda a "imprensa amiga"de SP, na semana passada. Seu senso de insegurança está errado. Certa está a "linha mágica" da violência.

O que isto significa? Comecemos pelo óbvio. Alias só a parte que a imprensa noticiou. Desde um pico triste em 1999, há uma redução no número de homicídios. O Rio também vem reduzindo suas taxas, desde 2002. Mesmo as capitais mais violentas como Recife, Porto Velho, Maceió e Vitória, demonstram diminuição na taxa.

Toda redução é bem vinda. Neste ano, em comparação a 2003, menos 1800 pessoas serão assassinadas no Brasil. Deixamos para trás um período crítico 1994-2004, no qual as taxas de homicídios mais do que dobrou em quase todo o país.

Agora, o que a imprensa não contou, porque não estava no “press release” do governo.

1. A tal linha epidêmica da OMS foi apenas marginalmente vencida. SP está com 9.52 homicídios para cada 100 mil moradores. Em um dado que conta com ocorrências episódicas, bastam 30 homicídios a mais neste trimestre, que voltaremos a passar a tal linha.

2. As desigualdades da linha persistem:
a. A Capital, Região Metropolitana de SP e as outras 5 maiores cidades do estado ainda estão todas acima da linha. A média estadual é que dá outra impressão.

b. A taxa de homicídios de jovens segue quase duas vezes (19.1/100.000) superior a geral.

c. A diminuição nos bairros pobres foi de menos de 40%, em relação aos de classe média. Em SP, em 1999, 3 em cada 10 assassinatos aconteciam fora de um bairro pobre. Em 2010, 9 em cada 10 acontecem nas regiões mais pobres.

3. A polícia apresenta a linha como seu triunfo, mas omite que:
a. As maiores diminuições nos últimos 2 anos foi nos homicídios de caráter interpessoal, i.e., crimes cometidos entre conhecidos, nos quais a ação policial pouco ou nada afeta na sua redução. Ações municipais como “leis secas”, têm mais impacto neste tipo de ocorrência do que ação policial.

b. A diminuição no número de latrocínios é a menor de entre todas as modalidades de homicídio.

c. Quase 30% dos assassinatos em SP sequer têm denúncia ao MP quanto à sua autoria. Na Argentina, este número é de 8%. Apenas 21.8% dos homicídios em São Paulo têm seu autor denunciado, condenado e preso.

d. Pesquisas mostram que um dos fatores que reduziram os homicídios não foi a polícia ou a segurança, mas a melhoria dos serviços de emergência. O número de incidentes violentos que atentam contra a vida (soma dos homicídios com as tentativas) ainda é 3 vezes acima da média “aceitável”. Mas, o número de mortes reduziu porque mais vítimas conseguem atendidas e salvas.

4. Os truques da linha:
a. Todos os assassinatos ainda não proclamados pela polícia e aceitos pelo MP como tal, pendentes de investigação, foram eliminados da taxa. Até 2008, a taxa contava os Boletins de Ocorrência, não as denúncias.

b. Diferentemente de outros países (EUA, EU mais 28), os homicídios considerados “dolosos” pela justiça, são retirados da lista. Mesmo as mortes em trânsito provocadas por comportamento criminoso (velocidade, embriaguez e quebra de regras). Na maioria dos países, quando há qualquer comportamento que ponha em risco o outro, mesmo se houver atenuante de pena, para a estatística esta morte é considerada “homicídio”, no Brasil, não.

Ainda sobre violência, mas na categoria furtos e roubos de veículos, a polícia orgulhosamente apresentou o dado que 43% dos veículos roubados foram devolvidos aos seus donos. Esqueceram de dizer, certamente por problemas de memória :-) que só 16% deles foram recuperados, o restante foi abandonado pelos ladrões. E, dos 16% recuperados, 92% tinham seguro. Coincidência boa para as seguradoras esta que faz com que a polícia só vá recuperar carros já segurados.

Em resumo, se algum ladrão lhe mostrar uma arma, saque o "press release" :-)




P.S. – minhas fontes neste post: INFOCRIM (SNSP/MJ); STATSYSTEM (OMS); Homicídios na RMSP, 2000-2010 (Guaracy Manardi, NEV-USP).