domingo, 29 de agosto de 2010

É possível medir Aquilo que se Esconde?

Parece bastar um gatilho (que diminua os constrangimentos sociais e o aparato policial) para que vizinhos cordatos, pacatos dentistas, líderes de igreja, amáveis pais de família virem milicianos, saqueadores, estupradores e assassinos impiedosos.
Ódio, preconceito, medo, escolha o nome. Recentemente apareceu em lugares distintos, com religiões e regimes políticos diferentes. Congo, França, Timor Leste, Ruanda, Bósnia, Palestina e EUA.
Como saber quanto ódio está oculto e espera uma oportunidade? É possível medir o medo latente? Há como mensurar o risco de explosão social?
No caso dos EUA, bastaram um dique rompido, a ausência da polícia e da eletricidade para que 300 anos de cristianismo, mais de 100 de voto universal, 40 de direitos civis se desmanchassem, como se fossem uma maquiagem, uma casca de cal. Por baixo, ódio que faz do outro o mal e de mim seu juiz e executor.
Cinco anos depois do Katrina, literalmente depois das águas baixarem, uma comissão federal de investigação descobre a barbaridade do momento no qual o ódio escapa da jaula. Violência policial contra civis desarmados, mais de uma centena de negros pobres assassinados por milicianos brancos, armados e atirando contra todo mundo que lhe parecessem diferentes.
Parafraseando Nando Reis: O ódio pode estar do seu lado... :-)

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Violência pós-Katrina e justiça



TRYMAINE LEE  (editado)



As narrativas sobre aqueles dias caóticos - feitas principalmente com base em rumores infundados e histórias precipitadas - rapidamente se consolidavam numa espécie de consenso alarmante: negros pobres e saqueadores estavam matando pessoas inocentes e aterrorizando quem passava à sua frente na cidade escura e sem proteção.



Hoje, um quadro mais nítido vem surgindo, também alarmante, incluindo a violência por parte de brancos, assassinatos pela polícia, autoridades encobrindo fatos e uma população sofredora muito mais brutalizada do que muitos queriam acreditar. Diversos policiais e um cidadão branco acusados de violência racial já foram indiciados e outros incidentes vêm sendo revelados desde que o Departamento de Justiça iniciou várias investigações sobre violações de direitos civis ocorridas depois da passagem do Katrina.



"O ambiente criado pelo furacão despertou o que estava adormecido nas pessoas aqui - o ódio e o desprezo que sentem pelos afro-americanos na comunidade", disse John Penny, criminologista da Southern University de New Orleans. "Nunca saberemos quantas pessoas foram mortas a tiros, ou cujos corpos jamais serão encontrados."


Os diques destroçados deixaram 80% da cidade submersa, mas na área não inundada de Algiers Point, por exemplo, um enclave de brancos numa área predominantemente negra, na margem ocidental do Rio Mississippi, milícias brancas armadas fecharam muitas ruas do bairro.

Eles colocaram cartazes dizendo "atiramos nos saqueadores". E disparos eram ouvidos nos dias e noites quentes como se fossem estrondos de trovões de uma nova tempestade.

Reginald Bell, um cidadão negro, disse numa entrevista ter sido ameaçado com uma arma por dois homens alguns dias após a passagem do furacão. Os homens, num terraço a algumas quadras da sua casa, gritaram para ele: "não queremos gente do seu tipo por aqui." Então, um dos homens apontou sua espingarda na direção de Bell e o desafiou a andar de novo pelas ruas de Algiers Point. No dia seguinte, os homens de novo o confrontaram quando estava na varanda da sua casa com a namorada. Eles empunharam suas armas - uma espingarda e uma Magnum 357 - apontaram para o rosto do casal e repetiram a mesma coisa.

"Não havia luz elétrica, nem polícia, nada", disse Reginald Bell, de 41 anos. "Éramos presas fáceis. Eu dormia com uma faca de açougueiro e um machado sob o travesseiro." A margem ocidental da cidade foi poupada pelas águas, mas nos dias e semanas posteriores ao furacão, estava coberta de árvores caídas e, segundo testemunhas, de corpos de negros - nenhum deles com sinais de afogamento.

"Vi corpos estendidos nas ruas durante semanas", disse Malik Rahim, que mora próximo de Reginald Bell e veio em sua ajuda. "Não estou falando da Ninth Ward (área mais afetada pelo furacão), mas de Algiers. Vi corpos intumescidos e dilacerados pelos cães. E todos com ferimentos de balas."

"Estamos gritando a plenos pulmões desde aqueles primeiros dias, mas ninguém nos ouviu", disse Reginald Bell, que procurou a polícia logo depois do incidente com os dois brancos, mas cuja queixa não foi registrada. Só no ano passado, quando foi entrevistado por um grande júri federal que examina as violações de direitos civis em New Orleans após o Katrina que as pessoas parecem dar atenção ao caso, disse ele.

Algumas das acusações mais graves surgiram depois das investigações realizadas pelo The Times-Picayune e a organização ProPublica, que trouxeram a público a violência policial e racial em Algiers Point Um dos casos é o de um ex-morador da região, Roland J. Bourgeois Jr, branco, acusado de fazer parte de um grupo de vigilantes.

Ele foi indiciado pelo governo federal, acusado de envolvimento no assassinato a tiros de três negros que tentavam fugir da cidade. De acordo com o laudo de acusação, Bourgeois, que vive hoje no Mississippi, alertou um vizinho que "qualquer coisa que passar pela rua mais escura do que um saco de papel pardo vai levar um tiro".

"O caso mais comentado envolvendo a polícia foi um incidente em Danziger Bridge, quando policiais com fuzis e armas automáticas atiraram contra um grupo de civis desarmados, ferindo quatro pessoas de uma família e matando duas, incluindo um adolescente e um homem com deficiência mental.

O homem, Ronald Madison, de 40 anos, levou um tiro de espingarda nas costas e depois foi pisoteado e chutado até morrer, segundo os autos do processo.

Em maio, o prefeito Mitch Landrieu pediu ao Departamento de Justiça que conduzisse uma reforma total do Departamento de Polícia da cidade. O Departamento abriu também diversas investigações de caráter civil e criminal sobre a violência envolvendo policiais após o Katrina. Thomaz Perez, procurador-geral assistente, disse que o governo está investigando oito casos criminais envolvendo má-conduta de policiais.

Muitas pessoas na cidade - incluindo ativistas, vítimas e testemunhas - há muito tempo sustentam que a violência racial foi ignorada pela polícia local.